Foto: Mídia NINJA

O 20 de novembro e a luta antirracista: capitalismo negro versus socialismo

De acordo com a base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 54% da população brasileira é negra, logo, no espectro da classe trabalhadora os negros também são a maioria e recebem os menores salários, ocupam os piores postos de trabalho, estão na informalidade e nos subempregos. Se formos analisar pelo ponto de vista do gênero, as mulheres negras saem em desvantagem em qualquer comparação, elas têm os piores salários e recebem em média 70% menos que as mulheres brancas. Na média salarial as mulheres negras ganham menos que os homens e mulheres brancos e menos que os homens negros.

Não precisamos de um olhar muito especializado sobre esses números para percebermos que eles nos oferecem um excelente material para uma análise, mesmo que rápida, sobre o que o mercado de trabalho pode retratar sobre as condições de sobrevivência na sociedade capitalista. O uso do racismo pela burguesia para pagar menos para trabalhadores negros rebaixa os salários de todos os trabalhadores e quem desfruta dessa diferença, obviamente, são os patrões.

O reflexo de tanta desigualdade no mercado de trabalho incide diretamente sobre as condições de moradia, a forma como os espaços das cidades foram ocupados, o fornecimento de água e saneamento básico, coleta de lixo, acesso à saúde, educação, transporte e da mesma forma, escancara que é a população negra a que está mais exposta à vulnerabilidade social, a violência, a repressão e ao encarceramento.

Para os marxistas, o racismo longe ser apenas uma herança da escravidão, é um elemento fundante e por isso um pilar imprescindível, da sustentação do sistema capitalista. Efetivamente, não há capitalismo sem racismo, por isso a necessidade de analisar a sociedade sempre pelas suas duas dimensões centrais de dominação: a classista e a racial. Nesse sentido, o racismo não é só uma questão ideológica para dividir os trabalhadores, mas tem implicações materiais reais na vida das pessoas.

Para que o capitalismo superasse suas crises sistêmicas ao longo da história até os dias de hoje, a burguesia desenvolveu guerras, retirou direitos, aplicou todo o tipo de austeridade sobre a classe trabalhadora e reforçou em todas as oportunidades as suas relações sociais baseadas no racismo, no machismo, na homofobia, na xenofobia e na misoginia.

Nesse cenário que descrevemos acima fica evidente que o mercado, como não poderia deixar de ser, é racista. Mas qual a alternativa para nos livrarmos dessa desigualdade histórica?

De acordo com a filosofia do ativista do movimento nacionalista negro, o jamaicano, Marcus Garvey, as comunidades negras devem investir nelas mesmas gerando riqueza social e intelectual. Daí a criação do Movimento Black Money – MBM, como vertente no black capitalism (capitalismo negro). É um negócio feito do empreendedor negro para o “afroconsumidor”. O Mercado Black Money é uma plataforma on-line – Marketplace – que permite a conexão entre “empreendedores” e consumidores negros e pessoas antirracistas, dentro de uma pauta identitária que entendem que é importante fazer circular o capital entre negócios de pessoas pretas. Ou seja, fortalece as fronteiras, os nichos, divide artificialmente e estimula a competitividade entre os elementos da mesma classe.

Para a professora do departamento de estudos africanos da universidade de Princenton, Yamahtta Taylor, “o capitalismo funciona sob as leis da falsa escassez, o que simplesmente significa que nos dizem que não há o suficiente para todos, então temos que competir uns com os outros por habitação, educação, empregos e qualquer coisa valorizada na sociedade. Ainda que a escassez seja falsa, a competição é real e os trabalhadores que lutam por esses itens para melhorar suas vidas ou de suas famílias, frequentemente estão dispostos a acreditar no pior a respeito de outros trabalhadores para justificar por que podem ter algo que outros não podem.[1] (p.191)

Mas é possível combater o racismo isoladamente da luta contra o sistema capitalista? O antirracismo não existe sem o enfrentamento ao capitalismo. As mudanças estruturais exigem a tomada de posturas e adoção de práticas que vão muito além de colorir o capitalismo de preto. Precisamos denunciar os casos de racismo em nossa sociedade, como o caso da vereadora recém eleita em Joinville que foi ameaçada de morte por ser negra, e enfrentar os racistas inclusive fisicamente, se necessário. A história do movimento operário brasileiro e internacional está repleta de exemplos em que racistas, fascistas etc. foram varridos pelos trabalhadores organizados.

O Movimento Negro Socialista está em campanha pela anulação da condenação de Natan Vieira da Paz e pela destituição do serviço público, punição e prisão da juíza racista Inês Marchalek Zarpelon, que condenou Natan a uma pena de 14 anos e 2 meses de prisão por pequenos furtos porque, segundo ela, Natan é “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”.  Este é um importante exemplo do combate que precisar ser realizado.

O nosso inimigo comum é fruto de uma classe social, a burguesia, e não há criação de mercado paralelo, ascensão social e econômica dos negros dentro desse sistema, capaz de aniquilar o racismo.

O Dia da Consciência Negra é um excelente momento para os marxistas reforçarem seus princípios e seu compromisso com a derrubada da escravidão assalariada, da sociedade de classes e da propriedade privada dos meios de produção. A saída para a nossa classe não está na constituição de um capitalismo negro meritocrático. Temos que romper com essa reprodução social que perpetua a exploração de uma classe sobre a outra. As contradições impostas pelo capitalismo reforçam diariamente a distinção “racial” e de classe, e não há absolutamente nenhuma ilusão em ações reformistas que possam transformar políticas sociais compensatórias de qualquer matiz no antidoto que a humanidade precisa para livrar-se da barbárie que é viver nesse sistema. Só com a revolução socialista poderemos construir uma sociedade sem segregação nem exploração.

Nota:

[1]Keeanga-Yamahtta Taylor. Raça, classe e marxismo. Revista Outubro, n. 31, 2º semestre de 2018.