Marxismo e Anarquismo – Parte 1

Publicamos a primeira parte do texto de Alan Woods que extrai dos passos iniciais dos movimentos, do anarquismo e reformismo, ensinamentos para que a juventude e os trabalhadores superem as direções tradicionais e se organizem enquanto classe.

O presente período é o período mais tempestuoso e convulsivo da história. A chamada “Globalização” agora se manifesta como uma crise global do capitalismo. Dada a profundidade da crise e as condições de seu agravamento, podemos afirmar que as coisas estão se desenvolvendo muito rapidamente. O cenário está propício para um renascimento geral da luta de classes, e de fato, esse processo já começou.

A manifestação mais marcante de mudança da situação é o surgimento de um movimento de protesto global que está rejeitando o capitalismo e todas as suas obras. Um crescente número de pessoas está reagindo contra a injustiça gritante da ordem existente: o desemprego que condena milhões à inatividade forçada; o aumento da desigualdade que concentra a riqueza obscena e leva o empobrecimento para a grande maioria da população do mundo; as guerras sem fim, racismo, restrições na “vida, na liberdade, e na busca da felicidade”.

Um por cento dos EUA detém 34,6% da riqueza do patrimônio liquido total; os próximos 19% detém 50,5%, os últimos 80% detém apenas 15%. Em riqueza financeira, os números são ainda mais assustadores: 42,7%, 50,3% e 7% respectivamente. Estas estatísticas são de 2007, mas dados mais recentes mostram que a recessão significou uma queda massiva de 36,1% da riqueza familiar média em comparação com 11,1% para os 1% do topo, aprofundando ainda mais o abismo dentre o obscenamente rico e o resto de nós – os 99%.

A recessão de 2008-09 significou um aumento ainda maior da desigualdade: mais enriquecimento para o super rico e mais pobreza para os mais pobres. O revoltante espetáculo de ricos banqueiros que saíram da crise com bilhões de dólares do dinheiro público enquanto mais de 10 milhões de hipotecas encontram-se inadimplentes e os desempregados fazem fila para pegar comida; tudo isso está alimentando a chama da indignação das massas.

Em circunstâncias “normais” a maioria das pessoas não protesta. Mantêm-se passivas, espectadoras da um drama histórico que está se passando diante de seus olhos, no qual elas não têm nenhum papel, mas que acaba por determinar suas vidas e destinos. Mas de vez em quando, as pessoas são atiradas para fora de sua aparente apatia por grandes eventos – tal como numa guerra ou em uma crise econômica. Elas começam a agir, a ter interesse em política e tentam recuperar o controle sobre suas vidas.

Tais momentos na história têm um nome: são chamados de revoluções, como ocorreu na Revolução Americana de 1776; na Revolução Francesa de 1789-93; nos movimentos revolucionários da Europa em 1848; na Comuna de Paris de 1871; nas Revoluções Russas de 1905 e 1917; na Revolução Espanhola de 1931-37; e mais recentemente nas Revoluções Egípcia e Tunisiana.

Os eventos que estão ocorrendo diante de nossos olhos têm muitas características dos primeiros estágios de uma situação revolucionária. Muitas pessoas que até agora tiveram pouco ou nenhum interesse em política, agora se encontram nas ruas manifestando e protestando contra a ordem política e social que se tornou intolerável.

Há um velho ditado que diz: “a vida ensina”. Isto é muito verdadeiro. Os trabalhadores e estudantes da Praça Tahrir aprenderam mais em 24 horas de luta do que em 20 anos de “existência normal”. Similarmente, a experiência dos participantes do movimento Occupy, nos EUA e em outros países, está sendo comprimido sabiamente no tempo. Não levará 20 anos para absorver as lições. As pessoas estão aprendendo rápido.
Sob estas circunstâncias, as ideias libertárias, do anarquismo e do socialismo estão todas renascendo, com os jovens e trabalhadores procurando por uma explicação para a crise e um caminho a seguir. Os heroicos “dias de glória” dos Trabalhadores Industriais do Mundo estão renascendo na mente de muitos jovens enquanto eles lutam para formar sindicatos em seus locais de trabalho, pois ganham salário mínimo. Escritores anarquistas como Proudhon, Kropotkin, Bakunin e Durruti estão sendo redescobertos por novas camadas da juventude. Autores como Howard Zinn, Michael Albert e Noam Chomsky, que expuseram os males do imperialismo e do capitalismo estão sendo lidos ardentemente pela nova geração.

