Venezuela: relato de 19 de abril – Posse de Maduro e feriado da independência

No dia de ontem, deixamos de publicar, por motivos técnicos, o artido do camarada Alexandre Mandl que está na Venezuela acompanhando o desenrolar da situação da luta de classes naquele país desde antes das eleições. Segue o relato do dia 19, dia da posse de Maduro.

No dia de ontem, deixamos de publicar, por motivos técnicos, o artido do camarada Alexandre Mandl que está na Venezuela acompanhando o desenrolar da situação da luta de classes naquele país desde antes das eleições. Segue o relato do dia 19, dia da posse de Maduro.

Hoje (dia 19 de abril) foi a posse de Maduro na Assembleia Nacional. Foi um dia de grande festa nas ruas de Caracas. Desde cedo, era impressionante o movimentos nos trens, metrôs e estações de ônibus, com chavistas vindo de todo o país para o ato solene, de juramento do presidente eleito.

Junto com isso, hoje é feriado, comemoração da Independência, liderada por Simón Bolívar e Francisco de Miranda, em 1810, há 203 anos… e que, diferente do Brasil, aqui há grande significado para o venezuelano, especial depois de Chávez, trazendo a partir dos líderes da independência um legado de emancipação, soberania e anti-imperialismo.

Politicamente, recomendo a leitura da ótima nota política semanal da Esquerda Marxista, que sintetiza a análise que temos feito – https://www.marxismo.org.br/?q=content/venezuela-apos-vitoria-eleitoral-aprofundar-revolucao

O clima antes de começar a cerimônia era de festa, com muita gente chegando. Estou hospedado na casa de um casal de amigos que moram em Charavalle, que fica 30km do centro de Caracas. Pego um trem, dois metrôs e estou no centro em 1 hora mais ou menos. Durante todo o percurso já estavam todos de vermelho, cantando músicas chavistas e com palavras de ordem.

Lá chegando, a euforia era ainda maior, ao ver a quantidade de gente chegando. Há mais de 10 quarteirões e todo o centro de Caracas está fechado, por conta da concentração. Bandeiras vermelhas, referências à Chávez e Bolívar… o Gigante e o Libertador, como dizem…

As capas de todos os jornais e o assunto de alguns chavistas era sobre a decisão do Conselho Nacional Eleitoral em acatar um dos quatorze pedidos de Capriles. Acatou-se o pedido de fazer a auditoria completa dos votos. Entendo que isso foi uma concessão diante da pressão de Capriles, e um erro, considerando que essa pressão foi violenta, com 8 mortos, mais de 60 feridos e todo um clima de destruição criado.

O CNE é um órgão independente, mas, claro, sem ingenuidade, sabemos que o chavismo exerce, no mínimo, bastante influência. Se isso foi um acordo com a direita, ou mesmo acatado por Maduro, com o argumento de provar completamente a lisura do processo, veremos mais adiante. Mas interessante que isso é exatamente o que nos EUA, na eleição de Bush contra Al Gore, não se fez. Já se havia auditado 54% das urnas (isso é muito maior do que qualquer prática estatística…), e a presidente do CNE acatou auditar os outros 46%. Fundamentou dizendo que não haveria problemas, e que seria importante para quebrar o argumento dos golpistas – http://www.aporrea.org/poderpopular/n227242.html

Logo que os camaradas da seção Venezuela da Corrente Marxista Internacional – www.luchadeclases.org.br , instalamos uma banca para venda de materiais (jornais e revistas), sendo um ponto de apoio e referência para discussão política. Impressionante como se vende jornal – em menos de 4 horas, vendemos 240 jornais, sendo que eu, sozinho, vendi mais de 50. As pessoas buscam e perguntam nossa opinião, se interessam, querem ler… teve um episódio que me chamou muito a atenção. Um senhor muito simples, morador de rua ou mendigo, me para e pergunta o que era que estava ali, vendendo… ele tinha acabado de ouvir eu explicar o que era o jornal luta de classes e sobre nossa posição quanto à necessidade de aprofundar a revolução, falando que era da Corrente Marxista Internacional, etc. Então, esse senhor tira de seu bolso 4 bolívares e pede um jornal… e me diz, eu não sei ler, mas pedirei para alguém ler para mim, mas o que você está dizendo eu concordo plenamente! Um senhor que talvez não teria o que comer, escutou a conversa, e, mesmo não sabendo ler, quis comprar o jornal! Isso mostra como é a dinâmica num processo revolucionário…

