Dilma, o panelaço e o ajuste fiscal

 “Ninguém melhor do que uma mãe, uma dona de casa, uma trabalhadora, uma empresária é capaz de sentir, em profundidade, o momento que um país vive.” (Discurso de Dilma de 08/03/2015)

Então, para a presidente, donas de casa e trabalhadoras sentem as agruras da vida igual a que uma empresária. Dilma quer enganar quem?

Um gaiato postou na internet que pela primeira vez ele via mulheres do Higienópolis (bairro de classe média alta de São Paulo) segurando uma panela. Sim, a frase é engraçada, embora não reflita a verdade. Mas, foram nos bairros de classe média alta que o protesto durante a fala de Dilma “pegou”: Higienópolis em São Paulo, Ipanema e Leblon no Rio, Águas Claras em Brasília. O PT, por sua vez, reclamou que os atos tiveram a “presença e financiamento dos partidos de oposição”.

Uai, e o PT quer que os partidos de oposição deixem de ser “oposição”? Deixem de financiar “atos” contra a presidente do PT? Parece que sim, já que os jornais dão conta que emissários do partido buscaram o ex-presidente FHC tentando construir uma união nacional para defender o país frente à crise! E FHC, olimpicamente, recusou! Ou seja, o PT só não foi mais fundo na lama porque o ex-presidente recusou-se a tal, encarando que é melhor sangrar o PT.

Dilma explica em sua fala a origem política de tal tentativa. Primeiro, ela tenta igualar a percepção de trabalhadores à dos empresários:

 “Ninguém melhor do que uma mãe, uma dona de casa, uma trabalhadora, uma empresária é capaz de sentir, em profundidade, o momento que um país vive.” (Discurso de Dilma de 08/03/2015)

Então, para a presidente, donas de casa e trabalhadoras sentem as agruras da vida igual a que uma empresária. Dilma quer enganar quem?

Sabemos que é muito diferente uma trabalhadora que acaba de ser despedida depois de 8 meses de trabalho e agora não tem seguro-desemprego, de uma “coitada” empresária que “teve” que demitir para manter seus lucros. É muito diferente a “coitada” que bate panela no Leblon irritada com o aumento do dólar, que talvez diminua em um ou dois dias as suas férias nos EUA, da coitada da viúva que agora só receberá 50% da pensão do seu marido que acaba de morrer. Para Dilma, elas sentem a crise do mesmo modo e sofrem as mesmas consequências. Dilma e seus “assessores” já deixaram, faz muito tempo, de sentir as dores dos trabalhadores e trabalhadoras deste país.

Dilma prossegue então a sua fala: “Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos. Muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país.

Nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família.

As dificuldades que existem – e as medidas que estamos tomando para superá-las – não irão comprometer as suas conquistas. Tampouco irão fazer o Brasil parar ou comprometer nosso futuro”.

Dizem que a mentira tem pernas curtas. E um ministro de Hitler dizia que uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Nós queremos explicar as medidas de Dilma e cabe a você leitor, decidir se o que ela disse é verdade. Primeiro, as MPs 664 e 665 trazem as seguintes medidas:

– Aumentam o prazo para conseguir o benefício de seguro-desemprego, de 6 meses trabalhados para 18 meses. Triplica o prazo. Com esta medida, aproximadamente metade dos trabalhadores que hoje recebe o seguro-desemprego deixa de recebê-lo, segundo cálculos do próprio Ministério do Trabalho. Para nós, isso é mexer em direito adquirido. Existiria uma forma muito mais simples de resolver o problema: decretar a estabilidade no emprego! Isso, é claro, penalizaria os patrões. Dilma preferiu penalizar os trabalhadores.

– Reduziu o salário benefício, de quem ganha menos de 2 salários mínimos e tinha direito a um salário mínimo por ano, para um valor proporcional aos meses trabalhados no ano! Ou seja, além de perder o seguro-desemprego, quem for demitido também não receberá o salário benefício integral. Mais uma vez, os trabalhadores foram penalizados.

– Reduziu a pensão das viúvas de 100% do salário do esposo ou companheiro, para 50%. Precisa repetir quem foi prejudicado?

E ela disse que tudo isso são “ajustes”, ou em outra linguagem, que todos nós temos que “ajudar” neste momento de dificuldades. E que isso seria para acabar com os privilégios e distorções. E para mostrar as tais distorções, Dilma introduziu no pacote a história das “viúvas jovens”. Relembremos.

Conta a lenda urbana que jovens de 18 a 30 anos, e até antes dos 18, estariam dispostas a casar com velhinhos de 70 para conseguir pensões do INSS quando estes morressem. Aliás, os filmes da época da chanchada são ótimos em retratar tais situações, prevendo não a pensão, mas a herança dos velhos ricos, o tal “golpe do baú”. Qual a verdade?

Para demonstrar isso, o Ministério da Previdência teria que providenciar uma estatística que mostrasse a diferença de idade entre a mulher que ficou viúva e o instituidor da pensão na hora da morte. Mas os números combinados do Ministério da Justiça e do Ministério da Previdência contam uma história de horror e morte, que eles querem jogar embaixo do tapete.

Primeiro os números da previdência:

– existem 500 viúvas com pensão, abaixo de 19 anos de idade.

– Existem 27 mil viúvas com pensão, de 19 a 30 anos de idade.

Comprovada a lenda? Vamos comparar com os números do Ministério da Justiça, Setor de Direitos Humanos. São mortos por ano, na faixa etária de jovens abaixo de 35 anos, 30 mil pessoas, a maioria (90% ou mais) homens, assassinados por armas de fogo! São 50 mil mortos por tiro no Brasil por ano, umas das mais altas porcentagens de homicídio do mundo. Morre mais gente por tiro no Brasil que na guerra entre palestinos e judeus! No Brasil, morreram a bala mais pessoas do que as que foram mortas na guerra da Iugoslávia. Provavelmente só perdemos para o México e para a guerra civil do Iraque-Síria! E então?

Então o que estas mortes produzem exatamente são as “jovens viúvas”. Por isso o Ministério não divulga a idade do instituidor (o homem que morreu) comparando com a idade da viúva!

Isso mostraria o caos sobre o qual tem responsabilidade o governo que não quer nada resolver, mas sim penalizar a jovem mulher que se vê jogada no mundo sem seu companheiro, na maioria das vezes com filhos jovens e com uma enorme dificuldade de trabalhar, para os quais agora a pensão só vai durar poucos anos ou em vários casos deixará de existir! Tudo isso por quê?

Aqui a hipocrisia não tem limites e se há alguém que precisa ter raiva de Dilma e da direção do PT são os trabalhadores.

É simplesmente escandaloso depois destas medidas de “ajustes” dizer que está protegendo os setores mais vulneráveis, jogando viúvas e órfãos no desamparo e na miséria mais profunda! Desamparando os desempregados! A hipocrisia atingiu os seus limites. Mas, Dilma se faz de cega e surda e continua:

“O mais importante: enquanto nos outros países havia demissões em massa, nós aqui preservamos e aumentamos o emprego e o salário…Inclusive, porque decidimos, corajosamente, mudar de método e buscar soluções mais adequadas ao atual momento.

Mesmo que isso signifique alguns sacrifícios temporários para todos e críticas injustas e desmesuradas ao governo.

Na tentativa correta de defender a população, o governo absorveu, até o ano passado, todos os efeitos negativos da crise… Absorvemos a carga negativa até onde podíamos e agora temos que dividir parte deste esforço com todos os setores da sociedade.

É por isso que estamos fazendo correções e ajustes na economia.”

No momento em que o desemprego começa a aumentar, que a indústria demitiu no ano passado e começa o ano demitindo. No momento em que o preço do petróleo cai e a Petrobras é ameaçada, Dilma pede que dividamos o “esforço” para suportar a crise. O que Dilma não quer contar é que a sociedade é dividida em patrões e empregados, em burguesia e proletariado, que o proletariado produz e que os patrões, a burguesia, ficam com o lucro, e que ela através dos impostos coloca uma parte destes lucros nas mãos do Estado (O comitê central dos negócios da burguesia. É só ver com quem eram feitos os negócios na Petrobras), para que ela os gerencie de forma a “manter” a sociedade. O que Dilma quer dividir não é a conta da crise entre patrões e empregados, mas sim jogar a conta da crise nas costas dos trabalhadores, empregados e desempregados, pensionistas, viúvas e pescadores.

Nos dois anos anteriores, ela já tinha feito isso. Desonerou a folha de pagamentos, que é um tributo que recai exclusivamente sobre os patrões para financiar a Previdência, que é um direito dos trabalhadores e passou a conta para um tributo sobre o faturamento. A conta desta pequena operação se deu na forma de aumento de preços ou, em outras palavras, em inflação, que atingiu a classe trabalhadora. Agora, quando o petróleo, a soja, o ferro e o café perdem preço no mercado internacional, o dólar aumenta como consequência, e os produtos importados (inclusive insumos para a produção nacional) aumentam, a inflação aumenta e cai novamente nas costas dos trabalhadores.

Nesta hora, Dilma propõe revisar metade da desoneração dando aos patrões o direito de optar pelo tributo na folha ou sobre o faturamento, e dobrando a alíquota sobre o faturamento. O “direito” de optar leva naturalmente ao aumento dos preços equivalente ao aumento da alíquota e a nova média não leva à “oneração” da folha, ao custo do patrão, mas a um novo custo que é jogado sobre as costas dos trabalhadores (nunca um livro como “Salário, preço e lucro” de Karl Marx, escrito há mais de 150 anos, esteve tão atual).

Sim, novamente o ajuste é lançado sobre as costas dos trabalhadores. Dilma pode dizer e repetir que preserva os direitos dos trabalhadores, mas é obrigada a confessar:

Estamos fazendo tudo com equilíbrio, de forma que tenhamos o máximo possível de correção com o mínimo possível de sacrifício.

Com equilíbrio? Você leitor, a esta altura, deve se perguntar, qual equilíbrio? Aquele de circo onde embaixo há um monte de gente e depois a pirâmide vai subindo e lá em cima fica uma graciosa burguesinha, perdão, bailarina? Só se for deste equilíbrio que Dilma está falando, porque é na parte de baixo da pirâmide que a coisa está ‘pegando’.

Nesta situação, é que a direita deita e rola, pegando os setores mais desesperados da pequeno-burguesia e querendo utilizá-los para sangrar o governo e garantir os seus lucros, numa situação que é tudo, menos “equilibrada”, uma situação onde a fala da presidente parece piada:

“…durante o tempo que elas durarem, o país não vai parar. Ao contrário, vamos continuar trabalhando, produzindo, investindo e melhorando.

As coisas vão continuar acontecendo.

Junto com as novas medidas estamos mantendo e melhorando os nossos programas. Entregando grandes obras.

Nossas rodovias e ferrovias, nossos portos e aeroportos continuarão sendo melhorados e ampliados.

Para isso, vamos fazer, ainda este ano, novas concessões e firmar novas parcerias com o setor privado.”

Grandes obras? Grandes obras para quem cara pálida? Para a maioria do país é que não é. Mais concessões? Mais privatizações? Mais parcerias com o setor privado? Vendas de ativos da Petrobras? Abertura do capital da Caixa Econômica Federal? A quem interessa tudo isso? Aos empresários e ao grande capital, podemos responder com certeza. E os trabalhadores vão sofrer ainda mais.

E com juros altos, produção caindo, dólar alto, mais privatizações, o resultado virá: desemprego e queda do valor real dos salários. Dilma sabe disso, sabe que a economia e o país estão em crise e tenta dizer que tudo é controlável.

Aos trabalhadores, resta o duro caminho da luta, o caminho para construir uma alternativa que não seja o da direita golpista nem o da fraude que se chama Dilma.