João Doria ou Márcio França em SP? Nossa posição é de classe

Em meio a um convulsivo cenário político eleitoral, talvez o mais polarizado e imprevisível da história do país, nos vemos diante de Bolsonaro e de Haddad nas eleições presidenciais deste 2º turno. De um lado, um oportunista político com a linha de ataque em toda linha contra a classe trabalhadora. De outro, o programa operário burguês do PT. Os militantes da Esquerda Marxista e do Coletivo Educadores pelo Socialismo manifestam e reafirmam a necessidade de um voto de classe em Haddad, contra o perigo eminente de Bolsonaro.

Neste contexto, alguns chamam o voto em Haddad de “mal menor” e tende-se a operar da mesma forma nas eleições estaduais. É assim que em São Paulo se chega à conclusão de votar em Márcio França para governador, inclusive por setores da esquerda. Isso serviria para barrar o dito “mal maior”, João Doria, considerado por alguns como candidato de extrema direita.

A lógica dos marxistas na eleição nacional, contudo, não é a do “mal menor”, mas do voto de classe. Da construção do partido revolucionário de massas e não da busca por influência dentro do aparato burguês. Em São Paulo, no segundo turno, não existe candidatura operária. Então, como nos posicionarmos?

Lenin e a atitude em relação a partidos burgueses

Lenin, em 1906, desenvolveu ampla ofensiva dentro do Partido Social Democrata Russo contra a linha menchevique de conciliação e apoio a partidos burgueses. Essa tentava de conciliar de todas as formas com esses partidos, ditos “democráticos”, liberais, tinha na época sua principal expressão no Partido Cadete (liberal).

Nas eleições de 1906, Lenin explicou qual era a tática dos cadetes em relação às massas, sua atitude frente à possibilidade de fortalecimento dos Centelhas Negras (grupo monarquista e nacionalista da época, de extrema direita) e ou de fortalecimento da esquerda revolucionária. Após pontuar alguns aspectos do programa Cadete, conclui o revolucionário marxista:

“Portanto, o conjunto da campanha eleitoral dos Cadetes é direcionado a assustar as massas com o perigo dos Centelhas Negras e o perigo dos partidos de extrema esquerda, a se adaptar ao filatelismo, covardisse e flacidez da pequeno-burguesia e persuadi-las de que os Cadetes são o mais seguro, modesto, moderado e mais bem comportado que as pessoas podem ser. Todos os dias os jornais Cadetes perguntam aos seus leitores: Está como medo, filisteu? Confie em nós! Nós não iremos ameaçar você, nós somos contra a violência, somos obedientes ao governo; confie em nós, e nós faremos tudo por você, ‘o quanto for possível’! E pelas costas dos filisteus assustados, os Cadetes recorrem a todo tipo de truque para garantir sua lealdade ao governo [czarista], a assegurar à esquerda seu amor pela liberdade, a assegurar aos Renovadores Pacíficos a sua afinidade com seu partido e  termos eleitorais.
Sem esclarecimento das massas, sem despertar as massas, sem exposição de slogans democráticos consistentes – somente uma barganha por assentos pelas costas dos filisteus assustados – tal é a campanha eleitoral de todos os partidos da burguesia liberal, das pessoas não-partidárias (dos Tovarishch) ao Partido das Reformas Democráticas.” (A atitude dos partidos burgueses e proletários às eleições da Duma – 1 – tradução nossa)

Em contraponto a essa linha, Lenin defendeu a posição e a forma de disputar uma eleição por parte dos bolcheviques e partidos operários que lutassem pelo programa revolucionário:

“A atitude do partido operário em relação às massas é exatamente a oposta. O importante não é obter assentos na Duma (parlamento) por meio de compromissos; ao contrário, aqueles assentos são importantes somente porque e na medida em que eles conseguem servir para desenvolver a consciência política das massas, para aumentá-la a um nível político mais alto, para organizá-las, não pelo bem da felicidade filistéia, nem pelo bem da ‘tranquilidade’, ‘ordem’ e ‘pacifismo burguês’, mas em favor da luta, a luta pela completa emancipação do trabalho de toda exploração e de toda opressão. Somente por esse propósito, e somente na medida em que ele nos ajuda a alcançá-lo são os assentos na Duma e a campanha eleitoral como um todo importantes a nós. […] O partido operário, portanto, alerta as massas contra os truques eleitorais clandestinos da burguesia Cadete, contra seu alardeio estúpido: confie em nós, advogados, professores e aristocratas iluminados a tarefa de combater os Centelhas Negras.
O partido operário diz às massas: confie somente em sua consciência socialista e sua organização socialista. […] É o dever histórico do partido operário ajudar a criar um partido político independente da classe trabalhadora. Aqueles que advogam por blocos com os Cadetes dificultam o cumprimento desse dever.”[1]

