Não ao espanholismo reacionário – por um bloco republicano e socialista

A burguesia espanhola e seu aparato de Estado estão tratando de tirar vantagem do conflito na Catalunha para recompor a base social de apoio ao regime, depois do “golpe de autoridade” contra a Generalitat [1] e a intervenção da autonomia catalã com o Artigo 155 da Constituição. Utilizam o narcótico do nacionalismo espanhol e sua bandeira para esconder a pilhagem a que é submetida a sociedade e a opressão que exercem sobre a classe trabalhadora.

“Pátria” e rojigualda [2], símbolos franquistas

Por mais que se esforce, nem sua pátria nem sua bandeira nos representam. A “unidade nacional” sempre foi usada para diminuir a submissão da maioria da população por uma minoria privilegiada. E ambos os símbolos estão manchados com o sangue de centenas de milhares de trabalhadores e camponeses e pelos espancamentos, a prisão e o exílio de centenas de milhares mais. São símbolos que encarnam a opressão, o passado franquista e a decadente monarquia dos Bourbon.

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Na Espanha, felizmente, nunca houve um forte sentimento nacional. As injustiças sociais foram tão grandes, os governantes tão déspotas e maltrataram tanto o povo empobrecido, a classe trabalhadora e as minorias nacionais que a classe dominante nunca pôde fazer da identidade nacional espanhola um cimento suficientemente sólido para unir a população e diluir a consciência de classe dos trabalhadores. Depois da queda da ditadura de Franco, a bandeira rojigualda e a palavra “pátria” somente eram reivindicadas pela direita franquista que, justamente, considerava-as “sua” propriedade. Teria bastado um estalar de dedos dos líderes do PCE [3] e do PSOE [4] em 1977 para que a monarquia desabasse e a república fosse proclamada. Mas seus dirigentes traíram as expectativas populares. Alguns se venderam ao inimigo de classe e outros simplesmente traíram por covardia. O resultado disso foi a Constituição e o regime de 1978, que agora entra em sua crise mais grave.

Esta crise conheceu várias fases. Houve crise do sistema de partidos e do parlamentarismo, crise de credibilidade do aparato judicial e da monarquia. Todas elas continuam. Mas a crise territorial, com o crescimento das tendências independentistas na Catalunha, levou à crise do regime a seu extremo.

Com a Catalunha, contra o espanholismo

Nós rechaçamos colocar no mesmo nível o nacionalismo espanhol reacionário, que impulsiona a oligarquia, e o nacionalismo catalão, que impulsiona a luta de milhões de pessoas comuns. O primeiro é promovido pelos herdeiros do franquismo, sustenta-se na violência do aparato de Estado e na monarquia. O segundo apela à ampliação de direitos democráticos, à união voluntária dos povos e à república. O primeiro é absolutamente reacionário. O segundo encarna anseios progressistas.

A furiosa arremetida do nacionalismo espanhol contra o chamado “desafio catalão” se deve a uma simples razão: a classe dominante espanhola sentiu o cheiro da rebelião, percebeu o aroma da revolução e entrou em pânico. Como um animal ferido, deixou transparecer seu instinto de conservação, empregando todos os meios a seu alcance para conjurar o perigo: a imprensa prostituída, o Rei e a repressão estatal por meio do aparato judicial e o deslocamento para a Catalunha de milhares de forças policiais, cujos gastos de dezenas de milhões de euros foram declarados segredo de Estado.

A pátria espanhola protege os ricos

Mesmo com o crescimento do apoio ao nacionalismo espanhol em um setor da população, seria um erro exagerar seu enraizamento. O nacionalismo espanholista é inseparável da excrescência fascistoide e inevitavelmente provocará uma reação em sentido contrário. Por outro lado, na ausência de um crescimento econômico robusto por causa da crise global, o capitalismo espanhol só pode avançar perpetuando condições de vida precárias para a maioria, junto à corrupção e à vida luxuosa dos de cima. Uma vez que os odores tóxicos do nacionalismo espanhol se diluam, tão certo quanto a noite se segue ao dia, aparecerão as demandas de classe por emprego, salário, moradia, entre outras.

O mal-estar social está aí. O salário médio bruto caiu cerca de 0,8% em 2016 até os € 1.878,10. Isto se dá por conta da onde de subempregos e de trabalhos precários, com a generalização de salários abaixo dos mil euros e submetidos a uma intensa exploração. Inclusive os trabalhadores cobertos por convenções coletivas de trabalho viram como o acréscimo salarial acordado até outubro foi de 1,4%, enquanto a inflação se situa em 1,6%. Ou seja, as famílias trabalhadoras perderão poder aquisitivo este ano.

Ao contrário, as empresas estão ganhando mais de 10% em relação ao ano anterior e as 35 grandes empresas e multinacionais do IBEX35 [5] faturam 19,3% (segundo semestre).

Apesar de todo o estardalhaço do governo, 13,1% dos trabalhadores vivem abaixo da linha da pobreza, a porcentagem mais alta da Europa, somente atrás da Romênia e da Grécia.

