Por que as tropas francesas estão no Mali e por que o Partido Comunista Francês apoia a guerra?

O governo francês afirma que está enviando tropas ao Mali para combater o terrorismo e o fundamentalismo islâmico. No entanto, a verdade é muito concreta: a França tem grandes interesses na região e está lutando para mantê-la em sua esfera de influência. Tragicamente, a liderança do Partido Comunista Francês (PCF) apoia a guerra. Greg Oxley, editor de La Riposte e membro do “Conselho Departamental” do PCF em Paris, nesta entrevista dada recentemente a Raoul Rigault, do jornal de esquerda alemão Junge Welt, explica as razões de tudo isto.

Do seu ponto de vista qual é a razão da intervenção francesa no Mali?

O capitalismo francês tem grandes interesses nessa parte da África. O Mali tem importantes recursos minerais. É o terceiro maior produtor de ouro no continente e tem reservas inexploradas de petróleo e outros recursos naturais. Mas, acima de tudo, a importância do Mali para o imperialismo francês deriva de sua posição geográfica. A França necessita controlar a situação política e militar no Mali devido aos seus interesses na Argélia limítrofe, na Mauritânia e na Costa do Marfim. A França é uma potência declinante na África, como no restante do mundo. Desde 2005, a França perdeu não menos de um quinto de sua participação no mercado mundial. Dentro da Europa, a posição da França enfraqueceu há muito, especialmente desde a reunificação da Alemanha. A derrubada de Ben Alí, Mubarak e Kadhafi, bem como a de Saddam Hussein, representará um enfraquecimento ainda maior dos laços comerciais e industriais com a África do Norte. A China, os Estados do Golfo, EUA e Alemanha estão ganhando terreno na África à custa da França. A intervenção militar é parte de uma estratégia geral tentando escorar a posição declinante da França.

Mas François Hollande disse que era uma guerra contra o fundamentalismo e o terrorismo e para resgatar a civilização naquela terra africana. Por que você não concorda com isto?

Não concordo com isto porque não é verdade. O imperialismo francês, como o imperialismo americano, em muitas ocasiões apoiou e encorajou ativamente o “fundamentalismo” como um meio de conter movimentos revolucionários e anti-imperialistas nos antigos países coloniais. Apoiou as milícias fundamentalistas no Afeganistão nos anos 1980. E, em seguida, apoiou a invasão “Talibã” dos anos 1990. Mais recentemente, na Líbia, a França, a Grã-Bretanha e os EUA deram apoio militar decisivo às milícias jihadistas em sua luta pelo poder. Esta última aventura voltou como um bumerangue para a França, uma vez que cidadãos franceses estão sendo convidados a abandonar a Líbia sob a ameaça de serem assassinados. Os contratos que a França esperava ganhar foram em sua maioria para o Qatar e Arábia Saudita. Com relação à Síria, Hollande deu reconhecimento diplomático ao SNC, que é dominado pela Irmandade Muçulmana.

No Mali, contudo, o Qatar estava usando as milícias do norte para fortalecer sua posição na região à custa da França e com o objetivo de conter a influência da Arábia Saudita. Isto explica o apoio saudita à intervenção. A luta contra o jihadismo é um pretexto conveniente, só isso. Em outras circunstâncias – por exemplo, um movimento revolucionário em Bamako – a França teria uma atitude diferente com as milícias do norte. “Resgate da civilização” significa o resgate do controle e das propriedades dos imperialistas.

O Partido Comunista Francês está a favor da guerra. Por quê? E como você vê a política de seu partido neste assunto? Há oposição a ela entre os membros do partido?

O apoio à intervenção por parte da liderança do Partido Comunista é uma consequência de seu ponto de vista reformista e consequente política, de sua adaptação ao capitalismo. Dentro da França, a política que a liderança defende não é a de expropriação, mas de reformas superficiais, que, reivindica ela, podem mudar a “lógica” da economia capitalista e gradualmente permitir que o sistema “seja ultrapassado”. A liderança chama isto de dépassement, ou “ultrapassagem” do capitalismo.

A política externa é sempre uma extensão da política interna e uma guerra sempre é um teste político crucial. Historicamente, como parte da Internacional Comunista, o Partido Comunista Francês nasceu da oposição internacionalista à guerra imperialista de 1914-1918. Nos anos 1920, ele se opôs a intervenção militar no Marrocos. Mas a degeneração reformista da liderança levou a uma mudança nesta política até ao ponto de, em 2001, ela ter apoiado a participação da França na invasão do Afeganistão. Com relação ao Mali, ela sem dúvida sentiu que a oposição à guerra “não seria entendida” pela opinião pública burguesa. Os membros do partido não tiveram a oportunidade de se expressar sobre a questão, em escala nacional. No entanto, é claro que a maioria dos membros se opõe à guerra. Em minha própria seção, foi aprovada uma resolução condenando a intervenção por 16 votos a 1. Os jovens comunistas são em massa opostos à guerra e sua liderança nacional tomou uma firme posição sobre a questão.

Que podem fazer as forças marxistas dentro do PCF e da CGT?

Devem continuar explicando pacientemente as causas reais da guerra e os interesses de classe que estão em jogo e tentar desenvolver um movimento contra a guerra nas fileiras do partido e, naturalmente, na CGT. Sejam internacionais ou domésticos os assuntos, devemos lutar para restabelecer as ideias, os princípios, a teoria e o programa do marxismo revolucionário no movimento dos trabalhadores.

A imprensa informou que seu Partido decidiu em congresso nacional no último fim de semana não mais ser oposição ao governo de Hollande. Isto é correto e como você vê a linha política do PCF em relação às questões sociais e de política doméstica?

Não, o congresso não tomou esta decisão. A imprensa também disse que o congresso abandonou a “foice e o martelo”. Nenhuma decisão foi tomada sobre o assunto. No entanto, o congresso aprovou um texto colocando as ideias da liderança sobre a orientação política geral do partido. Este texto é tão vago e confuso que na prática deixa todas as opções em aberto. O programa que a liderança avança inclui algumas reformas radicais, mas não defende a expropriação dos capitalistas. Corresponde a uma tentativa de eliminar as consequências do capitalismo, deixando o sistema intacto. Por exemplo, a liderança rejeitou a resolução apresentada pela federação de Paris do partido que pedia a nacionalização dos bancos. Isto significa que a liderança do Partido Comunista não tem nenhuma alternativa séria ao capitalismo e, por essa razão, nenhuma alternativa política séria à política de François Hollande.

Tradução: Fabiano Adalberto