Ao vender os jornais, aproveitávamos para conversar com os chavistas, apresentando nossas posições, etc., e as pessoas falavam que precisa avançar na revolução, que precisa tirar a burocracia, que darão a vida contra os golpistas, etc. Alguns percebiam que eu não era venezuelano, e, conversando, saudavam nosso apoio internacionalista e que contam com a unidade latino-americana contra o imperialismo. Falava da campanha “Manos Fuera da Venezuela” e teve um jovem que disse que já tinha lido o Alan Woods… (secretário-geral da CMI e grande impulsionador da campanha em todo o mundo).

Junto com isso, discutia a situação das fábricas ocupadas e o controle operário, apresentando que era da Flaskô, que estávamos na luta pela estatização, etc., e sempre perguntavam de Dilma e Lula, e acabávamos por mostrar como a realidade é bem mais complexa do que eles aparecem como simples apoiadores de um processo progressista.

Interessante foi encontrar duas brasileiras – Núbia e Rosa – que militam com os indígenas no Brasil, na região de Altamira, lutando contra a hidrelétrica de Belo Monte. Elas estavam com um cartaz dizendo “Dilma, não queremos Belo Monte”. Assim como Dilma, estavam presentes Evo Morales, Mujica, Cristina Kirchner, Humala, Daniel Ortega, Raúl Castro, e muitos outros.

Depois, no discurso, foi interessante que Maduro saudou o “presidente em exercício Lobo, de Honduras”, mas fez uma saudação especial ao Manuel Zelaya, referindo-se como o “presidente eleito”.

Havia muitas referências à responsabilidade criminal ao Capriles e ao Leopoldo Lopez (ex-prefeito de Chacao, município independente de Caracas, sempre cotado como possível candidato opositor), que está afastado por corrupção, e que, junto com Capriles, provocaram as mortes realizadas, com afirmações para descontarem suas raivas nas ruas e para promoverem morte ao chavismo. Isso ainda deverá ter consequências, pois o povo está indignado, não quer impunidade, sendo que já foram feitas denúncias formais e havia cartazes e faixas especificamente sobre isso. Vejam as fotos no álbum do facebook.

O clima era de festa, com muita gente dançando e cantando, em especial as famosas músicas do grande ídolo musical venezuelano – Ali Primera. Foi emocionante seu filho, Rafael, cantando suas músicas e saudando o processo revolucionário.

Quando começou a atividade solene, a emoção tomou conta de todos, primeiro com Maduro entrando, cumprimento todos, visivelmente muito feliz e entusiasmado, tocou tambores, brincou com crianças, etc. Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, deu início a atividade, sendo muito aplaudido por todos. Fez um discurso relacionando a posse de Maduro, com a morte de Chávez e dos 203 anos da independência.

Logo após as palavras iniciais de Diosdado, começou o juramento, que foi emocionante. Chorei com a vibração do povo, fazendo o juramento junto com Maduro, repetindo o que ele dizia, repetindo o que Diosdado anunciava. O juramento passou pela defesa da Constituição Bolivariana, pelos ideais de Simon Bolívar, mas também do legado do comandante Chávez, e dando continuidade ao processo revolucionário do socialismo “bolivariano”. Todos repetiam com vibração, com punhos esquerdos erguidos. Depois  veio o hino nacional, e todos cantaram com muita força e alegria.

Terminado isso, Maduro iniciou seu discurso.

Todas as vezes que mencionava Chávez, o povo explodia… com lágrimas nos olhos, gritando o amor ao “Gigante” como se referem.

