PISO SALARIAL NACIONAL DO MAGISTÉRIO E A LUTA PELA SUA IMPLEMENTAÇÃO

É primordial que a CNTE e suas entidades filiadas afinem suas ações no sentido de unificar de fato essa luta e dar a ela dimensão nacional, efetivamente.

O piso na contramão da desvalorização salarial

Em julho de 2008 foi sancionada a lei do Piso Salarial Nacional do Magistério, fruto de um longo combate travado pelos trabalhadores em educação contra a sistemática e intensiva desvalorização salarial operada por governos e patrões nas últimas décadas.

Segundo pesquisa realizada, em 2011, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Ceará (APEOC) o rendimento dos professores sofreu uma queda estrondosa a partir dos anos 1980 em proporção ao salário mínimo. No Ceará, os professores que há trinta anos recebiam em torno de dez salários mínimos para uma jornada de 40 horas semanais, hoje, não acumulam nem três salários mínimos. Esse processo não é algo restrito ao Estado do Ceará. Pelo contrário. É uma evidência constatada na tabela salarial de todo o magistério brasileiro, dinamizado de formas e proporções variadas. Se as piores remunerações estiveram, em sua maioria, historicamente concentradas nos estados do nordeste, observa-se, atualmente, que os estados do Sul e Sudeste são os que mais têm sofrido com o processo de achatamento salarial, identificados, especialmente, em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A lei do Piso Salarial do Magistério, ao estabelecer um salário mínimo nacional para os professores, serviu como uma contratendência ao permanente achatamento salarial sofrido pelos educadores. Entretanto, apesar da lei ter entrado em vigor em 2008, logo após a sua sanção, governadores contestaram sua legalidade, entrando com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) que demorou até o início de 2011 para julgá-la, o que possibilitou que os governos relutassem, durante esse período, a aplicar a lei. Com o julgamento em 06 de abril de 2011, o Supremo manteve a constitucionalidade da lei no que diz respeito aos vencimentos iniciais das carreiras do magistério de todos os entes federados. Dessa forma, impediu que gratificações de qualquer ordem fossem incluídas nos vencimentos iniciais das carreiras como artifício para aplicação da lei, e nem se utilizassem de qualquer forma de progressividade na aplicação. Ou seja, o piso deve ser ajustado e pago na sua integralidade imediatamente. Porém, mesmo com o julgamento mantendo a legalidade, os governos permaneceram intransigentes na decisão de não aplicar a lei.

Em 2011, a lei do Piso previa como vencimento inicial para professores da educação básica, sem ensino superior, R$ 1.187,97 segundo os cálculos do Ministério da Educação (MEC) e R$ 1.597,87 com base nos cálculos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Essa controvérsia foi gerada por entendimentos divergentes com relação ao porcentual aplicado aos reajustes anuais do piso. A lei determina que o valor do piso seja reajustado anualmente no mês de janeiro, com base no porcentual de crescimento do valor anual mínimo investido por aluno nos termo da Lei que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Nos anos iniciais da lei, o MEC aplicou em seus cálculos um porcentual inferior ao reajuste anual do custo/ aluno do FUNDEB.

No ano passado, nove estados – Amazonas, Amapá, Pará, Bahia, Ceará, Maranhão, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul – pagaram o salário base inferior ao que recomendava o Ministério da Educação (MEC). Tomando como referência o piso reivindicado pela CNTE, o número de estados que não cumpriram a lei do piso chegaria a vinte e três, ficando de fora apenas Distrito Federal, Roraima, Mato Grosso e São Paulo . Se fossemos mais longe e tomássemos como base o Salário Mínimo Necessário calculado mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), que para dezembro de 2011 estava em R$ 2.329,35, constataríamos que nenhum estado atingiria o salário mínimo necessário.

Para o ano de 2012 está previsto um reajuste de 22,22% no valor do piso salarial. Ou seja, os vencimentos iniciais dos professores devem ser no mínimo, de acordo com o MEC, R$ 1.450,75, e de R$ 1.937,26, segundo a CNTE. Tomando como base o valor sugerido pelo MEC, para esse ano, o número de estados que ficam sem cumprir a lei chega a quinze e tomando como índice o que é proposto pela CNTE, praticamente todos os estados deixam de cumprir a lei .

A hora-atividade não cumprida

Outro item que compõe a lei do piso diz respeito à hora-atividade. A lei determina que pelo menos 1/3 da jornada de trabalho do professor seja destinada ao planejamento e organização das aulas, estudo, formação, correção de provas, entre outras tarefas que fazem parte do ofício de professor, mas não estão ligadas ao trabalho direto com os alunos. A ampliação da hora-atividade para 1/3 da jornada, prevista na lei do piso, deve ser encarada também como uma contratendência à intensificação, precarização e extensão da jornada de trabalho não remunerada do professor, que significa levar para casa tarefas que deveriam ser realizadas no horário de trabalho, e não são por não existir um tempo suficiente destinado para isso. Além de melhorar as condições de trabalho, a ampliação da hora-atividade cria uma demanda que força os governos a contratarem mais professores. Porém, na prática, não é exatamente o que ocorre. Pelo menos dezenove governos estaduais não cumprem a hora-atividade de pelo menos 1/3 da jornada de trabalho .

