O absurdo caso do nióbio brasileiro

Sobre como um recurso nacional torna-se alvo da especulação capitalista, favorecendo uma minoria parasitária e monopólios internacionais.

Hoje o Brasil é reconhecido internacionalmente por deter quase o monopólio das reservas de um mineral raro chamado nióbio. Este mineral é muito precioso pelo fato de que está quase em todos os lugares nas criações modernas, sendo um metal básico para nossa civilização. Construção civil, eletrônicos, indústrias bélica, aeronáutica e automotiva, dependem hoje do nióbio como um mineral essencial na fabricação de seus produtos.

Em 1972, o Estado brasileiro constituiu a Companhia Mineradora de Piroclaro de Araxá (Comipa) para gerir e explorar o nióbio em Araxá (MG). Por processo de dispensa de licitação, por considerar que não tinha os conhecimentos necessários para a exploração da matéria-prima, arrendou 49% da produção do nióbio de Araxá para a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), que se tornou a mais importante fornecedora mundial de nióbio. Atualmente fornecendo o mineral para 60 países, a CBMM é propriedade da família Moreira Salles, fundadora do Unibanco e hoje a família mais rica do Brasil. A CBMM para realizar a gigantesca produção e distribuir o nióbio por todo o globo, articulou-se e expandiu-se por todo o mundo, sendo proprietária de subsidiárias e postos de distribuição estrategicamente posicionados pelo território mundial.

Após a compra de parte de outra companhia siderúrgica, a canadense Molycorp, a família Moreira Salles passou a deter 85% da produção mundial de nióbio. Um verdadeiro enriquecimento patrocinado e autorizado licitamente pelo Estado brasileiro, que historicamente protege de maneira eficiente a propriedade privada e negocia a concessão e a venda das riquezas naturais do país para grupos capitalistas. Os trabalhadores da CBMM em troca da venda de sua força de trabalho recebem salários invejáveis com relação aos outros trabalhadores da indústria de outros materiais. Segundo reportagem vinculada na revista Veja, em 2013, cada trabalhador da empresa recebe no mínimo R$ 2.488 reais por mês¹. Mas esse alto salário não é uma benesse concedida por bondade dos acionistas, mas um mínimo muito bem pensado para manter esses operários sob controle ao fazerem eles sentirem-se diferenciados do resto da classe operária. Com isso, os operários continuam relegados ao nível de operar a produção, enquanto os grandes acionistas da companhia decidem e gerenciam, principalmente a família Moreira Salles, fazendo sem consultar ou participação da parte operacional as alianças econômicas a nível mundial com outros grupos capitalistas e as alianças políticas com os diversos Estados. Em suma, com relação ao nióbio, ocorre hoje uma partilha mundial de territórios sob apropriação privada de um grande grupo monopolista e seus aliados.

Segundo a Associação do Ministério Público de Minas Gerais, a partir de pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE), a CBMM repassou ao Estado 25% de seu faturamento, apesar de vender o quilo do mineral por U$$ 40 aos compradores. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Governo Federal, em 2013, o quilo do nióbio praticado no mercado internacional era de U$$ 52,36. Como desvendar o que está acontecendo? Dificilmente teremos uma solução, pois a Constituição garante segredos comerciais que legalmente demandam longos processos judiciais para serem quebrados. Isso sem levar em conta que as planilhas da contabilidade da companhia podem ser facilmente camufladas com a distribuição dos capitais e investimentos nas e para as “subsidiárias”, das quais o governo brasileiro não tem nenhuma gerência. Um exemplo é a quantidade de minério de nióbio comercializada mundialmente, que é muito superior à declarada pela companhia em sua receita. Como isso é possível se a CBMM detém mais de 70% do comércio mundial e declara valores muito menores? Só alguém que não quer ver não percebe que a maioria das receitas desse monopólio não passam pela contabilidade oficial, e que o simples controle e regulação é um sonho irrealizável e fora do alcance de Estados nacionais. Porém o contrário pode acontecer: hoje os Estados dependem dos grupos capitalistas internacionais para o desenvolvimento de suas economias, e não tomarão nenhuma atitude perante eles enquanto não estivermos em um momento de colapso.