Na medida em que os olhos das pessoas vão se abrindo frente à natureza antidemocrática e exploradora da sociedade capitalista, o crescente interesse por estas ideias é extremamente positivo. O anarquismo, dada a sua simplicidade, exerce forte apelo para muitos jovens que é o de rejeitar qualquer coisa e tudo o que tem a ver com o status quo. Mas observando mais profundamente a situação notamos que há uma difusa falta de essência e análise nestas ideias. Sobre tudo, há muito pouco no caminho de uma solução viável à crise do capitalismo. Após ler o material, é inevitável não perguntar: “mas o que deve substituir o capitalismo, e como podemos fazer disso uma realidade começando a partir das condições atualmente existentes”?

É afirmação deste autor que apenas as ideias do Marxismo podem fornecer um guia teórico para a ação que pode realmente aproveitar a energia do movimento para a transformação revolucionária da sociedade. Não o estalinismo – aquela caricatura burocrática, antidemocrática, totalitária do socialismo, nem o “Marxismo” sem vida, mecânico, determinístico do mundo acadêmico – mas o Marxismo genuíno: a ferramenta mais moderna, dinâmica e abrangente da análise social, que a humanidade desenvolveu. Apenas estas idéias podem fornecer, não apenas uma análise, mas uma solução revolucionária e socialista para a crise que enfrenta a classe trabalhadora mundial.

A publicação deste texto marca um importante passo à frente no armamento teórico de uma nova geração de guerreiros de classe nos EUA: A questão do Marxismo x Anarquismo há muito tempo tem sido discutida. Não é nenhum acidente que, assim como a luta de classes esteja fervendo novamente e venha à superfície, os velhos debates também venham renascendo. Muitas pessoas, recentemente despertas para a vida política imaginam que estão envolvidas em algo inteiramente novo e original; mas como diz a Bíblia, não há nada novo debaixo do sol. E embora elas não saibam disso, muitos desses debates já aconteceram no passado.

Há muitas concepções equivocadas sobre a história, origem e conteúdo real de ambos, marxismo e anarquismo. Nós podemos e devemos aprender da experiência coletiva de nossa classe; analisando o que tem funcionado e do que não tem funcionado. Esta série de textos percorrerá um longo caminho esclarecendo a perspectiva marxista e as limitações do anarquismo e a necessidade de um partido, teoria, programa, perspectivas, organização, democracia interna, e responsabilidades.

Limites da espontaneidade

Os milhões que saíram às ruas e praças da Espanha e Grécia para se oporem às políticas de cortes e austeridade não confiam nos políticos e líderes dos sindicatos. E quem pode culpá-las? Em ambos os países, Grécia e Espanha, os governos que defenderam estes ataques são supostamente “socialistas”. As massas depositaram sua confiança neles, e foram traídas. Elas concluíram que para defender seus interesses não poderiam deixar as coisas para os políticos, mas agir por si, por elas mesmas.

Isso mostra um instinto revolucionário correto. Aqueles que zombam do movimento como “meramente espontâneo” mostram sua ignorância da essência de uma revolução que é precisamente a intervenção direta das massas na política. Essa espontaneidade tem uma força enorme – mas em certo ponto se tornará uma fraqueza fatal ao movimento.

Aqueles que criticam os movimentos de protestos por sua falta de um programa claro mostram sua ignorância do que é uma revolução. Esse tipo de abordagem é digno de um pedante e um pretensioso, mas nunca de um revolucionário. Uma revolução, por sua própria essência agita a sociedade até a raiz, levantando até mesmo as camadas mais atrasadas e “apolíticas” para a ação direta. Exigir das massas um entendimento perfeito do que é necessário é exigir o impossível.

Claro, o movimento de massas irá necessariamente sofrer de confusão em seu estágio inicial. As massas podem apenas superar essas deficiências através da experiência direta da luta. Mas para que tenha sucesso, é absolutamente necessário passar pela confusão inicial e ingenuidade, para crescer e amadurecer, e chegar às conclusões corretas.

Aqueles líderes “anarquistas” – sim, os anarquistas também têm líderes, ou pessoas que aspiram liderar – que acreditam na confusão, na deformidade organizacional, e na ausência de definição ideológica, não são positivas e necessárias, jogam um papel maligno. É como tentar manter a criança em estado de infantilidade, de modo que ela será sempre incapaz de falar, andar, e pensar por si própria.

