Reforma Política e CPI da Petrobrás

No Congresso o PT adotou nestas duas questões uma posição que a princípio parece simples: questiona a forma do debate ao invés de entrar diretamente nele. Por que? Porque suas posições, hoje, estão muito à direita.

CPI e PMDB

A partir de um acordo “parlamentar” o PMDB passou a ser o parceiro “privilegiado” do PT no Governo e no Congresso. Isto levou a que no ano passado a atuação do PT fosse decisiva para que o hoje o líder do PMDB, Renan Calheiros, não fosse cassado, apesar da posição individual de alguns petistas como Mercadante e Suplicy. O resultado é que Renan, que na época era o Presidente do Senado e forçado a renunciar da Presidência deu a volta por cima e elegeu para Presidente o velho Senador José Sarney, o homem que conseguiu sempre estar na crista da onda – era a favor dos governos militares, foi a favor da “redemocratização”, vice de Tancredo Neves contra Maluf e guindado à Presidência com a morte de Tancredo, a “consciência moral” do Senado e conselheiro de todos os Presidentes depois dele – Itamar, FHC e agora Lula.

Esta “reserva moral”, na verdade um verdadeiro senhor feudal transplantado do século XX para este, com filhos em vários partidos diferentes, até no Partido Verde, entra na Presidência do Senado no meio de uma saraivada de escândalos – contratos de terceirização, auxílios-moradia não explicados, contas milionárias de telefones para os senadores e suas famílias, auxílio-médico para senadores e ex-senadores, etc. E a pressão sobre o “pobre coitado” faz que a sua presidência seja um pouco mais que formal. E eis que ele falta alguns dias e a oposição manobra (com a conveniência de alguns governistas) e aprova a CPI da Petrobrás.

Por que os governistas estão em guerra com o governo? Por que o governo decidiu privatizar a Infraero. Então é um racha à esquerda no governo, uma luta contra as privatizações? Seria demais esperar isso neste tão nobre Senado da República, acolhendo os homens mais experientes (e, não por acaso, mais processados por corrupção na justiça). O que ocorre é que para privatizar, o Ministro Jobim está antes desvencilhando-se dos cabides de emprego na estatal. E os senadores não aceitam tal lógica empresarial e retaliam o governo com a ameaça de CPI da Petrobrás.

Mas, se este é motivo da “base governista”, qual o motivo da oposição? Ocorre que a “oposição” já tinha usado e muito a Petrobrás durante o seu governo (FHC) para conseguir que as empreiteiras que têm contrato com ela doassem para os seus partidos. Com Lula na Presidência, a relação se inverte e os empreiteiros doam agora para o PT. Isso sem contar algumas brigas bastante edificantes na base governista como o financiamento de festas natalinas (tudo a ver com os objetivos da empresa) na Bahia, confrontado PT e PMDB. E tudo confluiu para a CPI ser aprovada.

CUT e Governo

Sejamos francos: hoje a Petrobrás tem a maioria do capital votante da União, mas a maioria do seu capital é privado. Neste sentido é correta a campanha de “Petrobras 100% estatal” assim como é correto denunciar os leilões de petróleo que a ANP vem realizando, conforme a CUT vem fazendo, exigindo que retorne o monopólio estatal do petróleo (ver mais no site da CUT e no site da campanha unificada “O Pré-sal é do povo brasileiro”).

Esta campanha, entretanto, tem um pequeno porém: ao não exigir imediatamente a revogação da lei 9.478 e ao colocar a exigência do “fundo soberano” a CUT desliza em confundir a sua posição com a posição do Governo que é posição privatista. Claro que o governo disfarça sua posição com a história de construir outra estatal “100% nacional” que controle o pré-sal e faça licitações. Além disso, o tal “fundo soberano” do governo é para investir no exterior, inclusive, ou seja, ao invés de promover o desenvolvimento nacional servirá para aumentar a especulação financeira que é o marco atual do capitalismo.

