Imagem: Alberto Giuliani, Wikimedia Commons

Crise na saúde causa aumento global no excesso de mortalidade: o sistema está doente!

Os sistemas de saúde em todo o mundo estão enfrentando uma profunda crise diante da austeridade, do aumento das necessidades sanitárias e da escassez massiva de pessoal. Isso está se traduzindo em um aumento massivo no excesso de mortes. As pessoas estão perecendo evitavelmente sob este sistema podre. Somente uma derrubada revolucionária do capitalismo pode libertar a saúde pública do jugo do capitalismo.

Enquanto a maior parte do mundo está saindo cambaleando da pandemia de coronavírus, estamos enfrentando uma catástrofe sanitária global. Na Europa, a mortalidade está 10% acima da média, com alguns países relatando aumentos de até 23%. No Canadá, um hospital infantil teve que solicitar o apoio da instituição de caridade humanitária internacional, a Cruz Vermelha Britânica, para enfrentar a magnitude das enfermidades e sofrimentos.

Enquanto os porta-vozes da classe capitalista são rápidos em culpar a pandemia, que certamente exacerbou a crise, a realidade é que essa catástrofe na saúde é, em última análise, produto da ineficiência e indiferença do mercado.

A austeridade devastou os serviços

Como explicamos esse agravamento da crise sanitária quando os gastos globais com saúde aumentaram nos últimos cinco a dez anos? Por um lado, os gastos adicionais não são suficientes! Nos países mais ricos, os governos falharam consistentemente em cumprir as metas de gastos, o que significa que os sistemas de saúde já estão subfinanciados há anos, até mesmo décadas.

Além disso, a fonte desse financiamento adicional não é o crescimento econômico, mas o financiamento do déficit e os empréstimos imperialistas, particularmente nos países subdesenvolvidos.

Isso leva à necessidade de pagar esses empréstimos – dando com uma mão e tirando com a outra – e colocando os sistemas de saúde no topo de um castelo de cartas. Seja pela incapacidade de pagar as dívidas ou pelo colapso do sistema precário como um todo, ou ambos, a saúde global está à beira da crise.

Na Europa, os cuidados de saúde não acompanharam as necessidades médicas da população. A austeridade devastou os níveis de pessoal e de recursos que, juntamente com a má gestão, levaram a uma tempestade perfeita. O diretor regional europeu da Organização Mundial da Saúde (OMS), Hans Kluger, pinta uma visão distópica:

“Todas essas ameaças representam uma bomba-relógio… provavelmente levando a problemas de saúde, longos tempos de espera, muitas mortes evitáveis e potencialmente até o colapso do sistema de saúde.”

O fato de não pagar adequadamente os profissionais de saúde levou a um êxodo em massa de funcionários de hospitais e das clínicas comunitárias, que foram levados à beira do colapso durante a pandemia. Na França, agora há menos médicos do que há uma década. Como resultado, 6 milhões de pacientes não têm um clínico geral regular. Na Grã-Bretanha, 40 mil enfermeiras deixaram o Serviço Nacional de Saúde no ano passado.

Na Alemanha e na Finlândia, outrora líderes na área da saúde, as vagas que chegam a dezenas e centenas de milhares deixaram os sistemas de saúde e de assistência social a pleno vapor. Como disse um importante jornal alemão, o país está aprendendo “o que significa quando um sistema implode”.

500 médicos cubanos, geralmente mobilizados para ajudar nações vizinhas pobres na América do Sul, teriam sido enviados para a região da Calábria, na Itália, em uma tentativa de encobrir as rachaduras.

Questões semelhantes afligem o sistema de saúde dos EUA. Os hospitais estão fechando a taxas alarmantes, as salas de cirurgia estão fechadas devido à falta de pessoal e os pacientes passam horas e dias esperando nos Setores de Emergências.

Fora de alcance e sem opções dentro dos limites do capitalismo, os políticos lutam para enfrentar a crise. As tentativas do ministro da saúde alemão de simplesmente redistribuir enfermeiros e médicos foram rotuladas de “absurdas” e como “um ato de desespero” pela principal equipe médica.