Muitas vezes na história da guerra, um grande exército composto por bravos soldados, mas destreinados, foi derrotado por forças menores de profissionais de tropa disciplinados e bem treinados, liderados por oficiais habilidosos e experientes. Ocupar as praças é um meio de mobilização das massas em ação. Mas só isso não é o suficiente. A classe governante pode não ser capaz de expulsar os manifestantes inicialmente pela força, mas eles podem se dar ao luxo de esperar até que o movimento comece a morrer, e então agir decisivamente para acabar com o “distúrbio”.

Desnecessário dizer que os Marxistas estarão sempre na primeira linha de qualquer batalha pela melhoria das condições da classe trabalhadora. Nós lutaremos por qualquer conquista, não importa quão pequena, porque a luta pelo socialismo é impensável sem as lutas do dia-a-dia por avanços sob o capitalismo. Apenas com uma série de lutas parciais, de caráter defensivo e ofensivo, as massas podem descobrir sua própria força e adquirir a confiança necessária para lutar até o fim. Há certas circunstâncias nas quais greves e manifestações em massa podem forçar a classe governante a fazer concessões. Mas, nas condições que prevalecem hoje, isso não é possível.

Para ter sucesso é necessário elevar o movimento a um nível mais alto. Isto só pode ser feito conectando-se firmemente ao movimento dos trabalhadores das fábricas e aos sindicatos. O slogan de greve geral já veio à tona de uma forma embrionária. Mas mesmo uma greve geral, em si, não pode resolver os problemas da sociedade. Ela deve conectar-se com a necessidade de uma greve geral por tempo indeterminado que coloque diretamente a questão do poder do estado.

Líderes confusos e vacilantes são capazes de produzir apenas derrotas e desmoralizações. As lutas dos trabalhadores e da juventude seriam infinitamente mais fáceis se fossem levadas por pessoas corajosas e de ampla visão. Mas tais líderes não caem do céu. No curso da luta, as massas colocarão em teste cada tendência e líder. Elas logo descobrirão as deficiências destas figuras acidentais que aparecem nos estágios iniciais do movimento revolucionário, que são como a espuma que aparece na crista da onda e que desaparecem quando esta quebra na praia.
Estes movimentos espontâneos são consequências de décadas de degeneração burocrática e reformista dos partidos e sindicatos tradicionais. Em parte, isso representa uma reação saudável, como Lenin escreveu em Estado e Revolução, quando ele refere-se aos anarquistas. Movimentos como os indignados na Espanha crescem porque a maioria dos trabalhadores e jovens sente que não são representados por ninguém. Essa maioria não é anarquista, mostra confusão e falta de um programa claro. A questão é: de onde eles tirariam essas ideias para irem adiante?

Os novos movimentos são uma expressão da profunda crise do sistema capitalista. Por outro lado, os novos movimentos, por si só, não entenderam a seriedade da situação. Apesar de toda sua energia e impulsividade, estes movimentos têm limitações que serão rapidamente expostas. A ocupação de praças e parques, embora possa ser uma afirmação potente, fatalmente não leva a lugar nenhum. Medidas mais radicais são necessárias para provocar uma transformação da sociedade, da cabeça aos pés.

Se o movimento não for levado a um nível superior, em certo estágio, irá desaparecer, deixando o povo desiludido e desmoralizado. Após a reflexão de sua experiência, um crescente número de ativistas enxergará a necessidade de um programa revolucionário consistente. Afirmamos que isso apenas pode ser fornecido pelo Marxismo.

Precisamos de uma liderança?

O argumento de que nós não precisamos de partidos e líderes é falso até a medula. Na verdade não é nem lógico. Não é suficiente rejeitar algo que você não gosta. Você deve dizer o que deve ser posto em seu lugar.

Se meu sapato aperta meu pé, a resposta não é andar descalço, mas adquirir um sapato que me sirva. Se nossa comida é ruim, a conclusão não é que devemos ficar sem comida, mas que precisamos de comida decente, saborosa e saudável. Se não estou satisfeito com meu médico, eu procuro um melhor. Por que seria diferente com um partido ou liderança?