Numa carta a Lula assinada pela direção da CUT de 30/08/2008 estes problemas ficam flagrantes, a começar por pedir a revisão do acordo Brasil-EUA sobre o etanol e não a sua revogação. Sobre o Pré-Sal, então, as dificuldades ficam claras:

Com relação ao petróleo, defendemos a imediata suspensão de todos os leilões; o estabelecimento de um novo marco regulatório para o petróleo da camada pré-sal, que garanta ao Estado brasileiro e à Petrobrás a exploração – o que inclui a condução do ritmo de extração das reservas, conforme estratégia de médio e longo prazo – e a comercialização e distribuição; definição de políticas para fortalecimento e criação de cadeias produtivas de fornecedores de equipamentos e tecnologia para a Petrobrás e de refino e industrialização do petróleo extraído; a criação de um fundo subordinado ao Estado brasileiro, com controle social, com a função de gerir os recursos advindos do pré-sal e para decidir seu destino, com prioridade para projetos de educação, saúde, pesquisa e tecnologia, infra-estrutura, segurança e cultura.

Ao colocar a questão dessa forma, ao explicar em outro ponto que existem “duas posições”, as que querem manter os leilões e as concessões atuais, que são privatistas, e a posição pela estatização, a CUT faz questão de esquecer que a posição do governo é por um novo tipo de privatização, um “novo marco regulatório”, uma nova empresa “100% estatal” que faça as concessões sob contrato e a favor de um “fundo soberano”.

Se a CUT fosse coerente com sua posição, não pediria um “fundo soberano”. Afinal de contas, se a Petrobrás for reestatizada (100% estatal), se os seus lucros pertencem portanto ao estado, eles comporão o orçamento da União e trata-se então de uma disputa política para saber onde o orçamento é usado – no pagamento da dívida, no financiamento dos grandes grupos privados ou na saúde e educação.

Mais ainda, para ser coerente com o “controle social”, é necessário lembrar que existem duas grandes classes que determinam o rumo do país: a burguesia – os ricos – e o proletariado – os trabalhadores. E o único controle social que não seja “os ricos” controlando, é organizar os trabalhadores em comitês de fábrica, de empresas que controlem toda a produção e os investimentos, em outras palavras, é batalhar por um estado socialista que substitua o atual estado capitalista. Fora disso é conversa para boi dormir que todos os capitalistas adoram um “controle social” desde que o “social” fique na conta dos trabalhadores e o “controle” seja exercido por eles.

Mais ainda, para ser coerente, a CUT deve mobilizar contra a CPI e também contra a proposta de regulamentação de Lula, que o Ministro Lobão já apresentou à imprensa, destacando que a Petrobrás terá um papel importante, mas que se manterão as concessões privadas “em novo modelo”. Esquecer que o governo está caminhando nesta direção é enganar o povo que se mobiliza junto com a CUT (e em nenhum dos documentos que pesquisei existe a crítica a esta posição do governo, que deveria estar no centro da agitação da CUT). Será que é porque a CUT não acredita que o governo tem uma posição privatista?

Privatizações, Reforma Política e formas de combate

Em um artigo de 03/06/2009 na Folha de São Paulo, onde explicam porque a reforma política deve ser feita por um congresso revisor (somente com este tema) que trate dos assuntos da reforma política, Berzoini e José Genoino, lideranças do PT, explicam os problemas existentes:

A política não pode se transformar num objeto que só se manifesta por meio do espetáculo do escândalo.

A balbúrdia nem sequer permite ao eleitor saber em que programa partidário está votando – nem mesmo o real destino do seu voto, já que este é contado para a proporção de vagas do partido. O eleitor pode eleger quem não escolheu.

É preciso perceber que corrupção e impunidade têm estreita ligação com o sistema político-eleitoral. Os resultados dos defeitos do atual sistema eleitoral são conhecidos: um Legislativo desmoralizado e uma difícil governabilidade para qualquer Executivo. Precisamos de reformas estruturais.

Ora, são justamente estes os argumentos levantados pela oposição para exigir a CPI da Petrobrás e, desestabilizando a empresa, abrirem caminho para a sua privatização. Eles reclamam que existe corrupção e que a CPI é necessária para coibi-la. E não escondem que querem impedir a governabilidade. E o problema é que não só Berzoini e Genoino concordam com eles, como propõem como saída… reformas estruturais. No caso, a reforma política.

