Tipificação do terrorismo: para que(m)?

Na noite do último dia 28 de outubro de 2015, o Senado aprovou o PL 101/2015, que tipifica o crime de terrorismo. Trata-se de um grave ataque contra os direitos democráticos de liberdade de manifestação, reproduzindo um novo patamar de criminalização dos movimentos sociais.

Senado aprova projeto de lei que tipifica crime de terrorismo. O que está em jogo?

Na noite do último dia 28 de outubro de 2015, o Senado aprovou o PL 101/2015, que tipifica o crime de terrorismo. Trata-se de um grave ataque contra os direitos democráticos de liberdade de manifestação, reproduzindo um novo patamar de criminalização dos movimentos sociais. Não se pode ter dúvidas de que este é o objetivo central. Diante de uma nova situação política, emergente a partir da crise do capitalismo, a burguesia sente necessidade de obter novos instrumentos de repressão às lutas políticas, aos trabalhadores e jovens que questionem este modelo de sociedade e combatam pelos direitos sociais historicamente conquistados.

Já havíamos alertado anteriormente sobre a gravidade de tal passo em várias oportunidades:

https://www.marxismo.org.br/content/dilma-prepara-o-terror-contra-os-movimentos-sociais ;

https://www.marxismo.org.br/content/o-estado-totalitario-avanca-com-criminalizacao-dos-movimentos-sociais-e-preciso-barrar-isso ;

https://www.marxismo.org.br/blog/2012/09/17/juiz-diz-que-movimentos-sociais-sao-terroristas ;

https://www.marxismo.org.br/content/teoria-do-dominio-dos-fatos-contra-o-mst

Agora, o projeto volta à Câmara, para posterior sanção presidencial. Dilma vetará? Não é o que deve ocorrer, tendo em vista que a iniciativa deste projeto é do próprio Poder Executivo Federal, enviado em caráter de urgência (!), e que Delcídio do Amaral, Senador pelo PT/MS, líder de governo no Senado, afirmou, categoricamente, na votação do dia 28/10/2015, que esta é a posição oficial do governo federal.

Nesse sentido, se é verdade que o Projeto piorou com o parecer do relator Aloysio Nunes, do PSDB/SP, como veremos abaixo, é verdade também que o projeto, desde seu início, possui uma perspectiva de repressão aos lutadores sociais, e que a iniciativa foi, literalmente, do governo federal.

Assim, o combate contra este projeto de lei é imprescindível para todos aqueles que não estão satisfeitos com o “status quo” da sociedade, pois, ao se combater esta sociedade, estaremos atuando, em menor ou maior grau, com práticas “terroristas”, seguindo a lógica desse PL. Vejamos.

Qual a justificativa “oficial”? E, afinal, qual é a real?

O argumento oficial apresentado pelo governo federal, constante na “exposição de motivos” do projeto enviado à Câmara, é um insulto à inteligência dos cidadãos, como destacou Marcio Sotelo Felippe:

“Não é verdade que se trata de adequar nosso ordenamento aos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Também não se pode realizar tal procedimento de tipificação, “respeitando nossa Constituição Federal e os direitos e garantias de todos os brasileiros e estrangeiros”, considerando que, evidentemente, o que se pretende é rasgar o direito de manifestação, garantidos constitucionalmente depois de muito sangue e suor, após o período da ditadura civil-militar”. http://justificando.com/2015/08/08/dilma-a-tragedia-e-a-farsa

Além disso, pronunciamentos de Ministros afirmaram que a aprovação de tal projeto é uma necessidade quanto ao reconhecimento da credibilidade do Estado Brasileiro. O Brasil precisaria atender a uma exigência do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), que impõe sanções aos países que não atenderam tal “obrigação”, podendo afetar o “grau de investimento” aos países que não possuam legislação de combate ao terrorismo. Isso teria sido um compromisso de Joaquim Levy, ao assumir, mas, mesmo antes, um compromisso para garantir os eventos esportivos no Brasil, como a Copa e as Olimpíadas. Considerando o aprofundamento da luta de classes, e as contradições de um estado de exceção permanente, a partir das manifestações de junho de 2013 e atos contra a Copa, etc., agora seria “a hora”.