A atual liderança da classe trabalhadora é muito ruim. Nós concordamos com os anarquistas nisso. Mas a conclusão não é que não precisamos de nenhuma liderança. Mas sim que devemos lutar para substituir a atual liderança por uma que realmente represente os interesses e aspirações da classe trabalhadora. Nós defendemos uma transformação revolucionária da sociedade. As condições objetivas para tal transformação estão mais que maduras. Nós acreditamos firmemente que a classe trabalhadora está preparada para esta tarefa. Como então podemos duvidar de que os trabalhadores sejam capazes de transformar suas próprias organizações em veículos de luta para mudar a sociedade? Se nem isso eles podem realizar, como então eles conseguirão derrubar inteiramente o sistema capitalista?

Muitos jovens, quando olham para as organizações existentes da classe operária, os sindicatos e especialmente os partidos de trabalhadores de massa, são repelidos por sua estrutura burocrática e conduta de seus líderes, que estão constantemente ombro a ombro com os banqueiros e capitalistas. Eles parecem ser apenas a outra parte do estado. Nos EUA não há sequer um partido de massa dos trabalhadores. Não é de se admirar que muitas pessoas rejeitem todos os partidos e chegam a dizer que rejeitam a política por completo.

No entanto, isto é uma contradição em termos. O movimento Occupy, em si é profundamente político. À rejeição dos partidos políticos existentes, eles imediatamente colocam-se como uma alternativa. Mas que tipo de alternativa? Não é suficiente dizer: “somos contra o sistema atual porque é injusto opressivo e desumano”. É necessário propor um sistema alternativo que seria justo igualitário e humano. Embora ainda estejam muito fracas, as tendências anarquistas, como resultado da falência dos líderes reformistas das organizações operárias de massas, têm crescido recentemente. O oportunismo monstruoso dos líderes dos trabalhadores dá margem para o crescimento de espírito ultra-esquerdista e anarquista entre as camadas da juventude. Como Lenin disse uma vez, o ultra-esquerdismo é o preço que o movimento tem que pagar pelo oportunismo.

À primeira vista a ideia parece pouco atrativa: “Apenas olhe para os líderes dos trabalhadores! Eles são só um bando de burocratas carreiristas que sempre nos trai. Não precisamos de líderes! Não precisamos de organização!” infelizmente, sem organização não podemos alcançar nada. Os sindicatos podem estar longe da perfeição, mas eles são tudo o que os trabalhadores têm para evitar que os capitalistas pisem sobre eles.
Os patrões sabem do perigo que o sindicato significa para eles. Isso explica porque os patrões estão sempre tentando destruir os sindicatos, restringir os direitos e esmagar a todos. Podemos ver que as leis anti-sindicais como a Taft-Hartley têm restringido severamente o direito à greve dos trabalhadores. Scott Walker, o governador Republicano de Wisconsin, introduziu a legislação anti-sindical para desarmar os trabalhadores para aplicar os mais severos cortes. Em Ohio, uma tentativa similar foi derrotada pelo povo por meio de um referendo. Isso ocorreu porque a população havia compreendido a necessidade de defender os sindicatos.

“Mas os líderes sindicais são burocratas” eles estão sempre com ambições de fazer acordo com os patrões!Talvez sim, mas que alternativa você propõe? Podemos viver sem sindicatos? Isso reduziria a classe trabalhadora a uma coleção de átomos isolados à mercê dos patrões. Marx assinalou há muito tempo que sem organização a classe trabalhadora é apenas matéria prima para exploração. A tarefa não é jogar fora o bebê junto com a água do banho, mas transformar os sindicatos em organizações de luta de classes, militantes e combativas.

Mais do que em qualquer período da história, a liderança das organizações dos trabalhadores está sob a pressão da burguesia. Ela abandonou as ideias sob as quais o movimento foi fundado, se divorciou da classe que ela deveria representar. Ela representa o passado, não o presente ou o futuro. As massas empurrarão para a esquerda ou deixarão essas lideranças de lado no tempestuoso período que agora se abre.

Sem a ajuda dos reformistas, estalinistas e dos líderes sindicais de colaboração de classe, não seria possível manter o sistema capitalista por qualquer período de tempo. Esta é uma ideia importante que temos que destacar continuamente. Os líderes sindicais e os partidos reformistas em todos os países têm poder colossal em suas mãos, muito maior do que em qualquer outro período na história.

Em última análise, a burocracia do trabalho é a força mais conservadora da sociedade. Elas usam sua autoridade para apoiar o sistema capitalista. É por isso que Trotsky disse que a crise da humanidade foi reduzida à crise de liderança do proletariado. O destino da humanidade depende da resolução deste problema. Mas o anarquismo não é capaz de resolver este problema, pois não aceita nem mesmo que este problema exista.

