Expulsão de cotistas na Unesp e a nossa luta contra o racismo

A expulsão de 30 estudantes cotistas da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) ganhou destaque nos grandes veículos de comunicação no início desse ano.  A portaria que informou o desligamento dos alunos foi divulgada em 30 de janeiro e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 31. Dos 30 desligados, 14 são de campi do centro-oeste paulista – Bauru, Marília e Botucatu. Todos os estudantes ingressaram na universidade em 2019. Ao todo, com os desligamentos de 2018 e 2020, foram desligados 57 estudantes da universidade após apurações da comissão. Em 2018, foram 27 os estudantes expulsos da Unesp pelo mesmo motivo.

O Professor Juarez Xavier, presidente da Comissão Central de Averiguações da Unesp, afirmou em seu perfil do Facebook:

“A UNESP desligou 30 estudantes, que tiveram as suas autodeclarações de pretas/pretos e pardas/pardos consideradas inconsistentes, segundo os critérios definidos pelo STF (fenótipo), depois de um árduo trabalho das comissões de averiguação e recursal, com o objetivo de assegurar a política pública de reserva de vagas, adotada em 2014”.

Poderíamos aqui fazer uma longa digressão sobre os critérios utilizados para a classificação de pessoas a partir de características de fenótipo. Importante ressaltar que nem a lei e tampouco o decreto regulamentador previram mecanismos de controle da veracidade da autodeclaração, os quais acabam sendo definidos por “comissões de validação” criadas por resoluções das instituições ensino, mas optamos por discutir a causa dessa situação: o sistema, e ele tem nome, é o capitalismo.

O racismo é uma ideologia que surgiu no século 19 como um dos pilares para justificar a exploração de classe. A burguesia nascente, principalmente a inglesa, desenvolveu e aplicou conceitos racialistas para justificar “cientificamente” o supremacismo branco – a ciência que nos perdoe. O capital inglês manteve na Índia toda a divisão em castas se utilizando do conceito de raças. Com a independência, os “novos” governantes, educados pela burguesia inglesa, introduziram o sistema de cotas para “beneficiar” as castas “menos privilegiadas” e permitir a elas um pouco de melhorias.

O exemplo da Índia mostra a ineficiência da política de cota, pois o país continua com milhões de pessoas na miséria, enquanto uma elite construída a partir da política de cotas oriunda das castas mais pobres que comandam estados e ocupam cargos no governo federal, enquanto a maioria continua a purgar na miséria e na fome. As cotas raciais são políticas sociais compensatórias criadas pelo Estado com o objetivo de atender necessidades de grupos sociais discriminados pela exclusão social, racial e econômica.

Foi com Lindon Johnson e Nixon, presidentes de direita dos EUA, que surgiram as políticas afirmativas como política de governo. Era uma reação contra as mobilizações pelos direitos civis (direitos democráticos que exigiam igualdade de direitos) e que mobilizavam milhões no início dos anos 1960, unindo brancos e negros.

Esta política ganhou um grande impulso no Brasil após a chamada Conferência Contra a Xenofobia, Discriminação e Intolerância realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, com a delegação brasileira apoiada e financiada por Fernando Henrique Cardoso (FHC).

No governo FHC, as políticas de cotas foram pela primeira vez implantadas pelo ex-ministro da Reforma Agrária, Raul Jungman, que por meio de uma portaria impôs as cotas para preenchimento de vagas no ministério. Chamadas de “ações afirmativas”, esta política nada tem a ver com as reivindicações dos trabalhadores, com reivindicações democráticas ou reformas. Elas se destinam a perpetuar a competição inerente ao sistema capitalista e transformam os proletário e a juventude em pessoas da corporação cotista sem ligação com sua classe ou origem social. Cria assim mais um obstáculo para a organização dos trabalhadores enquanto classe.

O imperialismo norte-americano inventou uma nova forma de evitar a revolta negra e proletária. Seu objetivo com estas políticas afirmativas de reparações é destruir os movimentos negros que buscam o caminho do socialismo.

A partir de fundos das grandes empresas mundiais foi constituída a Fundação Ford com objetivo de promover a “igualdade de oportunidades”, (que nada tem a ver com a igualdade de direitos), intervindo no movimento negro diretamente, como principal “doadora” de bolsas para pesquisa que fundamentem essas políticas e reneguem a luta de classes, transformando-a em “luta racial”.

O racismo se acentuou e ganhou contornos mais violentos nos tempos atuais de governo Bolsonaro que se especializou em atacar a educação, as universidades públicas e todos os serviços públicos, o que atinge em cheio a classe trabalhadora, onde estão 90% da população negra e sua juventude.

Os movimentos negros denunciam o racismo estrutural e suas consequências. Cobram do Estado, e suas instituições, “políticas públicas” que possam reverter esta situação, fundamentando estas reivindicações no princípio das reparações, por conta dos mais de três séculos em que durou o regime escravocrata.

Como a competição por vaga nas universidades públicas é extremamente acirrada, a autodeclaração, que é o que está na legislação, foi considerada insuficiente por conta de supostas fraudes nos critérios estabelecidos pelas comissões de averiguação. Gostando ou não, estas comissões são verdadeiros “tribunais raciais” que utilizam critérios racialistas para identificar quem é preto ou pardo. Enquanto amplos setores do movimento negro se especializam em discutir quem é mais ou menos privilegiado, quem merece entrar numa universidade, abandonam a histórica luta de vagas para todos nas universidades públicas.

As políticas públicas, baseadas no princípio das reparações, não servem para resolver os problemas de emprego, saúde, moradia e educação que os negros estão submetidos hoje, somente dialogam com uma parte muito pequena. Não são uma solução para os problemas reais da vida cotidiana da juventude e trabalhadores negros. Ao falar das cotas, esquecem-se de discutir e reivindicar, por exemplo, o saneamento básico para todos, que hoje concentra mais de 74 milhões de brasileiros sem esgoto encanado e não é difícil provar que a maior parte dessas pessoas são pretas.

A burguesia e seus governos, como o de Bolsonaro, vêm destruindo a escola pública, fechando salas de aula, reduzindo vagas, o que atinge diretamente a juventude trabalhadora, pobre e negra. Enquanto isso, os movimentos negros integracionistas continuam se negando a combater o sistema que dá causa ao racismo e a todos as formas de exclusão.

É uma grande ilusão acreditar que basta adotar um discurso radical racialista para que as coisas possam vir a mudar. Não há espaço para aplicação de políticas reformistas capazes de humanizar o capitalismo, onde uma parcela efêmera de negros se daria bem.

Continuaremos a lutar pelo fim do vestibular, por vagas para todos nas universidades públicas, dinheiro público só para as escolas públicas, nenhuma criança fora da escola, por educação pública e gratuita e para todos! Junte-se a nós!