Felipe Araujo, novo coordenador do Movimento Negro Socialista (MNS)

Entrevista: Felipe Araujo, novo coordenador do Movimento Negro Socialista

Diante de novos dilemas colocados na luta antirracista, o Movimento Negro Socialista definiu um novo coordenador no mês de março. Felipe Araujo, morador da periferia carioca, assume a função depois de militar durante oito anos sob a bandeira que agora lidera. Contando com o apoio dos lutadores que iniciaram o MNS, o professor de filosofia da rede estadual do Rio de Janeiro identifica como centro de sua atividade continuar relacionando a luta dos trabalhadores negros por igualdade com a construção do socialismo.

Esquerda Marxista – Como novo coordenador do MNS, como você enxerga os próximos passos do movimento?

Felipe Araujo – A tarefa de coordenar o MNS é um grande desafio. É o desafio que todos os negros vivem na sua pele cotidianamente: de sobreviver ao racismo, sobreviver à repressão policial, sobreviver ao desemprego, sobreviver ao descaso do Estado.

É o desafio de toda classe trabalhadora que luta a tantos anos por liberdade, por felicidade. Como somos socialistas, entendemos que é impossível ter essa vida dentro do capitalismo, e por isso nos colocamos ao lado de cada lutador e lutadora que enfrenta este sistema de exclusão e desigualdade. Ou seja, é uma luta muito dura, porém não temos mais nada a perder. A luta contra o capitalismo e contra seu racismo é em legitima defesa.

A tarefa central do MNS é unir todas as bandeiras contra o racismo e a discriminação. Acontece que inevitavelmente a realização dessas demandas esbarram neste sistema. Isso nos exige sermos radicais, ou seja, exige irmos na raiz do problema e enfrentar o sistema que mantém toda essa opressão e exploração como ideologia para tentar nos manter na condição de subalternos, de “escravos”.

Este ano faremos um encontro nacional da coordenação e militantes do MNS, em 22 de abril, quando iremos discutir o cenário político atual, para nos armar para as lutas que 2017 separa para nós. A partir dessa reunião, os militantes organizarão atividades de formação e organização em suas cidades. Nossa intenção é ampliar o convite para todos negros e negras que que não aceitam mais a violência do Estado burguês e querem se organizar pela construção de uma sociedade onde a igualdade, a liberdade e a camaradagem não sejam apenas sonhos.

E.M. – Como você enxerga a ação do racismo no passado e hoje?

F.A – O racismo mudou muito seu modo de atuar. Hoje não “pega bem” uma figura pública defender abertamente uma segregação racial como já tivemos nos EUA ou África do Sul, assim como não pega bem dar chicotadas e torturar um escravo em praça pública. Isso deve ser visto como um avanço, uma vitória dos milhões de lutadores que se colocaram contra a escravidão e contra o racismo.

Se por um lado não temos mais a escravidão, ainda temos uma exploração desumana disfarçada, assim como temos um massacre contra a juventude negra, morta pela polícia, pelo tráfico, pelas drogas e pela fome.

Dessa forma, o negro continua como força de trabalho barata, tratado como “burro de carga”. E isso ocorre porque após a abolição da escravatura não foi abolida a propriedade privada dos grandes meios de produção, ou seja, os negros foram libertos, mas continuaram sendo obrigados a vender sua mão de obra para os mesmos burgueses que antes lhe davam chicotadas, pelo simples fato destes serem os donos das plantações e fábricas. A liberdade conquistada foi uma liberdade dentro dos limites do capitalismo, a liberdade de escolher por qual senhor serei explorado.

Além desse racismo com “ar de democracia”, temos o racialismo, que é uma ideologia gêmea do racismo. É uma teoria anticientífica de que o mundo é dividido em raças e que, portanto, cada raça deve ter sua pauta própria.

Essa teoria foi implantada incialmente na Índia, depois foi para a África do Sul e dela resultou o apartheid, onde o argumento de que uma vez que cada “povo” tinha hábitos e cultura diferentes, cada um deles deveria viver em uma área especifica, “sem se misturar”. Já sabemos o resultado dessa política: guerras, mais desigualdade e mais opressão.

Políticas semelhantes foram implantadas no EUA e Brasil, com nomes diferentes, muitas delas financiadas pela Fundação Ford. Essas políticas chamadas “ações Afirmativas” foram defendidas pelos burgueses mais racistas que já houveram na história, com, por exemplo, o presidente Nixon. Ao mesmo tempo em que defendia, no discurso, “as mulheres e minorias étnicas” aplicava sua política de “lei e ordem”, que matou e encarcerou milhões de negros e latinos das periferias, com a desculpa de “guerra às drogas”.

