Foto: Sammy Williams, Pixabay

Relatório sobre o clima demonstra sinais de esgotamento do capitalismo

Na segunda-feira, 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) divulgou seu último relatório sobre o clima, resultado de sete anos de pesquisa.

O presidente da COP-261, Alok Sharma, declarou que “Não podemos nos permitir esperar dois anos, cinco anos, dez anos, mas nos aproximamos perigosamente do momento em que será muito tarde. […] Um fracasso da COP-26 seria catastrófico, não há outra palavra” (Alok Sharma, presidente da COP 26 – AFP, 08/08/2021)2

Entre outras constatações alarmantes o relatório apresentou os seguintes pontos:3

  • Até o ano de 2030 a temperatura média global poderá atingir 1,5 o C, ou 1,6 oC acima dos níveis da era pré-industrial. A expectativa anterior era que esse patamar seria atingido apenas em 2040;
  • Esgotamento dos sumidouros de carbono. As florestas, o solo, os oceanos, absorvem parte significativa do gás carbônico produzido por ações humanas. Porém, tais sumidouros estão dando sinais de saturação, o que significa mais carbono na atmosfera;
  • Elevação do nível do mar. Na última década a velocidade de aumento do nível dos oceanos triplicou em relação às décadas anteriores. Caso a temperatura média global atinja 2 o C, os oceanos devem subir cerca de meio metro durante o século 21;
  • A temperatura média do planeta é a maior dos últimos 125 mil anos;
  • Desaceleração das correntes atlânticas. Uma das consequências do aquecimento global é a desaceleração das correntes marítimas do Oceano Atlântico, que regula o trânsito da temperatura entre os hemisférios. A desaceleração poderá acarretar mudanças drásticas no clima em várias partes do planeta, como invernos mais rigorosos na Europa, alterações nas monções da África e Ásia e elevação do nível do mar no Atlântico Norte.

O que foi feito até agora

O problema das mudanças climáticas foi constatado ainda na década de 1970. Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente no Rio de Janeiro (Rio-92), foi aprovado o primeiro Tratado Internacional com a finalidade de enfrentar o aquecimento Global: a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas.

Esta Convenção estabelecia regras gerais sobre a responsabilidade dos Estados-Parte, como a responsabilidade comum, mas diferenciada, que atribuía obrigações distintas para os países de acordo com as responsabilidades históricas na emissão dos gases de efeito estufa (GEEs). Assim, no Anexo I da Convenção-Quadro, foram relacionados os países que iniciaram o processo de industrialização antes dos demais, o que obrigaria a estabelecer metas de redução mais ambiciosas. Fazem parte do Anexo I, entre outras nações, os Estados Unidos, Japão, Rússia e boa parte da Europa Ocidental. Grandes emissores de GEEs, como a China, Índia e o próprio Brasil, embora signatários do Protocolo de Quioto, não estavam obrigados a estabelecer metas de redução.

A Convenção-Quadro seria colocada em prática através do Protocolo de Quioto, aprovado em 1997. De acordo com este tratado, os países do Anexo I da Convenção-Quadro deveriam reduzir suas emissões de GEE em 5,2% entre os anos de 2008 e 2012. O propósito de Quioto, mesmo que insuficiente para enfrentar o problema, nunca foi alcançado. Os EUA, então o maior emissor, não ratificou o Protocolo de Quioto, enquanto a China, neste primeiro momento, também não estava obrigada a reduzir suas emissões. As duas potências econômicas, até aquele momento, eram responsáveis por praticamente a metade das emissões de GEE do planeta.

As negociações pós-Quioto pouco avançaram no período pretendido. Apenas em 2015 foi aprovado o Acordo de Paris, tratado vigente sobre o clima. O objetivo do Acordo de Paris, ao contrário de Quioto, não é o de atingir uma meta específica de redução de emissões de GEE, mas sim fixar um teto para o aumento da temperatura global em, no máximo, 2 º C acima dos níveis pré-industriais. Para alcançar este objetivo cada país deve estabelecer uma meta de redução. O Brasil se comprometeu a reduzir 35% das emissões de 2005 até 2025 e 42% até o ano de 2030.

Tanto o Brasil, como o restante do mundo, dificilmente atingirá as metas estabelecidas. Por mais alarmantes que sejam as advertências, a voz do comércio internacional e suas grandes corporações sempre soará mais alto do que qualquer sirene, mesmo que anuncie o fim do mundo.

O colapso do clima é o colapso do sistema

Ao se referir ao relatório do IPCC, o presidente da COP-26 Alok Sharma declarou que esta é “a advertência mais séria já feita sobre o fato de que o comportamento humano acelera de forma alarmante a mudança climática”.4 Mas não é o comportamento humano o verdadeiro responsável pelas mudanças climáticas. O colapso do clima decorre da desordem econômica do capitalismo e sua ruptura com o estado da natureza.

Isto porque no capitalismo a produção não é orientada para atender as necessidades humanas, mas para atender a voracidade do capital. O mesmo capital que explora, suga e oprime a classe trabalhadora para extrair a mais-valia e concentrar a riqueza nas mãos de poucos, também utiliza a natureza de forma predatória para atender os seus fins.

O que diferencia o ser humano dos outros animais é justamente a sua capacidade de transformar a natureza por meio do trabalho. Esse metabolismo (transformação) com a natureza é assim explicado por Marx:

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata, aqui, das primeiras formas instintivas, animalescas [tierartig], do trabalho.5

As várias formas de organização do trabalho (a escravidão, a servidão e o trabalho assalariado) marcaram as diferentes formas sociais desde o início da civilização. As três formas de organização do trabalho têm em comum a apropriação do trabalho alheio em benefício da minoria (do senhor de escravos, do senhor feudal e do capitalista).