O orçamento e a ação dos Estados: o piso sob ameaça

O argumento utilizado para que os governos não cumpram a lei em sua integralidade – salário e hora-atividade – é o mesmo. Não existe dinheiro. Entretanto, sabemos que isso não é verdade. Quase a metade (45,05%) do orçamento geral da União é destinado ao pagamento de juros, amortização e refinanciamento da divida pública brasileira, enquanto áreas como saúde e educação recebem apenas 4,07% e 2,99%, respectivamente, do montante total do orçamento . Isso ocorre pela submissão do governo brasileiro aos interesses do imperialismo e da burguesia nativa. O dinheiro que sobra para o pagamento da dívida é o mesmo que falta para que ocorra um aporte financeiro por parte do governo federal aos estados e municípios que insistem em não cumprir a lei. Outro exemplo recente é o atual corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Federal (principalmente nas áreas sociais) e o anúncio de cerca de R$ 95 bilhões em renuncia fiscal e financiamentos empresariais privados através do Plano Brasil Maior, anunciados pelo governo federal, o que reforça a tese de que o dinheiro existe, porém não está sendo utilizado para atender as reivindicações e necessidades da classe trabalhadora.

Se o orçamento federal não está organizado para cumprir demandas da classe trabalhadora – sendo uma delas o cumprimento da lei do piso – também fica evidente a incapacidade articulada a uma má vontade política, de estados e municípios, em exercer pressão para que o governo federal os auxilie financeiramente. A lei da complementação prevê que estados e municípios que não possuem condições de cumprir os reajustes aos professores previstos pela lei, devem solicitar, ao governo federal, ajuda financeira. A União pode socorrer com recursos extras, utilizando para esse fim até 10% do que já aplica no FUNDEB, o que corresponde a cerca de um bilhão de reais. Porém, até hoje, nenhum estado ou município recebeu esse recurso para atingir o salário mínimo previsto pela lei do piso. Um dos motivos é a baixa procura por esse recurso. Em 2010 apenas 40 municípios fizeram essa solicitação e, no ano anterior, 29. E os que solicitam são incapazes de cumprir os critérios mínimos exigidos para que ocorra a complementação, como por exemplo, provar que aplicam no mínimo 25% dos seus orçamentos em educação, como prevê a legislação. Ao mesmo tempo, somente os estados e municípios que já recebem a complementação do FUNDEB podem solicitar a verba extra. Nesse ano Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí possuem esse direito. Com isso, 18 estados e aproximadamente 4.000 municípios ficam impedidos de receber recursos federais para cumprir a lei do piso . Porém, além da lei da complementação ser restritiva, e estados e municípios serem incompetentes e descomprometidos com o cumprimento da lei do piso, os recursos previstos para atender os estados e municípios que atualmente possuem esse direito é insuficiente. Ou seja, além de universalizar o direito à complementação, é necessário ampliar os recursos federais para tal tarefa e ao mesmo tempo pressionar estados e municípios para que solicitem a verba e cumpram os simples critérios exigidos para receber os recursos federais.

Mas o que tudo indica é que estados e municípios não estão muito interessados em atender as demandas da educação e cumprir integral e imediatamente a lei do piso. O estado do Paraná é um exemplo. De acordo com cálculos do DIEESE o governo paranaense investiu menos em educação em 2011 (30,17%) do que em 2010 (31,79%), sendo que a arrecadação de um ano para o outro teve um aumento de 15%. Olhando apenas para educação básica, percebe-se que a redução no investimento é mais significativa. Com o início do governo Beto Richa (PSDB) houve uma diminuição de 26,03% para 24,87%, e para este ano já está previsto, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) um investimento de apenas 23% na educação básica . Ou seja, o governo ao invés de fazer um esforço no sentido de ampliar os investimentos na educação pública para suprir as necessidades demandadas pelo segmento, faz o contrário, reduz os recursos e posterga a aplicação da lei do piso em sua integralidade.

Além disso, os governos agem no campo jurídico para modificar e retardar a aplicação da lei. Uma das estratégias é o projeto de lei federal (PL 3776/08) que prevê alteração no índice utilizado para o reajuste anual do piso. Atualmente, como afirmamos acima, o reajuste é realizado com base no índice previsto para o FUNDEB, mas querem modificá-lo, tomando como padrão o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O que permite apenas reatualizar os salários anualmente, mas não valorizá-los, pois os índices previstos pelo INPC, geralmente, são inferiores ao do FUNDEB. Outro caminho jurídico foi o recurso encaminhado por alguns governos, solicitando a possibilidade de cumprir a lei de forma progressiva, o que contraria a decisão do STF que determina que a lei seja aplicada imediatamente.