A classe trabalhadora não está de braços cruzados. Lenta, mas persistentemente, vemos se incrementarem os conflitos laborais. Segundo a central patronal CEOE [6], entre janeiro e setembro o número de horas perdidas por greves aumentou 127,35% em relação ao ano passado e o número de trabalhadores envolvidos cresceu 223%. Isso mesmo com a notória falta de direção sindical pela qual passam os trabalhadores. O mais importante é que quase todas as lutas estão terminando em vitórias, incrementando a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças. Assim foi o caso mais recente das trabalhadoras de venda de vestuário do grupo Zara, Bershka, em Pontevedra; ou das trabalhadoras de cuidados de Bizkaia depois de meses de greve; ou dos garis de Madri.

Unidos Podemos: fracasso reformista em tempos difíceis

Na atual situação de atmosfera envenenada, uma poderosa mensagem de libertação social e de ruptura radical com o sistema capitalista poderia levantar milhões, mas as lideranças do UP [7] renunciaram a qualquer mensagem a favor de uma mudança profunda do sistema porque não parecem crer nisso nem na capacidade da classe trabalhadora para transformar a sociedade. Sem ideologia precisa, apelam apenas para um vago humanitarismo “cidadão”.

Há algumas semanas, Pablo Iglesias enviou uma carta à militância do Podemos em que dizia: “O espírito constituinte de 15-M deve impulsionar a nova Espanha ao que aspiramos: social, republicana e plurinacional”. Entretanto, depois da aplicação do Artigo 155, da destituição do Govern e da convocação de eleições, a direção do UP cedeu novamente diante da onda de espanholismo de papelão, a tal ponto que o “republicano” Pablo Iglesias censurou Rajoy com “a bandeira de todos” (a rojigualda). Essa tendência ao oportunismo e ao vai-vem permanente é o que está por trás da perda de confiança no UP e em seus dirigentes.

Outro exemplo da desorientação e da doença institucionalista dos dirigentes do UP se deu em Madri depois da escandalosa intervenção nas contas do Ayuntamiento [8] pelo governo central, em um ataque político similar ao sofrido pela Catalunha. Agora Madri está limitada a organizar uma raquítica concentração noturna de ativistas em um sábado, em vez de organizar atos nos bairros e de chamar à mobilização popular para defender sua autonomia municipal.

Por um bloco republicano e socialista

Alberto Garzón, exponente máximo da “equidistância” entre o Estado neofranquista e a Catalunha democrática, disse que sua alternativa é “uma república federal e plurinacional com um referendo acordado”. Mas, no caso de chegar ao governo, que faria o companheiro Garzón quando o aparato de Estado e mesmo a burguesia moverem toda a sua musculatura para esmagar suas aspirações? Que faria quando o Tribunal Constitucional declarasse ilegais suas iniciativas? E quando o IBEX35 iniciasse uma campanha de terrorismo econômico, ameaçando com a retirada de empresas? Ou quando o Rei saísse na TV denunciando tudo como uma loucura como chefe de Estado e do Exército? Por fim, somente teria duas alternativas: submeter-se ou seguir o valente exemplo do povo catalão, de confiar em seu próprio instinto e vontade e desobedecer a leis injustas e a tribunais que ninguém elegeu e que representam somente a vontade dos poderosos.

Devemos exigir dos dirigentes do UP que sejam coerentes com suas palavras. Diante da unidade indissolúvel entre as finanças, a monarquia, o aparato estatal e os partidos do sistema (PP, Ciudadanos e PSOE) há apenas uma emenda à totalidade do regime e do sistema econômico capitalista. A conclusão é clara: o avanço social é incompatível com a monarquia e o sistema econômico que a sustenta. É hora, portanto, de levantar uma bandeira de luta que una e entusiasme os milhões de descontentes; é hora de se por de pé perante o bloco monárquico um bloco republicano e socialista que prepare suas forças para o “momento catalão” que, cedo ou tarde, estender-se-á por toda a Espanha.

 

[1] Estrutura institucional do Poder Executivo da Comunidade Autônoma da Catalunha (Nota do Tradutor – N.T.).

[2] Nome dado à bandeira da Espanha (N.T.).

[3] Partido Comunista da Espanha (N.T.).

[4] Partido Socialista Obrero Español – Partido Socialista Operário Espanhol (N.T.).

[5] Principal índice das Bolsas de Valores espanholas (Madrid, Barcelona, Bilbao e Valência), composto pelas 35 empresas com maior liquidez que participam do Sistema de Interconexão de Estoque Eletrônico (SIBE, em sua sigla espanhola) (N.T.).

[6] Confederación Española de Organizaciones Empresariales – Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (N.T.).

[7] Unidos Podemos, coligação política entre o Podemos, a Izquierda Unida (Esquerda Unida) e partidos regionais (N.T.).

[8] Instituição político-administrativa similar ao Poder Municipal (Prefeitura e Câmara dos Vereadores) no Brasil (N.T.).

Editorial do Lucha de Clases nº 45, periódico da seção espanhola da Corrente Marxista Internacional, sob o título No al españolismo reaccionario – Por un bloque republicano y socialista, publicado em 22 de novembro de 2017.

Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira