Diamantes, lama e sangue: De onde vem a relação?

Em períodos de crise do capital, os cosméticos “humanitários” com que o Estado-servo-do-mercado embalsama a exploração começam a irritar as narinas da classe dominante. Do lado de cá, o da classe trabalhadora, sentimos que não há spray que disfarce o hálito podre das grandes companhias. Esses choques retaliam as camadas mais pobres, ora explícita, ora discretamente, em toda a história da humanidade.

A atual divisão internacional de trabalho tem nítida relação com períodos em que reinos já dominantes da navegação saíram aos mares em busca de novas rotas e recursos. Pulando o entulho histórico que os idolatra como “descobridores”, colônias da América, Ásia e África serviram para abastecer obsessões por acúmulo: de poder político, militar, territorial, de recursos e força de trabalho.

Apesar de desbancar a aristocracia pelas revoluções burguesas, o capitalismo, por ser também dependente da exploração do homem pelo homem, preservou certos pilares, enfeitou outros e elevou a complexidade da dominação. Com o processo de intensa industrialização pós-revolução industrial, a burguesia abriu portas ao novo carro-chefe da luta de classes. O acúmulo dá lugar ao lucro. O escravo, ao assalariado. O chicote, ao cassetete. E assim por diante.

O ponto em comum é que a vida humana, tal como o meio ambiente, nunca foi a prioridade de quem teve o domínio. É o que vemos ainda hoje aqui, desde que o sangue indígena e o pigmento ‘pau-brasil’ se misturaram pela primeira vez.

A quem pertencem os recursos?

Os conflitos fundiários no Brasil são herança da distribuição de lotes entre barões e coronéis no Regime das Sesmarias, que loteou terras para monocultura com mão de obra escrava, o que prevaleceu de 1531 a 1822. A barbárie deu as caras quando a Constituição de 1824 foi omissa na questão agrária, deixando válida a Resolução 76 de José Bonifácio, que permitiu concessões irrestritas até a constituinte seguinte, período conhecido como “extralegal” ou “anárquico”. No bom português, um “coma quanto puder”, com temporada de caça às comunidades nativas. A selvageria durou 28 anos com intenso banho de sangue.

Em 1850, com as fatias bem divididas, avançaram na institucionalidade com a Lei de Terras, não para corrigir os erros do massacre, mas para legitimá-los em suas posições. Poucas comunidades sobreviveram e quase todo o solo foi dividido entre senhores, principalmente proprietários de São Paulo e Minas Gerais.

Nessas condições, os documentos que hoje legitimam os latifúndios e a extração de minérios têm tanto sangue que mal se conseguiria ler uma palavra. Sangue fresco, por sinal. Lama também. A corrupção, a grilagem, fraudes em plano diretor e adulteração de documentos fiscais federais seguem sendo meios comuns para se adquirir terras.

Nesse faz de conta legalista, quando a organização popular em movimentos sociais denuncia irregularidades e reage, é vista como entrave ao desenvolvimento. Daí saem os massacres indígenas, conflitos fundiários e “acidentes” que rompem décadas sem punição… Nada mais do que a história se repetindo como farsa, dia após dia, ano após ano, século após século.

O capital e suas leis

A exemplo do que faz com vários programas erroneamente comprados por setores da “esquerda”, o mercado demonstra seu oportunismo na busca por novos consumidores. Lembramos bem como os comerciais de cerveja giraram drasticamente do machismo às campanhas de inclusão LGBT, da linha de mochilas de R$750,00 da Karol Conka ou, por que não, da grife de trabalho escravo Ivy Park, da Beyoncé.

Na mesma lógica, leis foram criadas para estimular o “sustentável” e “punir” poluidores, cedendo títulos como a ISO 14001 e os Créditos de Carbono, sintetizados no uso demagógico do aquecimento global. Traduzindo ao que interessa: incentivo fiscal, concessões e apropriação de dinheiro público. Não é novidade que a corrupção é parte da relação Estado-capital. Vemos isso no dia a dia. Mas, ainda que plenamente cumpridas, essas normas se limitam à esfera de mercado, com consequências timidamente patrimoniais. Na prática significa não um desestímulo, mas uma condição financeira para cometer crimes. Assim prevê o “Princípio do Poluidor-Pagador”.