Mas, vejamos bem. Estariam ameaçando o país com sanções econômicas, incluindo-o em uma lista “negra” de países que apresentam risco de investimento. Quem acredita que essa seja a real motivação? Mesmo se fosse, como explica o advogado Patrick Mariano:

“o Brasil já dispõe de legislação suficiente para investigar e punir qualquer ato que ocorra por aqui. Não existe conduta que nosso ordenamento já não preveja punição. Na lista vermelha do GAFI estão Irã e Koreia do Norte e as razões geopolíticas nem preciso falar muito. A Alemanha nunca tipificou. Em 2010 o Brasil já esteve na lista cinza do GAFI e nada aconteceu. Ou seja, em resumo, esse GAFI é o sub do sub do sub e não representa nada. A não ser para burocratas de 5º escalão do Ministério da Fazenda e da Defesa. É um acinte à nossa soberania esse projeto de lei”.

Ou seja, primeiramente deve-se destacar a vergonhosa submissão ao imperialismo internacional, particularmente aos Estados Unidos, que impõem um projeto de lei a um país, com preocupações quanto à “segurança” contra o terrorismo.

Na verdade, escancara-se que as preocupações não são pela “segurança” contra o terrorismo, mas sim pela segurança dos negócios, segurança jurídica dos contratos, segurança da manutenção desta sociedade. A preocupação deles é buscar garantir a estabilidade política e econômica, contra os questionamentos crescentes da classe trabalhadora e da juventude, que, cada vez mais percebem que o que se deve combater é o capitalismo em si. Está é a justificativa real, e ela é muito evidente e objetiva – reprimir as lutas anticapitalistas. Simples assim!

As várias faces da repressão

Neste cenário, é fundamental esclarecer um aspecto importante que muitas vezes não aparece na compreensão do combate à criminalização dos movimentos sociais. A Polícia Militar, por possuir a atribuição de realizar o policiamento ostensivo, é quem exerce diretamente, e das formas mais brutais imagináveis, a repressão às lutas sociais.

Entretanto, devemos salientar que não são “apenas com balas de borracha e bombas de gás que o Estado age de forma antidemocrática contra protestos de rua”. Segundo relatório realizado pela ONG “Artigo 19” (https://2015brasil.protestos.org/), deve-se destacar a ofensiva do Legislativo para restringir a ação dos manifestantes, sendo o PLC 101/105 o mais nocivo para a liberdade de expressão. Os juízes também têm sua parcela de culpa, segundo o relatório:

“O poder Judiciário chancelou a postura criminalizadora dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao direito de protesto, optando pela via da condenação criminal de manifestantes”.

O Ministério Público também é acusado no documento por ter encaminhado “diversos inquéritos repletos de inconsistências e ilegalidades, sem provas efetivas”. Um exemplo claro desta prática foi o caso do estudante Fábio Hideki Hirano, detido em junho de 2014 durante ato na Avenida Paulista, e acusado de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de coquetel molotov. Ele ficou 45 dias preso até que um laudo pericial comprovou que ele não tinha explosivo algum: teria sido detido apenas por estar de capacete no meio do protesto.

Assim, conclui Camila Marques, coordenadora do centro de referência legal da ONG “Artigo 19”, é fundamental que se analise:

“não somente as violações que aconteciam na rua, mas também a maneira como o Estado como um todo agiu no sentido de criminalizar os manifestantes”.

Portanto, ao se discutir a tipificação do crime de terrorismo, não se pode ter dúvidas de que o combate deve ser centrado sob conflitos antagônicos de classe e como o Estado, à serviço de uma classe, impõe suas necessidades para manter suas condições de reprodução das relações sociais vigentes, controlando o Judiciário e os meios de comunicação, além do Executivo e o Legislativo. Neste caso, ao tratarmos deste PL, o conluio é impressionante, e conta com o papel nefasto do governo federal, a quem coube a iniciativa e as articulações para sua aprovação. O Legislativo, neste caso, cumpre, com a mesma agressividade das polícias militares, seu papel repressor e violento, escancarando os motivos de seus votos, suas proposições, onde reina a hipocrisia.

A “diferença” entre o projeto aprovado na Câmara e o aprovado no Senado

É verdade que uma grande polêmica sobre a proposta foi em relação à caracterização de terrorismo aos movimentos sociais ou não.