Essa política racialista tinha como objetivo central dividir a classe trabalhadora, jogando trabalhador contra trabalhador e defendendo uma elite negra, para provar que todos eram capazes de “vencer na vida”, bastava se esforçar.

Esse tipo de política ainda ocorre e a burguesia tem investido muito recurso nesse tipo de filosofia de segregação e individualismo. Esse método serve para convencer a população de que o capitalismo não precisa ser combatido, que ele dá oportunidades para todos. Essa política tem conquistados mesmo os militantes mais motivados e honestos, que desistiram de enfrentar o capitalismo e decidiram apenas “humanizar” o sistema, reformar o capitalismo, uma vez que não acreditam ser possível destruí-lo.

O racialismo propaga a ideia de que todos problemas que vivemos devem ser resolvidos no âmbito individual, quando na verdade são problemas políticos. A meritocracia é uma dessas culturas, que faz com que os negros tragam a “culpa” de todos seus fracassos para si, quando na realidade o motivo é a natureza desse sistema, que é essencialmente desigual e excludente.

E.M. – Em que situação jovens negros, trabalhadores e estudantes se encontram sob o governo Temer?

F.A. – A vida de toda classe trabalhadora tem piorado muito!

A crise do capitalismo está fazendo com que a nossa vida seja ainda mais difícil e dolorosa. No caso dos negros a situação é ainda mais crítica, pois a parcela mais sofrida da classe trabalhadora é majoritariamente negra, no Brasil. Os ataques de Temer são criminosos, porém não serão sentidos na pele imediatamente, o que os torna ainda mais perversos. A Reforma do Ensino Médio quer destruir a educação e impor uma lógica de mão de obra barata e imediata, obrigando a juventude mais pobre a entrar no “mercado de trabalho” cada vez mais cedo e de forma mais precarizada. Em conjunto com essa reforma, temos as contrarreformas trabalhistas e da previdência, que visam arrancar os direitos que conquistamos ao custo de tanta luta e sangue, obrigando as parcelas mais oprimidas da sociedade a morrer de tanto trabalhar.

Esse cenário é a prova da falência do sistema capitalista, e sua necessidade de sangrar a classe trabalhadora e a juventude numa esperança de tentar se manter. Temer e Trump representam todo o desespero da burguesia, destilando seu ódio contra negros, latinos, mulheres e qualquer parcela oprimida da sociedade. Eles fazem isso porque têm consciência de que os processos revolucionários surgem das parcelas mais oprimidas da sociedade. Uma hora não aceitamos mais as chicotadas do feitor, e quando isso ocorre nos lançamos na luta sem nada a temer, afinal quase tudo nos foi roubado.

E.M. – Quais as principais lutas do MNS diante desse cenário que descreveu?

F.A. – As lutas do Movimento Negro Socialistas sempre foram as lutas contra toda opressão e exploração que o capitalismo nos causa, é a luta pela liberdade e pela igualdade.

Na prática, nossa luta hoje mais imediata é contra o massacre que a juventude negra vem sofrendo, nas periferias urbanas e rurais do país. O capitalismo no Brasil mantém um sistema de segregação profunda, e para manter isso a burguesia precisa impor o terror contra as parcelas mais exploradas.

Por isso, seguiremos enfrentando cada ação racista com pulso firme. Precisamos combater o racismo com toda firmeza, colocando na cadeia cada figura que defende essa política e a promove. Figuras como Bolsonaro devem ser enfrentadas como os criminosos que são. Esses sensacionalistas agem dessa forma, pois a burguesia está desesperada, e permite que esses fantoches destilem todo seu preconceito publicamente, expondo a face mais cruel do capitalismo.

Além disso, direcionamos nossos esforços para garantir o acesso aos serviços básicos para todo o conjunto da população, pois essa é a única forma de garantir que todos os negros e negras não sejam excluídos. Ou seja, quando lutamos por educação, lutamos por vagas públicas e gratuitas para todos, pois só dessa maneira teremos a certeza que todos os negros serão contemplados. Nunca nos contentamos em ter apenas alguns negros acessando esse direito tão básico, enquanto a maioria vive no mais completo abandono.

Da mesma forma lutamos pelo acesso à saúde, transporte e emprego de forma irrestrita. O fato de a população negra ser a que mais tem esses serviços negados só nos faz ter mais convicção da necessidade da unidade de toda classe trabalhadora na luta contra o capitalismo e suas formas de nos dividir, como é o caso do racismo e do racialismo.