O que fazer?

Dessa situação tiramos uma conclusão: somente a luta e organização dos trabalhadores em educação será capaz de transformar em realidade o que já está previsto na lei. É, portanto, no campo político e não apenas no jurídico que está inserida a possibilidade de se efetivar de fato essa conquista. Muitos professores já chegaram a essa conclusão. No ano passado, apesar da maioria das direções sindicais, professores de pelo menos quinze estados entraram em greve, que tiveram em média 43 dias de duração. O caso mais emblemático foi o movimento dos trabalhadores em educação de Minas Gerais, que chegou a 112 dias de greve , ou seja, mais da metade do ano letivo, demonstrando combatividade e disposição para luta.

Nesse contexto, a CNTE ganha uma importância fundamental, pois é única entidade capaz de unificar e dar dimensão nacional a essas greves.

A CNTE saiu do seu 31º Congresso Nacional, no início de 2011, com a seguinte resolução: “junto aos sindicatos filiados e a CUT, a Confederação deve preparar uma grande marcha dos trabalhadores em educação a Brasília, indicativamente no primeiro semestre de 2011, para fazer valer a Lei do Piso e estendê-la aos funcionários de escola ”. Proposta muito tímida para enfrentar os desafios colocados pela realidade. Porém, o julgamento do STF, garantindo a constitucionalidade da lei do piso, em abril de 2011, gerou um impacto fortíssimo na base do movimento, que forçou as direções sindicais a convocarem greves e obrigou a CNTE a aprofundar essa proposta inicial.
No ano passado, a CNTE convocou duas paralisações nacionais, sendo uma em maio e outra em agosto, e uma Marcha a Brasília em outubro tendo como temática: Piso, Carreira e Plano Nacional de Educação (PNE). Ou seja, foi levada pela pujança do movimento a avançar em sua resolução de apenas realizar uma Marcha no início do ano. Todavia, foram paralisações de um dia e fora do período de em que as greves atingiram os picos máximos de mobilização.

Nesse ano a CNTE chamou três dias de greve – 14, 15 e 16 de março – dando assim um passo a mais na unificação da luta, já que no ano passado fez paralisações de um dia. Entretanto, as direções sindicais nos estados e municípios não encaminharam em suas assembleias acompanhar o que a CNTE sugeriu. Em muitos estados houve apenas um dia de paralisação, complementando-se os outros dias com debates nas escolas, panfletagens, entre outras coisas do gênero. É primordial que a CNTE e suas entidades filiadas afinem suas ações no sentido de unificar de fato essa luta e dar a ela dimensão nacional, efetivamente.

Esse ano, o Distrito Federal e os estados do Piauí, Goiás, Rondônia, Bahia e capitais como São Paulo e Curitiba já entraram em greve, além do estado de Santa Catarina que iniciará sua greve no 23/04. Acreditamos que greves localizadas em cada estado e município são importantes, mas muitas vezes insuficientes. A experiência do ano passado só vem a comprovar isso.

Uma ação sólida, articulada nacionalmente, dirigida pela CNTE e os sindicatos da educação, que envolva e agite as bases para uma Greve Geral dos/as trabalhadores/as da Educação Básica Pública por tempo indeterminado dará melhores condições para que se assegure a lei do Piso e permita estendê-la a todos trabalhadores em educação.

Renato é professor no Estado do Paraná, cutista e militante de Esquerda Marxista.

1 http://apeoc.org.br/publicacoes/ANALISE_COMPARATIVA.2011.pdf

2 http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/maioria-dos-estados-nao-cumpre-lei-do-piso-nacional-para-professor/n1597280352676.html

3 http://www.cnte.org.br/index.php/comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/9973-cnte-divulga-a-tabela-atualizada-de-salarios-do-magisterio-nos-estados-

4 http://www.cnte.org.br/index.php/comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/9973-cnte-divulga-a-tabela-atualizada-de-salarios-do-magisterio-nos-estados-

5 http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=noticias&id=503.

6 http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1152:ajuda-da-uniao-para-estados-e-municipios-pagarem-lei-do-piso-nao-funciona-na-pratica&catid=63:oficio-docente&Itemid=101

7 http://www.appsindicato.org.br/Include/Paginas/noticia.aspx?id=6910

8 http://www.cnte.org.br/index.php/quadro-de-greve/434-quadro-de-greve-2011/9609-quadro-de-greve-2011

9http://www.cnte.org.br/images/pdf/caderno_de_resolucoes_2011.pdf

10A primeira paralisação nacional foi articulada a uma marcha em Brasília na mesma data.

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