É necessário lutar para tirar os burocratas e carreiristas de suas posições, para remover os elementos burgueses das organizações trabalhadoras e substituí-los por homens e mulheres que estão realmente preparados para lutar pela classe trabalhadora. Defender o abstencionismo e recusar a lutar por mudar a liderança é defender a perpetuação do governo da burocracia; isto é, pela perpetuação da escravidão capitalista. Como Trotsky explicou recusar a lutar pelo poder político ou sindical significa deixar o poder nas mãos dos que o detém agora.

“Um Grande Sindicato?”

O IWW (Trabalhadores Industriais do Mundo) fez um excelente trabalho antes da Primeira Guerra Mundial organizando os setores desorganizados da classe trabalhadora – cultivadores e trabalhadores não qualificados, os portuários, lenhadores e os imigrantes. O slogan ‘Um Grande Sindicato’ serviu como um ponto de apoio inspirador em oposição ao conservador sindicalismo de profissão da velha AFL.

Os “wobblies” (tradução: vacilantes), como eram conhecidos, lideraram greves importantes, começando com Goldfield, Nevada em 1906 e a Greve dos metalúrgicos de automóveis em 1909 em McKees Rocks na Pensilvânia; a greve têxtil de Lawrence em 1912 e a greve da seda de Paterson em 1913. Eles frequentemente enfrentavam repressão feroz, espancamento e linchamento. Joe Hill (Joel Hägglund), o “wobbly bard” (o poeta vacilante) que escreveu inspiradores versos e canções, foi acusado de assassinato e foi executado pelo estado de Utah, em 1915, sem a mais inconsistente evidência.

Na Convenção de Fundação do IWW, Bill Haywood, então Secretário Geral da Federação dos Mineiros do Oeste, disse: “Este é o Congresso Continental da classe trabalhadora. Nós estamos aqui para confederar os trabalhadores deste país em um movimento da classe trabalhadora, cujo propósito é a emancipação da classe trabalhadora da servidão escrava do capitalismo”. (Procedimento da Primeira Convenção dos Trabalhadores Industriais do Mundo)

O IWW era consistentemente revolucionário e baseava-se nas doutrinas mais intransigentes da luta de classe. Nunca foi uma organização anarquista, mas faltava uma ideologia coerente e consistente. Pode-se dizer que sua ideologia era uma estranha mistura de anarco-sindicalismo e marxismo. Esta contradição logo foi exposta em um debate inicial. Daniel de Leon, o pioneiro Marxista Americano, era membro fundador do IWW em 1905. Mas ele discordou dos líderes do IWW sobre sua oposição à ação política.

Enquanto De Leon discutia o apoio às ações políticas através do Partido Socialista dos Trabalhadores, outros líderes, incluindo Big Hill Haywood, pediam ao contrário, a ação direta. A facção de Haywood prevaleceu, e como resultado o prefácio foi alterado para impedir “afiliação com qualquer partido político”. Os seguidores de De Leon deixaram o IWW em protesto. Isto foi um erro, porque a vida em si pode fazer pessoas como Big Bill Haywood mudar de opinião.

Na verdade o IWW tomou emprestado vários ensinamentos do marxismo. As duas principais bandeiras de sua plataforma, a doutrina da luta de classes e a ideia de que a emancipação dos trabalhadores deve ser tarefa dos próprios trabalhadores, veio diretamente de Marx. A verdade é que o IWW era mais do que apenas um sindicato. Era ao mesmo tempo um sindicato de militantes da indústria e uma organização revolucionária – um embrião de partido revolucionário. Isso foi logo demonstrado pelos tempestuosos eventos em torno da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa.

O IWW era internacionalista até a medula. Eles se opuseram à Primeira Guerra Mundial, assim como os Bolcheviques Russos. Um jornal do IWW, o Trabalhador Industrial, escreveu pouco antes da declaração de guerra dos EUA: “Capitalistas da América, nós lutaremos contra vocês, não por vocês! Não há nenhuma potência no mundo que pode fazer com que a classe trabalhadora lute se eles se recusarem”. A organização passou uma resolução contra a guerra em sua convenção em Novembro de 1916. Lênin adotou um vívido interesse pelo IWW principalmente por esse motivo.