Na Câmara, a partir do projeto enviado pelo governo federal, inclui-se um parágrafo que exclui da aplicação da lei “manifestações políticas e movimentos sociais ou reivindicatórios”.

Assim, nos termos do proposto inicialmente no PLC 101/2015, estariam excluídas do tipo penal do terrorismo as “pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

Pergunto: Há alguma ilusão que, por ter o parágrafo desta lei, os movimentos sociais estariam excluídos de serem enquadrados como terroristas? Respondemos taxativamente que não!

Dizem os defensores do projeto que ele excetua manifestações políticas, movimentos sociais ou sindicais que visem defender direitos e liberdades constitucionais. É mesmo, não me diga. Então podemos ficar tranquilos. Basta não lembrarmos que um morador de rua, preso nas imediações de uma manifestação portando um vasilhame de Pinho Sol, foi condenado em sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a cinco anos de prisão por porte de aparato explosivo. Os exemplos são incontáveis.

Sabemos o enorme efeito inibidor em relação às reivindicações e manifestações de movimentos sociais que a aprovação de tal projeto pode trazer. As liberdades públicas e os direitos fundamentais serão claramente violados, mas de uma forma ainda mais perversa. Em vez de uma norma que diga “ficam proibidas as manifestações e atos políticos”, como classicamente ocorre em regimes fascistas ou autoritários, neste momento, por necessidade de manter a aparência de “Estado de Direito”, a ação repressiva do Estado vem camuflada: “não ficam proibidas as manifestações e atos políticos”, depende do que você for reivindicar e como irá se manifestar. O Estado agora arma ciladas.

Não tenhamos dúvidas! Se aprovado o PL, teremos aprovada a porta aberta para associar movimentos sociais, reivindicações populares, política e ideologia com “terror” segundo o critério de qualquer pequena autoridade. Com ou sem o tal parágrafo. Não temos ilusão!

No último mês de agosto já tínhamos escrito:

“Alguma dúvida de que a burguesia estará rotulando toda ocupação de prédio público, toda ocupação de terra, de fábrica, de universidade etc. como terrorismo, usando a repressão policial e os grandes meios de comunicação, dizendo que não estava “dentro dos objetivos e meios compatíveis e adequados com sua finalidade”?

Até que se prove o contrário, já sabemos que estaremos presos e nossos rostos estarão nos principais jornais, buscando, com o rótulo de terroristas, deslegitimar a luta social e intimidar a organização contra o capital.

Os movimentos sociais atuam sempre reivindicando direitos, exigindo o cumprimento dos fundamentos da ordem constitucional. Muitas vezes atuam para barrar uma lei ou um ato que restringe ou ataca um direito. E também luta para que novas leis e direito sejam garantidos. Ou seja, é problemático o pressuposto da exclusão proposta que diz que será crime de terrorismo se os movimentos reivindicatórios atuarem “contra a ordem constitucional ou forçar autoridades públicas a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe”.

Na prática como isso ocorrerá? Alguém tem a ilusão de que a burguesia vai legitimar a ação dos movimentos sociais, ocupando uma fazenda, um terreno, uma fábrica, uma ferrovia, um porto etc.? A burguesia, usando do eufemismo de que o Estado é neutro e está buscando o bem comum, vai agir, reprimindo pesadamente, ou mesmo, de forma perversa, deslegitimará “democraticamente”, dizendo que “a demanda até é justa, mas houve “excesso”, o método não é correto etc.”.

Ou seja, nossa posição é bastante clara: somos contrários a qualquer projeto de tipificação de terrorismo. O projeto aprovado na Câmara, de iniciativa do governo federal, apesar do parágrafo que exclui a caracterização dos movimentos sociais como terroristas, tendo em vista que, na prática, sabemos que tal “exclusão” não ocorrerá! “O buraco é mais embaixo”, diz o jargão popular. Tem razão. A centralidade está na raiz dos problemas. A experiência da luta de classes, dos combates da classe trabalhadora e da juventude nos ensinam isso, ainda mais na atual situação política criada a partir das manifestações de junho de 2013 e o aprofundamento da crise do capitalismo.