Diante do aumento das necessidades de saúde e dos serviços deficitários de saúde, muitos países estão optando por medidas de austeridade. À sombra de uma recessão iminente, prevê-se que 83 das 189 economias enfrentarão uma contração nos gastos do governo com saúde este ano. Trabalhadores de todo o mundo serão obrigados a pagar com sua saúde ou até com suas vidas.

Os mais pobres sofrem mais

A crise da saúde em países de renda baixa a média é impactada pela exploração imperialista. Juntamente com a colaboração das burguesias nacionais e com a dominação financeira de entidades como o Banco Mundial, muitos desses países têm uma dependência extrema da ajuda, embora, é claro, em última análise, seja extraído mais desses países, na forma de serviço da dívida e simples roubo, do que recebem. No entanto, no Sudão do Sul, por exemplo, mais de 50% do orçamento da saúde é fornecido pela ajuda. Na Tanzânia, 98% do financiamento do HIV/AIDS vem de outros países.

Diante de uma crise capitalista em casa, os governos europeus estão realizando cortes na ajuda internacional. O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, enquanto em seu cargo anterior como chanceler, cortou a ajuda do Reino Unido em £ 4,5 bilhões. Esses cortes incluíram o Esquema de Parcerias para a Saúde do Reino Unido, que permitiria que os profissionais de saúde britânicos treinassem 78 mil estagiários em todo o mundo, ajudando 430 mil pacientes. Medidas semelhantes foram tomadas pela Noruega, antes considerada líder em ajuda global.

No Afeganistão, o colapso do regime apoiado pelos EUA e a vitória do Talibã levaram a uma onda de sanções. O sistema de saúde afegão dependia fortemente do apoio estrangeiro, o que significa que a retirada de funcionários e recursos ocidentais destruiu hospitais e clínicas comunitárias. Como resultado, três quartos da população afegã mergulharam em extrema pobreza, com taxas de desnutrição infantil dobrando e 90% das clínicas de saúde com previsão de fechamento.

Muitas economias são vítimas das armadilhas da dívida de instituições imperialistas como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que retira o financiamento da saúde. Em 2019, os países de renda média-baixa gastaram mais de seu PIB em pagamentos de dívidas (9%) em comparação com gastos com saúde (8,3%). Esses números são muito mais assustadores em países de baixa renda. Entre 2016 e 2019, o pagamento médio da dívida em Serra Leoa constituiu 36% da receita do governo, com metade da dívida do governo com o FMI.

O conselho do Economista-Chefe do Banco Mundial em um artigo do Financial Times de 2020 foi “primeiro lutar na guerra, depois descobrir como pagar por ela” – não sendo um conselho inesperado de um órgão notório por oferecer empréstimos vinculados a medidas brutais de austeridade e privatização.

Além do subfinanciamento crônico e do imenso fardo da dívida, as economias mais pobres são vítimas agudas das crises econômicas inerentes ao sistema capitalista. Em 2014, no Brasil, uma contração da economia levou 2,9 milhões de pessoas a perderem planos de saúde privados. Isso exacerbou as disparidades nos resultados da saúde e coincidiu com o ressurgimento de doenças infecciosas como sífilis, malária e dengue.

A pandemia mostrou como as economias sobrecarregadas com dívidas e com sistemas de saúde subfinanciados não estavam preparados; a iminente recessão global provavelmente agravará ainda mais a crise do sistema de saúde, com os cortes no sistema de saúde prejudicando principalmente os membros mais pobres e vulneráveis da sociedade.

A grande disparidade entre os gastos com saúde em nações mais ricas e mais pobres é um problema que existia bem antes da pandemia. Os países de alta renda, representando 15% da população, gastaram 80% dos gastos globais com saúde. Os EUA sozinhos responderam por 44% dos gastos.

Essa desigualdade levou ao fenômeno de “fuga de cérebros”, em que os profissionais de saúde migram para países mais ricos em busca de melhores salários e condições. Em um exemplo surpreendente, a morte de um único neurocirurgião em Uganda significou uma redução de 25% no número de neurocirurgiões para uma população de 44 milhões. O prejuízo econômico geral para os países equivale a bilhões de dólares.

Enquanto isso, todo o continente africano, compreendendo 16% da população global e 23% da carga global de saúde, representou apenas 1% dos gastos globais com saúde em 2015. Desse 1%, 35% estavam “fora do bolso”, ou seja, provinham dos parcos salários dos trabalhadores.