Como vemos, o único sentido para um marxista realizar campanha eleitoral é promover a construção do partido revolucionário e a elevação do nível político das massas. Chamar votos em um partido da burguesia liberal seria, de acordo com Lenin, obstruir justamente esse objetivo. Nesse sentido, como votar no “mal menor” Márcio França ajudaria? É preciso uma caracterização mais clara do PSB e de seu candidato.

O que é o PSB?

O PSB é um partido que tem origem nas classes médias e pequeno-burguesas brasileiras. Nunca foi conectado à luta operária e se desenvolveu e consolidou como um partido burguês. Surgiu com o nome “Esquerda Democrática” em 1945, fundado por juristas e escritores, como João Mangabeira e intelectuais e professores universitários como Antônio Cândido e Sergio Buarque de Holanda. Passou a se chamar Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 1947, e, ao menos formalmente, propunha-se a defender “o papel do Estado na economia, defender reformas estruturais, a nacionalização de áreas estratégicas, a ampliação dos direitos dos trabalhadores e a garantia da saúde e educação.”[2] Um programa com fortes marcas da socialdemocracia, quando muito.

Embora tenha aventado participação no movimento camponês, sua atuação política foi centrada no âmbito institucional. A via eleitoral e os acordos nesse contexto foram o centro da atuação política do PSB. Como exemplo, o partido elegeu seu 1º prefeito em 1955, teve dois cargos de ministros no governo Jango. Em 1964 foi censurado pela Ditadura Militar.

O partido foi refundado em 1985. Apoiou Lula em 1989, mas assumiu ministério no governo burguês de Itamar Franco. Apoiou o PT em 1994 e 1998 contra o PSDB. Porém, em 2002 lançou Anthony Garotinho à presidência – sim, aquele corrupto praticamente condenado do Rio de Janeiro -, obtendo a terceira maior votação. Em 2010, lançou o dirigente patronal das indústrias brasileiras, Paulo Skaf, como candidato a governador do Estado de São Paulo.

O partido manteve um apoio ao PT durante o governo Lula e primeiros anos do governo Dilma, conquistando postos nas gestões petistas. Em 2013 o PSB deixou o governo Dilma, culminando numa guinada mais descarada e decisiva à direita, expressando de vez seu caráter genuinamente burguês. Demonstrações disso foram a entrada de Márcio França no governo do PSDB em São Paulo, como vice, e a coligação com o PSDB em 13 estados nas eleições de 2014. Além disso, apoiou o impeachment junto a todos os partidos da ordem.

Fora o supracitado, dos 29 deputados do PSB no Câmara, 12 votaram a favor da terceirização total e irrestrita, 14 a favor da reforma trabalhista, 17 a favor da PEC 241 e do congelamento dos gastos públicos por 20 anos e 19 a favor da Reforma do Ensino Médio. Nas duas primeiras votações, o partido “fechou” a posição contrária às reformas, porém sua natureza de classe fez prevalecer os interesses burgueses em detrimento dos proletários. E considerando as abstenções, em todos os casos, tivemos mais votantes a favor das reformas do que contra elas. Ou seja, alguns deputados do partido nem foram votar para evitarem sanções administrativas internas ou desgaste com suas respectivas bases eleitorais.

Como vemos, o PSB não é um partido operário, nem camponês, em termos de origem. Não é socialista, apesar de reivindicar isso no nome. Não defende as pautas dos trabalhadores, algumas delas presentes em seu próprio estatuto de fundação. Desenvolveu-se a partir de coligações e acordos políticos, seja com partidos mais à “esquerda”, como PDT e PT, ou à direita como PSDB.  Sobrevive a partir de doações de empresas e bancos. Não desenvolveu atuação sindical, camponesa, de base. Em suma, é um partido burguês liberal.

É Márcio França o “mal menor”?

Márcio era conhecido como “coronel” em São Vicente (SP), onde foi prefeito por oito anos. É político que em nada representa a classe trabalhadora e que desenvolve política contra ela inclusive. Seu candidato a vice-governador, para não nos deixar mentir, é coronel de fato. Envolvido em casos de nepotismo e corrupção, como apontado pela Isto É, só é mais um candidato burguês ao governo estadual de SP.

