EUA: de que lado vocês estão?

Como o Katrina e o Sandy antes dele, o furacão Harvey mais uma vez expôs a decomposição dos resultados da priorização capitalista dos lucros sobre as pessoas. As perturbadoras imagens de pessoas internadas em enfermarias, em cadeiras de roda e mergulhadas até acima da cintura nas águas da inundação, dizem tudo. “Mas o sistema foi soterrado!”.
(Editorial da segunda edição do jornal marxista Socialist Revolution)

De fato, o sistema foi soterrado. Não pode mais lidar com a capacidade produtiva e criativa da humanidade, embaraçada em seus limites artificiais – a motivação do lucro e o estado-nação. O que o furacão Harvey demonstrou é que o sistema não pode lidar eficazmente com a catástrofe. De fato, o próprio capitalismo é a catástrofe.

Ao mesmo tempo, o verdadeiro espírito coletivo da humanidade também foi revelado nesses trágicos e difíceis dias: sacrifício e compartilhamento desinteressados à medida em que as pessoas se uniam para o bem maior de todos. Pode ser muito tarde para se deter os efeitos da mudança climática, mas não é muito tarde para reestruturarmos a sociedade a fim de lidarmos com os seus efeitos. Há riquezas e recursos mais que suficientes para fazer isso, mas se encontram em mãos privadas. A tarefa histórica da classe trabalhadora é arrebatar esta riqueza – criada pelas mãos e cérebros dos trabalhadores – e usá-la para elevar a qualidade de vida de todos a novos e inimagináveis patamares.

O furacão Harvey também mostra como as coisas podem mudar rapidamente: como, de forma abrupta, uma enorme metrópole pode virar de cabeça para baixo e deslocar dramaticamente de um dia para o outro a situação da vida diária e da atividade econômica – porque os furacões não são a única catástrofe que afeta a humanidade.

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Passaram-se dez anos desde os primeiros estrondos da Grande Recessão, e estamos, de acordo com as estatísticas, destinadas a outro declínio. Ninguém deve acreditar por um momento só que os capitalistas aprenderam a lição que receberam da última vez e que ela não pode acontecer novamente. Auges e recessões acompanharão o capitalismo até o seu túmulo – e o inferno de uma nova recessão está em gestação. O que os capitalistas lograram na última década foi usar todas as ferramentas a sua disposição para enfrentar o inevitável retorno da tempestade – forçando os trabalhadores a suportar o fardo. Da próxima vez, não será tão fácil enganar as pessoas para resgatar os bancos e empresas de seguros. Há muito que desapareceram o choque e o temor infligidos pela crise e as ilusões nas promessas de Obama de “esperança e mudança”, que nublaram o julgamento das pessoas e permitiram que ocorresse o Grande Embuste. As ruas ferverão de raiva e o clamor por socialismo e revolução se intensificará.

Os capitalistas sérios do mundo são o oposto do otimismo quando se trata das perspectivas de seu sistema. A análise do New York Times sobre o retiro anual de Jackson Hole [simpósio de política econômica – NDT] revela seus temores inteiramente justificados: “As principais economias do mundo estão todas crescendo pela primeira vez desde a crise, mas a expansão é morna e frágil… Os reguladores financeiros advertiram contra a desregulação. Os defensores do livre comércio advertiram contra o protecionismo. Jerome H. Powell, um dos governadores do FED [reserva federal – NDT] advertiu a respeito da quase impensável possibilidade de que os EUA poderiam não poder pagar suas dívidas… Os banqueiros centrais têm a sensação de que estão fazendo o que podem, e que o crescimento continua lento devido aos problemas estruturais que requerem outros tipos de intervenção política”.

Em outras palavras: eles estão fazendo tudo que podem, mas realmente não têm nenhuma ideia de como fazer seu sistema voltar a funcionar. Nenhum ajuste monetário ou fiscal pode eliminar as contradições inerentes ao sistema – estas somente podem ser superadas através da revolução. Dados o seu impulso e a força gravitacional de sua economia, os EUA poderiam permanecer com uma liderança medíocre e até mesmo incompetente por um longo tempo. Durante o auge do pós-guerra, sua posição predominante como força motriz econômica mundial pôde compensar os erros, e um certo nível de gasto social pôde acompanhar as despesas colossais das aventuras imperialistas, como a Guerra do Vietnã e a corrida armamentista nuclear.

Mas, em última análise, a liderança da classe dominante reflete a saúde da economia sobre a qual baseia o seu domínio. Antes de 2008, teria sido praticamente impossível para Trump ultrapassar a linha de chegada contra os desejos da maioria de sua classe. Mas a maior crise desde a década de 1930 desequilibrou toda a sociedade – e qualquer aparência de equilíbrio no longo prazo jamais será restabelecida sob o capitalismo.

Se os burgueses inteligentes são incapazes de evitar ou de enfrentar a crise ameaçadora, então Trump é mil vezes mais incompetente. Quando o cataclismo golpear, podemos estar seguros de que seus mais baixos instintos autoritários e de bullying irão atacar, quando ele sair em busca de bodes expiatórios e para fazer o que pode a fim de salvar o sistema. Até mesmo os seus mais leais seguidores encontrarão dificuldades em negar que classe ele realmente representa.