Soluções?

Diante desse colapso global iminente, qual é a solução oferecida pelos estrategistas do capital?

Em seu relatório Global Health Care Outlook de 2022, a empresa de consultoria Deloitte encorajou os líderes de saúde a “reimaginar e transformar o sistema de saúde pública em dificuldades e limitado em sistemas centrados no ser humano, inclusivos e resilientes a choques futuros”.

Infelizmente, esta crise de saúde exige mais do que uma reimaginação, e certamente não quaisquer ideias da mesma classe capitalista que passou as últimas décadas propositadamente subfinanciando o sistema de saúde.

Na província canadense de Ontário, o primeiro-ministro Doug Ford respondeu ao crescente ônus da saúde com pesadas privatizações, visando 50% das cirurgias eletivas. Apesar dos protestos do Colégio de Médicos e Cirurgiões de Ontário, destacando que tal medida “sobrecarregará ainda mais nossos recursos humanos de saúde e aumentará ainda mais o tempo de espera para atendimento hospitalar mais urgente”, esses planos devem seguir em frente.

Os profissionais de saúde já estão tomando medidas com as próprias mãos, com uma onda de greves em escala internacional.

Em Madri, cinco mil médicos de família e pediatras estão em greve contra as privatizações, os cortes salariais reais e o excesso de trabalho. Na Grã-Bretanha, o Royal College of Nursing teve sua primeira votação histórica para greve. Eles se juntaram em piquetes a funcionários de ambulâncias e outros profissionais de saúde, com médicos juniores também votando pela greve.

O governo conservador passou a declarar guerra às mesmas enfermeiras que celebrara como heroínas apenas alguns anos atrás. O Partido Trabalhista dominado por Blair, por sua vez, lançou ataques contra enfermeiras e médicos por defenderem o serviço de saúde.

O secretário de saúde sombra, Wes Streeting, cuspiu bile contra o sindicato dos médicos BMA, enquanto o líder Keir Starmer afirmava sem rodeios que o trabalhismo realizaria a austeridade no poder e contaria com provisão privada para “reduzir o tempo de espera”. Entre as sugestões úteis de Starmer para “aliviar a pressão” no NHS estava a ideia de que os pacientes poderiam evitar uma triagem profissional testando em casa para sangramentos internos!

Tudo isso preparará novas e poderosas lutas no caso de um futuro governo trabalhista de direita.

Na Índia, os trabalhadores do Anganwadi (centro de cuidados infantis) viram greve por tempo indeterminado no ano passado contra condições de trabalho insuportáveis e baixos salários de seus membros. No Zimbábue, o governo recorreu à proibição de greves de saúde em resposta à luta prolongada com médicos e enfermeiras, que estão em greve por aumentos salariais que combatam a inflação.

Essas ações representam uma crescente consciência de classe entre os trabalhadores da saúde, um reconhecimento de que a prestação de cuidados de saúde não está isenta da crise do capitalismo.

No entanto, greves por si só não podem resolver o subfinanciamento e o planejamento caótico da saúde globalmente. Em última análise, você não pode planejar o que não controla, não pode controlar o que não possui.

Todos os recursos de saúde, de hospitais privados à indústria farmacêutica, precisam ser nacionalizados sem compensação. Os serviços de saúde devem ser executados sob o controle democrático dos trabalhadores, os que têm o conhecimento mais especializado das necessidades de saúde da população.

Décadas de subfinanciamento podem ser revertidas pela expropriação dos bancos e monopólios, incluindo os parasitas do setor privado que se aproveitam da vulnerabilidade de pacientes doentes e moribundos.

Os recursos podem ser alocados de forma democrática e racional de acordo com a necessidade. Os sindicatos devem liderar campanhas de treinamento e recrutamento em massa, visando principalmente os setores dos países mais pobres, onde há necessidade urgente de pessoal especializado.

A saúde e a vida dos pacientes estão sendo mantidas como reféns por um sistema capitalista assolado por crises e contradições. Somente uma revolução socialista global, colocando as alavancas da economia nas mãos dos trabalhadores, pode resolver esta pandemia de ineficiência e austeridade.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.