 A produção anual da CBMM segundo o TCE de Minas Gerais³ é de 100 mil toneladas, e ainda há reservas para exploração do mineral que durariam 400 anos. Minas Gerais detém 75% do nióbio brasileiro, o Amazonas 21% e goiás 3%, segundo matéria no G1². Em 2012 a CBMM faturou R$ 4 bilhões, com margem de lucro de 50%. Em um cenário favorável como esse, é impossível esperar qualquer interferência por parte do Estado, que pelo contrário atua como mordomo da companhia.

Atualmente o Governo de Minas gerais detém a concessão para a exploração do minério. Fernando Pimentel, atual governador de Minas Gerais pelo PT, recebeu da CBMM R$ 750 mil como doação de campanha, segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sob a vista grossa de políticos dos poderes Executivo e Legislativo patrocinados pela CBMM, imobilismo de um Judiciário que tem como carta magna uma Constituição que favorece os monopólios capitalistas, continuamos como uma nação exportadora de commodities e submetida aos interesses da reprodução do capital. Bilhões em lucros que poderiam ser investidos em saúde, educação, moradia e transporte viram os chamados “investimentos”, que no caso da CBMM são obtidos pelo saque ao nióbio brasileiro. Para onde vão as cifras recolhidas pela diferença entre valor declarado e valor de fato arrecadado pela venda do nióbio? Mas não é só com a CBMM que ocorrem absurdos. Um processo de formação de monopólio parecido aconteceu com escândalo da privatização da Vale do Rio Doce, que na época avaliada em R$ 92 bilhões e foi vendida por apenas R$ 3,3 bilhões em 1997. O controle da companhia ficou sob o controle do grupo Bradesco.

Hoje a CBMM tem o poder de calar e comprar todos os poderes do Estado. Alguns aventureiros pelas redes sociais falam sobre intervenção constitucional das Forças Armadas para retomar o nióbio e por fim ao saque das riquezas naturais. Eles não entendem que as Forças Armadas são o braço armado de uma constituição que favorece o surgimento desses grupos. A única “intervenção constitucional” possível para Forças Armadas não seria a retomada do nióbio da companhia para entregá-lo ao povo brasileiro, mas seria o ato de esmagar qualquer revolta de massas que possa ameaçar o monopólio privado. O silêncio das Forças Armadas está conforme a Constituição de 1988. O parágrafo 1 da Constituição de 1988 e o Artigo 170 deixam claros que qualquer avanço desejado em “soberania nacional”, “defesa do meio ambiente” ou da “livre concorrência” ficarão travados na barreira da propriedade privada, defendida por outra barreira: a lei do segredo comercial. Esta sim, impede e continuará impedindo a descoberta do fundo real dos escândalos não só na CBMM, mas de todos os monopólios. Basta uma rápida pesquisa no Google para constatar que onde há corrupção dos poderes públicos há monopólios e bancos privados – onde família Moreira Salles tem participação.

Apenas um movimento de massas pode iniciar a construção de uma Assembleia Popular Nacional Constituinte que torne a CBMM uma propriedade estatal administrada pelos trabalhadores da companhia. Nas assembleias, os próprios trabalhadores escolherão seus representantes, com mandatos revogáveis e sem qualquer segredo comercial. Trabalhadores produzindo e administrando a riqueza em proveito de todos: essa é a democracia real e a garantia de que a riqueza mineral do território brasileiro será convertida em melhores condições de vida para a população.

Referências:

[1] http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1033/noticias/a-magica-da-montanha-da-cbmm

[2] http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2013/04/monopolio-brasileiro-do-niobio-gera-cobica-mundial-controversia-e-mitos.html

[3] http://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/100589876/exploracao-do-niobio-em-minas-gerais-esta-na-mira-do-tce