Pelas normas de licitação, seguindo a farsa da democracia burguesa, são indispensáveis as audiências com lideranças e povoados locais, em garantia da “plena participação democrática”, quando há risco de impacto ambiental. Quando ocorrem, são tão impactantes no processo quanto os discursos da Marina Silva… Mesmo assim, o Brasil disputa entre os que mais assassinam líderes de movimentos. Quando o assunto é lucro, vale tudo pela celeridade do “devido processo legal”.

Esses dispositivos (muitas vezes com aval de estudos patrocinados pelas próprias corporações) não visam reverter ou impedir que degradação e desastres ocorram. Convenções Internacionais, como a do Tratado de Paris, delimitaram “índices humanitários” de poluição, no idealismo de conciliar a produção frenética do capitalismo com o “Direito Fundamental ao Meio Ambiente Sadio e Equilibrado”.

Assim diz o Art. 225 da CF/88 brasileira:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Essas linhas mortas proíbem altos níveis de poluição e a baixa arborização. Também proíbem o stress nas marginais, nos metrôs superlotados, a falta de saneamento básico, a violência e até mesmo a quantidade de propaganda nas ruas. Graças à nossa Constituição, São Paulo tem os menores índices de depressão e ansiedade, certo?

No entanto, para a classe dominante, não são consequências do livre mercado. São mais motivos (desculpas) para converter direitos em serviços, abrindo mais concessões à iniciativa privada com seus selos verdes de destruição.

Brasil, mundo e Bolsonaro

Não faltam exemplos de incidentes causados por lobby, fraude, má fiscalização e coisas do tipo no Brasil. Temos fresco na memória o rompimento da barragem de Mariana, 18 anos após a privatização da Vale por Fernando Henrique Cardoso. [leia mais em “De Mariana a Brumadinho, o lucro acima de tudo“]

Descartes tóxicos de abatedouros, mineradoras e fábricas, seja no solo, no ar ou nas águas acontecem diariamente. A monocultura desenfreada esconde os níveis irracionais de agrotóxicos, degradação do solo e fertilizantes artificiais usados no processo.

É nesse sentido que, em 2010, a Shell e a Basf foram condenadas pela contaminação, desde 1975, do solo de Paulínia (Incidente do Recanto dos Pássaros), por produção e descarte clandestino de venenos proibidos em vários países, incluindo o Brasil. Dos 72 mortos reconhecidos pela associação de ex-operários, assumiram a responsabilidade por cinco. Cerca de 700 pessoas afetadas ainda hoje enfrentam doenças de pele ou câncer, com sequelas perpetuadas inclusive em seus filhos.

Lembramos também das 77 mortes e outras mil pessoas contaminadas pelo incidente com Césio 137 em Goiânia, nos anos 1980. Uma cápsula idêntica foi encontrada num ferro velho do município de Arapiraca, próximo à capital alagoana Maceió, em janeiro deste ano. Dessa vez não houve contaminação, apenas porque reconheceram a estrutura antes de desmontar.

A mesma capital traz um histórico de “acidentes” como o do Moinho Motrisa, que após anos de rachaduras à mostra teve o silo rompido, destruindo casas, carros e comércios locais com toneladas de trigo congelado. Quatro cilindros com estrutura comprometida posicionados em área híbrida comercial, residencial e industrial, com intenso fluxo viário batizado por um rio de esgoto. Esse é o cenário tutelado por nossas leis ambientais.

O ano de 2011 também foi palco de dois vazamentos de gás-cloro pela empresa química Braskem, que teve a licença cassada na última semana por risco de afundamento de um bairro inteiro onde faz extração subterrânea de sal-gema. Após chuvas, casas e ruas apresentaram rachaduras que obrigaram moradores a evacuar a área. Não há de se espantar que a empresa é parte da Organização Odebrecht.

Bolsonaro cinicamente dá as caras no exterior com o slogan do “país que mais preserva o meio ambiente”. Sua estupidez é reafirmada com o rompimento da barragem em Brumadinho, poucos dias depois. Enquanto deputado, compôs a “bancada ruralista”, combatendo a “indústria da multa”, flexibilizando licenciamento e fiscalização para empresas justamente como a Vale. Em campanha presidencial, cogitou integrar o Ministério de Meio Ambiente ao da Agricultura. A desistência da proposta, porém, não o impediu de nomear dois dos maiores mafiosos aos cargos.

O Meio Ambiente ficou para Ricardo Salles, candidato a Deputado Federal pelo Novo, que sugeriu resolver problemas no campo com armamento e aval para atirar em “pragas e invasores” com a campanha “Segurança no campo – Tolerância zero”. Sua condenação por improbidade (leia-se fraude e corrupção) ambiental, com cassação de direitos políticos por três anos, selou de vez o romance moralista com o atual presidente.