Isto é, se ele não se demitir antes, como os rumores que rodopiam em Washington o deixam entender. Se isso acontecesse, ou se fosse acusado ou removido de qualquer outra forma, seria acima de tudo uma vitória para a classe dominante, que, em primeiro lugar, nunca o quis na Casa Branca e que está se movendo constantemente ou para segurá-lo pelos pés ou para forçá-lo a sair. Embora isto certamente encoraje os que se opõem à agenda de Trump, não mudaria nada de fundamental. Todo o sistema continuaria funcionando e, então, teríamos que lutar contra o Presidente Pence – um leal guardião do establishment – bem como contra os Democratas, que tentariam ganhar crédito e enganar ainda mais os trabalhadores para que votassem por um partido que não os representa minimamente.

Uma luz incrivelmente brilhante no horizonte é o rápido crescimento do DSA [Democratic Socialists of America] e o retumbante êxito de sua recente convenção, onde a energia revolucionária de milhares de novos membros praticamente o transformou em uma nova organização. Finalmente, os trabalhadores e jovens estadunidenses têm um polo de atração, um ponto nacional de referência na luta pelo socialismo.

O DSA também está posicionado para desempenhar um papel significativo na próxima luta pela atenção médica universal. Bernie Sanders está apresentando um projeto de lei “Medicare para todos”, mas a experiência mostra que propor legislação está longe de ser suficiente para tornar algo realidade. Nacionalizar os HMOs [Health Maintenance Organizations], Big Pharma, as redes de mega-hospitais e clínicas relacionadas, e integrá-los em um único provedor de saúde de propriedade do estado e administrado democraticamente exigirá mais do que alguns poucos políticos para implementar a partir de cima! Serão necessárias mobilizações de massa e greves, e até mesmo uma greve geral pode estar na ordem do dia. Em última instância, nem os Democratas nem os Republicanos podem oferecer uma verdadeira “grande assistência médica”, atados como estão a Wall Street e aos 1% – e certamente não em meio à crise existencial de seu sistema.

Todas reformas significativas resultam da pressão revolucionária. No entanto, embora devamos lutar por reformas positivas, como cuidados de saúde para todos, nesta época de crise, revolução e contrarrevolução não temos por que nos acomodar com pequenas modificações dentro dos limites do capitalismo. Não somente estas reformas estarão sempre ameaçadas por futuras ondas de contrarreformas, como também a energia, a organização e a luta requeridas para conquistá-las poderiam ser utilizadas para acabar completamente com o sistema. A classe trabalhadora é a maioria e devemos controlar democraticamente o governo e a economia – e não apenas nos EUA. Se considerarmos seriamente manter as “Mãos dos EUA fora” da America Latina, do Oriente Médio, da África, Ásia e do mundo, então a classe trabalhadora deve controlar essas mãos. Somente então poderemos oferecer apoio decisivo aos nossos irmãos e irmãs venezuelanos, palestinos, cubanos e sírios em suas lutas por um mundo melhor!

Para conquistar tudo isto necessitamos mais que entusiasmo e vontade para enfrentar a ultradireita. Necessitamos de ideias, teoria, perspectivas e organização – e as necessitamos em escala internacional. Devemos forjar hábitos de disciplina revolucionária que talvez não pareçam necessários ou urgentes atualmente, mas que não podem ser improvisados quando realmente deles necessitarmos – e podemos necessitar deles mais cedo do que se espera.

A Corrente Marxista Internacional lutou tenazmente para manter alta a bandeira do Marxismo e da revolução socialista contra todas as calúnias e pressões que acompanharam o colapso da União Soviética. As forças revolucionárias estão despertando em todo o mundo e a CMI está lá, lutando ombro a ombro com nossos camaradas no PSOL brasileiro, em PODEMOS, no movimento de Corbyn, no movimento França Insubmissa, e em mais de 40 países.

Charlottesville nos mostra o que está em jogo. Gostemos ou não, a história escolheu a presente geração para resolver a maior questão de nosso tempo: qual o futuro da humanidade? Socialismo ou barbárie? Estamos comprometidos em uma luta de vida e morte entre as forças da reação e aquelas que estão determinadas a não permitir que a espécie humana seja expurgada do universo em breve. Não é um acidente que a ideia de “capitalismo tardio” tenha capturado a imaginação da mídia social. O instinto de milhões de jovens lhes diz que algo está errado, que o sistema está decrépito e podre e que necessita ser extinto antes de nos perder a todos com ele.

A humanidade necessita o socialismo como o corpo humano necessita o oxigênio – não podemos sobreviver muito tempo sem ele. Lutamos por reformas, sim, mas o reformismo não será suficiente para livrar a sociedade do câncer do capitalismo. Um objetivo fundamental para a classe trabalhadora no próximo período deve ser a construção de um partido socialista revolucionário de massas comprometido em dar um fim ao capitalismo, sem o qual os trabalhadores serão incapazes de derrotar nossos inimigos de classe bem organizados e financiados. A derrubada revolucionária da propriedade privada, da exploração e da opressão é o desafio, e devemos aceitá-lo!

Artigo publicado em 4 de setembro no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “USA: Which Side Are You On?”

Tradução Fabiano Leite.