Logo início, no entanto, um grande susto. Uma pessoa consegue driblar a segurança, e era algo impressionante, e vai em direção ao Maduro, e pega o microfone. Foi muito rápido, nem 5 segundos, até ser agarrado. Vejam o ocorrido –http://www.aporrea.org/actualidad/n227284.html

Maduro ficou, obviamente, assustado. Mas vendo que se tratava, a princípio, de uma chavista, primeiro disse que a segurança teria falhado e isso não poderia acontecer. A preocupação não é com sua vida pessoal, que disse estar à serviço da pátria, mas com as consequências políticas de um eventual assassinato. Seria uma tragédia que provocaria uma verdadeira guerra na Venezuela, pois viria com a impressão de que foram os golpistas conservadores. Esclarecido isso, Maduro disse que o homem deveria estar com muitas angústias, ao ponto de fazer isso, e que gostaria de depois conversar com ele para saber do que se tratava.

Maduro fez uma boa recuperação histórica, desde a independência até o caracazo, para depois defender cada passo dado por Chávez, trazendo os avanços do processo revolucionário. Mostrou como o golpe de 2002 alertou a necessidade de combater o imperialismo, pois este continua atunado contra a Venezuela, sustentando novamente o golpismo contra a democracia e o povo venezuelano.

Entrando no período histórico mais próximo, falou dos últimos dias do Chávez, de suas propostas para seguir adiante. Sob a explosão de emoção das ruas, salientou que o legado do “Gigante” é o que nos faz avançar nas lutas. Tratando de sua campanha em si, mostrou como em praticamente 10 dias recorreu todo o país, ouvindo o povo venezuelano, tendo, por outro lado, um adversário golpista, que lhe atacou pessoalmente, que usou todo o preconceito da burguesia contra ele. Seja por ser um trabalhador, ex-motorista de ônibus, sindicalista, e que “pior”, é filho de colombiana. Maduro fez questão de mostrar como foi uma campanha de claro corte social, que posições racistas da burguesia diziam que a Venezuela não pode continuar nas mãos dos “sem-dente”, pobres e ignorantes, e salientou que se não houver o reconhecimento de sua eleição, não poderá reconhecer Capriles como governador.

Entrando no conteúdo político e econômico, Maduro centrou-se em alguns pontos: como desenvolver um projeto produtivo para desenvolver as forças produtivas, convidando os empresários que quiserem trabalhar, mas, essencialmente que, como um presidente operário, quer ouvir os operários porque são eles que produzem a riqueza e que devem ser os protagonistas nesse processo. Afirmou que quer aprofundar as relações com os empresários do Brasil, da Argentina, para garantir investimentos no país.

Salientou que na próxima segunda-feira declarará o setor energético como de utilidade pública, nacionalizando as empresas, evitando a sabotagem do país, bem como não permitirá que faltem alimentos à população por causa do crime da burguesia, negando comida ao povo que mais precisa.

Informou que aplicará o plano contra a corrupção no Estado, combatendo a burocracia e o “mal feito”, exigindo a eficiência administrativa dado que a ineficiência é muito, e justamente, criticada na Venezuela.

Informou também que a segurança será um objetivo para a melhoria da vida da população que indica ser isso o maior problema da Venezuela. Por um lado, qualificando a polícia, garantindo a relação com a comunidade, com saúde, educação, lazer, esporte, cultura, para evitar que a juventude busque nos crimes a saída contra as dificuldades que vivem. Por outro, não permitindo a impunidade, começando pela condenação dos que assassinaram os “oito heróis” que morreram por defender a revolução venezuelana.

Seguiu dizendo que irá aprofundar as missões educativas, de saúde, de geração de renda, etc. Quanto à saúde, fez uma ressalta especial à Cuba, anunciando que Venezuela deverá ter mais 60 mil médicos venezuelanos até 2019, ampliando o trabalho dos médicos nos bairros.

Encerrado o ato na Assembleia, com ânimo de festa, com jovens músicos cantando em homenagem à Chávez, Maduro segue para Los Próceres onde houve o desfile militar e as comemorações dos 203 anos da independência.

Vejam mais sobre o dia de hoje e o discurso de Maduro em:

http://www.aporrea.org/actualidad/n227250.html

http://www.aporrea.org/actualidad/n227290.html