A Guerra e a Revolução Russa demonstraram que ação política não era meramente uma questão de parlamento e votos, mas da maior expressão da luta de classes. O IWW não poderia ignorar a política. A entrada da América na Guerra em 1917 desencadeou uma onda feroz de repressão do Estado contra o IWW e a todos os que se opuseram à guerra, provou a necessidade da luta pelo poder centralizado contra a classe governante. E a Revolução Bolchevique mostrou como o velho poder do estado poderia ser derrubado e substituído pelo governo democrático dos próprios trabalhadores.

Quando os trabalhadores russos tomaram o poder do estado em suas mãos e usaram aquele poder para expropriar os capitalistas, isso teve um profundo efeito nas fileiras dos wobblies. Alguns de seus líderes mais destacados, como Big Bill Haywood, James Cannon e John Reed começaram a questionar muitas de suas velhas suposições. Entendendo a necessidade de uma organização política revolucionária, eles ficaram do lado do Bolchevismo.

Os melhores elementos do IWW aderiram ao jovem Partido Americano Comunista. Em Abril de 1921 Haywood disse em uma entrevista a Max Eastman, publicada no The Liberator: “eu me sinto como se eu estivesse estado sempre lá’, ele me disse. ‘Você se lembra que eu costumava dizer que tudo que precisamos era cinquenta mil IWW verdadeiros, e então em torno de um milhão de membros para apoiá-los? Bem, está não é uma idéia similar? Ao menos eu sempre percebi que a coisa essencial era ter uma organização daqueles que sabem”.

O fato de que a degeneração estalinista da Revolução Russa depois distorceu o desenvolvimento do Partido Comunista não deprecia em nada os corajosos pioneiros que iniciaram a tarefa de organizar a vanguarda revolucionária nos EUA sob os dentes da mais terrível repressão.

Aqueles que se recusaram a fazer a transição ao marxismo levaram o IWW a um beco sem saída, do qual eles nunca saíram. O dogma estéril e antipolítico os condenaram ao isolamento dos grandes eventos históricos que aconteceram em escala mundial. Na época de seu 50º aniversário em 1920, o IWW já tinha entrado em declínio irreversível. Em 2005, o 100º aniversário de sua fundação, o IWW tinha em torno de 5 mil membros, comparado aos 13 milhões de membros da AFL/CIO.

A idéia de “Um Grande Sindicato” ainda ressoa para muitos. Jovens trabalhadores em particular estão compreensivelmente frustrados com as divisões sem fim e lutas intermináveis nos sindicatos tradicionais hoje, outros não têm sindicato nenhum. No entanto, apesar dos esforços heroicos dos Wobblies para organizar um punhado de cafeterias e restaurantes de fast food, construindo tal sindicato, membro por membro nunca alcançará seu objetivo. Para isso, os vastos recursos dos principais sindicatos são necessários. Para mudar a política da atual liderança dos trabalhadores será necessária uma luta política dentro da AFL/CIO e dos sindicatos ‘Change to Win’, e não à margem deles. Além do mais, o único caminho para realmente alcançar isto é através da chegada ao poder político da classe trabalhadora, com a expropriação dos capitalistas e a aprovação de leis que garantam a cada trabalhador direitos sindicais, salário e benefícios. Isso seria lançar as bases para a realização do “Grande Sindicato”, e centenas de milhões de trabalhadores seriam organizados em massa em uma federação sindical unica.

Mesmo em seu declínio, o IWW jogou um papel chave inspirando o desenvolvimento do sindicalismo moderno industrial, que resultou na criação do CIO nos anos de 1930. O que foi uma tremenda realização. Mas embora em suas fileiras existam alguns trabalhadores militantes, hoje em dia o IWW é apenas uma sombra de si mesmo.

Hoje, a história do IWW é uma fonte infinita de inspiração para a juventude. Nós reconhecemos plenamente o papel pioneiro desempenhado pelo IWW nos primeiros anos e abraçamos intensamente sua consciência militante de classe e suas tradições revolucionárias. Reconhecemos que suas tendências “anarco-sindicalistas” eram apenas uma manifestação superficial – a casca exterior do Bolchevismo embrionário. Estamos orgulhosos de reivindicar o IWW como uma parte importante de nosso patrimônio revolucionário.

Sem líderes?