O Ministério da Agricultura é ocupado pela “Musa do Veneno”, Tereza Cristina, que não tem outro objetivo que não seja enriquecer multinacionais químicas, latifundiários e mesmo planos de saúde com seu avanço sistemático em distúrbios alimentares por transgênicos e pesticidas (um brinde à Bayer/Monsanto). Seu currículo inclui fraude em incentivos fiscais à JBS em 2013, durante o mandato de André Punelli (MDB-MS), preso por corrupção.

É com essa trupe de bandidos que o governo pretende nos entregar gratinados em nióbio e petróleo a quem mais se beneficia do (contraditório) malabarismo liberal-patriota brasileiro: os Estados Unidos da América.

“A minha continência à bandeira norte americana! USA! USA!”

Lembramos que a turma “contra tudo o que está aí” segue a mesma direção e sentido de Michel Temer que, ao descumprir acordos de preservação, perdeu 50% dos investimentos da Noruega ao Fundo de Preservação da Amazônia, por exemplo. Não ironicamente, um duto clandestino da multinacional norueguesa Hydro foi descoberto despejando tóxicos em uma nascente da Amazônia, poucos meses depois.

[leia mais em “Capitalismo na Amazônia, preservação sob os holofotes, crimes e destruição quando ninguém vê]

Os governos Lula e Dilma também avançaram nas concessões de aeroportos, hidrelétricas e rodovias, leilão do pré-sal e entrega das ações da Petrobrás ao estrangeiro, com voto favorável do atual presidente pela não participação da estatal nos lucros, inclusive. Esses nomes, apesar de se venderem como “socialistas” ou “nacionalistas”, não só toleraram as privatizações de FHC como ampliaram, aprofundaram e aceleraram o processo, com notável destaque do Chicago boy Paulo Guedes e seu plano de eutanásia do serviço público em todas as áreas.

Comparemos esses exemplos ao período de extração do ouro e do chicote dos barões. Hoje, como sempre, a estrutura de dominação que chamamos de Estado nada mais é do que um balcão de negócios entre as classes dominantes que se vale de forças repressivas para se manter, assim como fielmente nos mostra o site oficial da PMEMG:

“À Força recém-criada, a qual pertenceu Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes: Protomártir da Independência e Patrono Cívico da Nação e das Polícias Brasileiras -, caberia cumprir missões de natureza militar, através de ações e operações de enfrentamento dos tumultos, insurreições e defesa do território da Capitania e da Pátria, e, de natureza policial, na prevenção e repressão de crimes, mantendo em ordem a população, para que o ouro pudesse ser extraído, transportado e exportado em favor do Reino Português.”

A saída é o socialismo

Para os marxistas, deve-se não só combater os ataques à classe trabalhadora e o próprio governo que existe para isso, mas também desmascarar as organizações submissas às regras do tabuleiro. É preciso virar o tabuleiro! As leis escritas por um Congresso Nacional e aplicadas por um Poder Executivo podres, ainda que em conformidade com Tratados Internacionais, são inofensivas à origem dos problemas. São nada mais do que adaptações “sustentáveis” a um regime que por essência destrói e explora para manter o mercado girando.

A produção, o comércio e as relações sociais não devem seguir princípios de trapaça, opressão e ganância. O lucro desvirtua qualquer racionalidade e planejamento produtivo, tornando inevitável que essa marcha hipnótica nos conduza à destruição dos recursos e da própria sociedade, mais cedo ou mais tarde.

Somente uma economia planificada, sob controle democrático dos trabalhadores, pode alcançar os avanços que a tecnologia já nos permitiria se não fosse a típica destruição das forças produtivas no capitalismo. Apenas quando a função da agricultura for garantir alimento para todos e não satisfazer fetiche de latifundiários, a das reservas for suprir demandas sociais e não empilhar fortunas, quando a classe dominante tiver seu balcão de negócios destruído, nós conseguiremos progredir em grandes saltos de desenvolvimento, impedindo catástrofes e desgraças que decorrem da maior delas, o capitalismo.

As escolhas estão dadas: O socialismo ou a barbárie!

Pela expropriação das usinas e mineradoras, estatização sob controle operário!

Pela reforma agrária, terra aos que nela trabalham!

Pela economia planificada em um futuro socialista!