Esse processo de transformação da natureza, nas sociedades de classes, sempre resultou no prejuízo para o meio ambiente natural, prejuízo este que se intensifica de forma exponencial no modo de produção capitalista.

John Bellamy Foster, sociólogo norte-americano, analisa aquele conceito de metabolismo de Marx na relação humana com a natureza e o problema que decorre desse metabolismo no modo de produção capitalista:

Mas uma falha (rift) irreparável surgiu nesse metabolismo em decorrência das relações de produção capitalistas e da separação antagonista entre a cidade e o campo. Daí ser necessário, na sociedade de produtores associados, “governar o metabolismo humano com a natureza de modo social, que excede totalmente as capacitações da sociedade burguesa.6

Marx, no Capital e em outras obras analisa os problemas decorrentes da exploração predatória da natureza, especialmente das práticas agrícolas que levam ao esgotamento do solo, ao transporte de guano da América do Sul para a Europa utilizado na adubação e as péssimas condições do meio ambiente do trabalho.

Por isso não há possibilidade de resolver os grandes problemas ambientais sem a superação do capitalismo. Políticas ambientais experimentadas pelo chamado capitalismo verde, como defende Marina Silva e alguns empresários engajados na causa ecológica, possuem função meramente cosmética na crise ambiental, pois não atacam a questão de fundo.

“Soluções” reacionárias para a crise ambiental existem desde os tempos de Thomas Malthus que creditava o problema à superpopulação e via no controle demográfico o remédio para enfrentá-la. Nos anos 1960, quando a temática ambiental adentrou ao círculo das relações internacionais, o Clube de Roma7 propôs no seu relatório denominado “Os limites do crescimento”, a ideia de “crescimento zero”, pois considerava que o crescimento econômico e a necessidade desmedida por recursos naturais levariam, em algumas décadas, ao esgotamento de tais recursos.

A Corrente Marxista Internacionalista (CMI) em junho de 2020 divulgou suas Teses sobre a Crise Climática, onde desmistifica as políticas burguesas de “enfrentamento” do problema do clima:

Os danos ambientais não são causados pela industrialização ou pelo crescimento, mas pela maneira como a produção é organizada e controlada sob o capitalismo. Longe de fornecer eficiência, a concorrência e a motivação do lucro levam a uma corrida ao fundo, criando enormes níveis de desperdício e poluição. As corporações incorporam a obsolescência nos produtos para vender mais. Um enorme setor de publicidade tenta nos convencer a comprar coisas de que não precisamos. E empresas, como a Volkswagen, trapaceiam e rompem ativamente as regulamentações ambientais, a fim de reduzir custos e aumentar os lucros.

Por isso há que se combater quaisquer ilusões quanto às resoluções da crise ambiental nos marcos do capitalismo. Somente uma sociedade organizada pelos produtores associados permitirá uma relação racional e sustentável entre a sociedade humana e a natureza. Se os grandes problemas ambientais colocam em risco a vida humana no planeta, mais do urgente é a necessidade de superação do capitalismo.

O movimento ambientalista durante muito tempo foi apropriado por organizações pequeno-burguesas, liberais, ONGs, muitas vezes financiadas por grandes corporações. O resultado foi uma política não apenas equivocada e infrutífera, mas que também mascara, omite a realidade e perpetua o problema.

Marx dizia sobre a necessidade de sermos radicais. Radicais para ir até a raiz do problema e o problema climático decorre sobretudo do modo de produção capitalista. Portanto, a solução para a crise climática é tarefa urgente da classe da trabalhadora e da juventude, pois, como conclui a tese da CMI:

Somente com a transformação socialista da sociedade podemos satisfazer as necessidades da maioria em harmonia com o meio ambiente, em vez de gerar lucros para uma minoria parasitária. Existem a ciência e a tecnologia para lidar com as mudanças climáticas. Mas, sob o capitalismo, essas forças estão destruindo o planeta Terra, não o salvando. Socialismo ou barbárie: esse é o futuro diante de nós.

1 Sigla da Conferência das Partes, formada por um representante de cada Estado-Parte da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, tratado internacional aprovado durante a II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

2 Relatório do IPCC é “advertência mais séria já feita” sobre o clima, afirma presidente da COP26. Portal Isto É Dinheiro, 08/08/2021. https://www.istoedinheiro.com.br/relatorio-do-ipcc-e-advertencia-mais-seria-ja-feita-sobre-o-clima-afirma-presidente-da-cop26/

3 Parte de efeitos da mudança climática pode ser irreversível, alerta IPCC. Portal Uol, 09/08/2021.  https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2021/08/09/relatorio-ipcc-agosto-2021.htm?cmpid=copiaecola

4 Relatório do IPCC é “advertência mais séria já feita” sobre o clima, afirma presidente da COP26. Portal Isto É Dinheiro, 08/08/2021. https://www.istoedinheiro.com.br/relatorio-do-ipcc-e-advertencia-mais-seria-ja-feita-sobre-o-clima-afirma-presidente-da-cop26/

5 Marx, Karl. O Capital – Livro 1: Crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 255.

6 FOSTER, John Belamy. A Ecologia de Marx. Materialismo e natureza. Trad. Maria Tereza Machado. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 201.

7 Grupo formado em 1968 pelo industrial italiano  Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King, com o fim de encontrar soluções globais para temas como economia, política e meio ambiente. Atualmente, conta entre seus membros com personalidades como Cesar Gavíria, Fernando Henrique Cardoso e o Rei Juan Carlos, da Espanha.