Para demonstrar isso, comparemos os programas de Doria e França. O que vemos são propostas de conteúdo igual, mas com formas diferentes de expressão.

Em seu plano de governo publicado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato do PSB diz coisas como:

“É necessário continuar trabalhando muito, melhorando a qualidade dos serviços públicos e democratizando as oportunidades, principalmente para os jovens. […] É preciso estimular o setor privado na inovação, na eficiência e na sustentabilidade, agregando mais valor, produzindo mais, exportando mais e gerando bons empregos.”[3]

Quanto à educação, ele utiliza o vocabulário usual: valorização e formação dos professores. Somado a isso, promete a implementação da BNCC para o ensino fundamental, que já sabemos poder diminuir a grade horária de algumas disciplinas.

Quanto ao transporte, não podemos esperar mais do que fez Alckmin. Se seção “Logística e Transporte” de seu programa de governo, está escrito “Ampliar o montante de recursos aplicados na infraestrutura de transporte e logística com parcerias público-privadas (PPPs)”. Nem só uma palavra contra a cartel dos transportes paulistas. Ao contrário, fala-se em fortalecer as medidas para que isso continue.

Como financiar tudo isso? Novamente fala-se em “Atrair investimentos para obras de infraestrutura do Estado junto aos organismos internacionais” e “Continuar o incentivo para a abertura e consolidação de novas empresas”[3]. Ou seja, fortalecimento das parcerias público privadas, privatização e desoneração fiscal dos patrões. Nada diferente do que fez Alckmin e o PSDB em toda a sua gestão, que em 10 anos desoneraram em R$ 150 bilhões os patrões via esse tipo de política.

E quanto a Doria? Doria é somente um pouco mais sincero em seu programa político. Tem como eixo cinco princípios da privatização: Descentralização (do Estado), participação (de empresas), eficiência (via terceirização), transparência (às empresas) e inovação (implementação da telemedicina e EAD)[4].

Todo o vocabulário empreendedor contemporâneo está colocado nessa plataforma, onde descentralização quer dizer diminuir o Estado e participação implica aumentar a entrada de empresas e ONGs em substituição à administração pública. Eficiência significa aprofundamento do toyotismo e da terceirização na administração pública. Transparência só se for junto aos empresários, para verificarem se seus investimentos estão sendo revertidos em lucros. E inovação só quer dizer redução de custos com pessoal, implementando a “telemedicina”, e generalizando os EADs. Em suma, mais uma medida privatista e de redução do Estado, num contexto em que nem mesmo as bilheterias eletrônicas das estações de metrô paulistas funcionam corretamente. Uma vergonha.

Em França temos um programa burguês de continuidade de Alckmin que camufla seu teor privatista. Apresenta-se como mais palatável, responsável, assim como o Partido Cadete em 1906. Em Doria, temos um programa burguês que declara seu teor privatista e de ataque, que alguns aproximam inclusive de Bolsonaro. A diferença é a forma e a tática eleitoral, mas o conteúdo é o mesmo, burguês e de ataque à classe trabalhadora.

Qual nossa tarefa?

À classe trabalhadora não interessa nenhum dos dois programas. Seja Doria, seja França, representam partidos que só fizeram atacar nossa classe durante o último período e por toda a sua história. São partidos burgueses e seus programas são de ataque. Portanto, não votamos em nenhum deles. E como explicou Lenin, as organizações proletárias que porventura apoiarem França estarão contribuindo para o retrocesso da consciência política da classe. Isso seria um erro gravíssimo.

Nossa tarefa hoje é eleger Haddad para barrar Bolsonaro e desde já começar a luta contra o próximo governo burguês do Estado de São Paulo.

É preciso nos organizar e lutar pelo único programa capaz de emancipar a classe trabalhadora, que é o programa da revolução socialista.

Junte-se ao Educadores pelo Socialismo e à Esquerda Marxista, contra o sistema e pela revolução socialista e vamos juntos construir um novo mundo!

Fonte:

1 – https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1906/dec/31.htm

2 – http://www.psb40.org.br/quem-somos/nossa-historia-2/

3 – http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/SP/2022802018/250000615141//proposta_1534250258305.pdf

4- http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/SP/2022802018/250000612596/proposta_1534219680547.pdf