Aliás, em termos de reforma política o que poderia “diminuir” a corrupção seria a proibição de que empresas pudessem doar para campanhas eleitorais e partidos, assim como estabelecer um teto de contribuição individual para partidos e candidatos. Simples, não é? Mas preferem ficar discutindo mundos e fundos, principalmente fundos, que permitam a burocracia parlamentar de hoje (os chamados “políticos”) a continuarem onde sempre estiveram – no Congresso, em alguma assessoria, em algum posto governamental, etc. Uma reforma dessas diminuiria o custo da campanha, mas quem está interessado nisso? Eles não, certamente.

Qual o problema da posição de Genoino e Berzoini? Em termos simples o que está confundindo o eleitor brasileiro não é o sistema de votação (qualquer sistema de votação burguês é sempre feito para confundir o eleitor, não vamos nos estender sobre isso agora), mas a posição política dos contendores que está muito parecida! O PT tem como aliado o PMDB, que é disputado pelo PSDB, que tem uma luta aberta para saber se seu candidato é Serra ou Aécio – Aécio que Lula acalenta em seus sonhos muitas vezes compartilhados que gostaria que fosse seu candidato! O PT também tem como aliado Collor, que participa da CPI para garantir a “lisura”! E o PP de Maluf também é aliado do PT! E um ministro de Lula propõe a privatização da Infraero, outro propõe o novo marco regulatório do petróleo com participação da iniciativa privada e a Ministra Dilma, que gostou da idéia de uma petroleira “gerencial” para “gerenciar” contratos com a iniciativa privada propõe o mesmo modelo para o trem-bala entre SP e Rio.

Assim, a confusão que os dois deputados enxergam na “forma”, na realidade é devido ao conteúdo que o partido imprime que mais e mais se parece com o conteúdo do PSDB a ponto dos jornais especularem que Obama está propondo que Lula vire presidente do Banco Mundial! Uau, de pobre e líder operário de greves, passando por Presidente do Brasil a Presidente do Banco Mundial. Bela carreira, enquanto que os trabalhadores, embaixo, se perguntam: e quando chegará a hora do peão?

A dificuldade de instalação da CPI da Petrobras é resultado dessa “confusão” onde tudo o que interessa é preservar “meus” postos na Petrobrás e “minhas” fontes de financiamento eleitoral vinculadas à empresa. Desta forma, até o PCdoB que se diz comunista tenta colocar seu único senador na CPI para impedir a investigação da ANP (lembrando que a ANP é dirigida por um ex-deputado do PCdoB e que vem promovendo os leilões, contra os quais o partido se manifesta diuturnamente. Coerência não parece ser o grande motivador do Partido, ao que tudo indica…) deixando a relatoria da CPI das ONGs e criando mais uma confusão, quando a oposição se auto-indica para substituir um relator do governo! E ai, o PMDB (leia-se Renan) não se entende sobre quem deve ser o relator para que o relatório não prejudique suas bases na Petrobrás, briga com o PT que briga com o PMDB pelos nacos da Petrobrás e o petróleo a esta altura, que um dia já foi “o petróleo é nosso” se torna “o petróleo é de alguns poucos aqui para financiar sua campanha eleitoral”.

A confusão não é de forma, é de conteúdo! E se o governo quisesse realmente derrubar a CPI da Petrobrás ao invés de se submeter as chantagens de Renan e companhia, o governo iria mobilizar o povo para derrubar a atual Lei do petróleo, iria suspender todos os leilões de petróleo, iria revogar a lei de petróleo por Medida Provisória, iria extinguir a ANP por meio de Medida Provisória, etc. e iria chamar os trabalhadores a constituir comitês em todas as companhias de petróleo para garantir a Petrobrás pública, para garantir a retomada das plataformas em mãos de empresas estrangeiras, iria chamar a constituição de comitês de trabalhadores em todas as empresas para defender que o Petróleo é nosso. Sim, um dia Lula defendeu tudo isso, mas hoje a realidade é outra e quem sobra defendendo isso somos nós, da Esquerda Marxista.

Esta é a posição da Esquerda Marxista. E estaremos batalhando com todos que possam ajudar a luta contra a destruição ainda maior da Petrobrás e pela sua retomada, 100% estatal.

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