À primeira vista, parece uma idéia atrativa. Se todos os líderes se vendem, por que precisamos deles? Sim, esta noção não carrega o mínimo de análise crítica. Mesmo nas greves de meia hora na fábrica há uma liderança. Alguém tem que ir ao escritório do patrão para impor as demandas dos trabalhadores. Quem os trabalhadores escolherão para esta tarefa? Eles deixarão para o acaso, ou talvez vão tirar um nome do chapéu?
Não! Isso é um assunto muito sério para deixar para o acaso. Os trabalhadores elegerão a pessoa que eles sabem que defenderá seus interesses: um homem ou mulher que tem a experiência necessária, inteligência e coragem de representar o povo que o elegeu. Estes são os líderes naturais da classe trabalhadora, e eles estão presentes em cada local de trabalho. Negar isso é negar os fatos da vida, conhecidos de cada trabalhador.

Embora não tenham ocorrido muitas greves de larga escala de sucesso, recentemente nos EUA muitos trabalhadores tiveram uma mínima participação em greves. Mas quantos trabalhadores viveram a experiência de uma greve geral revolucionária ou uma insurreição de massa? Alguns têm essa experiência e, no entanto são incapazes de chegar a qualquer conclusão ou aprender lições. Isto só é possível do ponto de vista da teoria e da experiência do passado de nossa classe.

No mundo animal, a experiência acumulada de gerações passadas é passada através de mecanismos de transmissão genética. O animal sabe instintivamente como reagir em determinada situação. Mas a sociedade humana é diferente de qualquer outro animal coletivo. Aqui, o cultural e a educação determinam um papel mais importante que a genética. Como as lições das gerações passadas são passadas para as novas gerações? Não há mecanismo automático para isso. A transmissão deve ser executada através do mecanismo de aprendizagem. E isso leva tempo.

O que é verdade para a sociedade em geral é também verdade para a classe trabalhadora e para a luta pelo socialismo. O partido revolucionário é o mecanismo pelo qual as lições do passado são transmitidas para a nova geração de forma generalizada (teoria). Este é o equivalente da informação genética. Se a informação genética é correta e completa, levará à formação de um ser humano saudável. Se for distorcida, será natimorto. É o mesmo com a teoria. A teoria que resume corretamente a experiência do passado pode ser de grande ajuda ao permitir que a nova geração evite os erros do passado. Mas uma teoria errônea causará confusão, desorientação, ou pior. Se estivermos falando sério sobre revolução, devemos abordar isso seriamente, não de uma maneira superficial e amadora. Questões de estratégia e tática devem ocupar um lugar central nas considerações dos marxistas. Sem táticas, toda a conversa de construção do movimento revolucionário é conversa fiada: é como uma faca sem lâmina.

A concepção de uma estratégia revolucionária decorre da influência da terminologia militar. Há muitos paralelos entre a luta de classes e uma guerra entre nações. Para derrubar a burguesia a classe trabalhadora e sua vanguarda devem possuir uma organização poderosa, centralizada e disciplinada. Seus quadros e líderes devem ter o conhecimento necessário para saber quando se deve avançar ou recuar, quando iniciar a batalha e quando evitá-la.

Tal conhecimento pressupõe, além da experiência, um estudo cuidadoso e detalhado das batalhas do passado, vitórias e derrotas. Em outras palavras, pressupõe um conhecimento da teoria. Uma atitude desleixada e com desprezo em relação à teoria é inadmissível, porque a teoria é, em parte, a generalização da experiência histórica da classe trabalhadora de todos os países.

Mas não é possível improvisar e inventar novas idéias tomando como base nossa experiência viva na luta de classes? Sim, claro que é possível, mas haverá um preço a pagar. Em uma revolução, os eventos acontecem muito rapidamente. Não há tempo para improvisar e tropeçar como um homem de olhos vedados em um quarto escuro. Cada erro que fizermos será pago, e pode nos custar muito caro.

Negando a importância da organização e liderança, os anarquistas desejam manter o movimento em estado embrionário, desorganizado e amador. Mas a luta de classes não é um jogo de crianças e não deve ser tratado infantilmente. O filósofo americano George Santayana uma vez disse, muito sabiamente: “Aqueles que não aprendem com a história, estão fadados a repeti-la”. A história de movimentos revolucionários nos fornece um tesouro rico de exemplos, os quais merecem um estudo cuidadoso se não desejarmos repetir os erros trágicos e derrotas do passado.

Este texto continuará com suas partes II e III

Traduzido por Marcela Anita

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