No Senado, a coisa ficou mais escancarada…

De qualquer maneira, se nosso combate já era árduo, com o substitutivo realizado no Senado, a situação é ainda mais escancarada. O relator Aloysio Nunes, do PSDB/SP, construiu uma articulação com vários outros partidos e com o governo federal para tornar o que já era horrível ficar ainda pior.

Depois de fazer alguns cálculos matemáticos sobre aprovação ou não, e também depois de ser muito pressionado por suas bases, o PT, enquanto partido, orientou pela votação contrária ao projeto. Alguns, como Lindberg Farias (RJ), combateram, não contra o projeto em si, mas contra a extinção do parágrafo que “protegeria” os movimentos sociais. No entanto, vários Senadores petistas votaram favoravelmente ao projeto, defendendo abertamente a posição do governo, e saudando, inclusive, o projeto de Aloysio Nunes, como o líder do governo, o Senador petista Delcídio Amaral.

As emendas aprovadas no substitutivo reforçam ainda mais a lógica repressiva, com aumento (desproporcional!) de penas, inclusive. Entretanto, o mais significativo é justamente atacar ainda mais diretamente os movimentos sociais. Vejamos:

Aloysio Nunes justificou a retirada do parágrafo que eximia os movimentos sociais do crime de terrorismo ao afirmar que, “em um Estado democrático de direito, as manifestações e reivindicações sociais, sejam elas coletivas ou individuais, não têm outra forma de serem realizadas senão de maneira pacífica e civilizada”.

Ou seja, meia palavra basta. Todas as manifestações questionadoras da ordem social vigente serão taxadas de práticas terroristas.

No mesmo sentido, o senador ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) ressaltou que “o projeto de Aloysio Nunes soube muito bem dividir o que é uma manifestação pública ordeira e do Estado democrático de direito e o que é uma manifestação da baderna, do movimento de destruir imóveis públicos e do poder praticar um “terrorismo bolivariano no país””. (http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/10/senado-aprova-texto-principal-de-lei-antiterrorismo-sem-protecao-a-manifestante-4889473.html)

Ah é, me fale mais sobre isso… Terrorismo bolivariano? Destruição de imóveis públicos? O que ele diria sobre a destruição histórica do patrimônio público, especialmente os rurais, que ele conhece de perto?

O líder do PSDB, senador Cássio Cunha Lima (PB),  afirmou que “o impasse no debate do projeto antecipa um desejo anunciado de forma subliminar pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva  e pela presidenta Dilma Rousseff de fazer uma legislação que tolere reações de rua que possam dar o mínimo de sustentação para o governo, como por exemplo, as que pedem o impeachment de Dilma”.

Cunha Lima considerou “muito grave” o fato de, segundo ele, o governo tentar usar movimentos sociais que são financiados e mantidos por ele próprio para intimidar a sociedade. “Não podemos fazer o papel dos inocentes úteis, achando que simplesmente haverá uma flexibilização do que se intitula como terrorismo para dar a este governo a única válvula escapatória que eles possam ter, que é uma conflagração do Brasil”, afirmou. http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/10/senado-tenta-acordo-para-votar-proposta-que-tipifica-crime-de-terrorismo

Como é que é? Vai aprovar o projeto pois, caso tenha impeachment, não pode ter resistência nas ruas?

Qual é mesmo a preocupação oficial? Organizações terroristas internacionais? A máscara cai com uma brutalidade tão violenta que poderia ser chamada, esta sim, de um atentado terrorista!

Um segundo aspecto que merece nossa atenção recai quanto aos perigos da definição de terrorismo e do que passa a ser considerado como uma prática de terror. Vejamos:

Art. 2º Comete ato de terrorismo contra pessoa aquele que, isoladamente ou em concurso de agentes, pratica violência premeditada e provoca terror generalizado por  extremismo político,  intolerância religiosa ou de preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo.

E pior, ao definir o que é o terror tratado no artigo 2º, o projeto de lei diz:

Art. 5º Para efeitos desta Lei, considera-se:

I – terror generalizado a grave perturbação social provocada por meio de perigo imediato, real ou não, contra número indiscriminado de pessoas;

II – terrorismo por extremismo político o ato que atentar gravemente contra os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito

Provocar terror generalizado é grave perturbação social? “Trata-se de uma definição quase cômica que nem com a maior boa vontade permitiria individualizar com clareza aquelas condutas que deveriam ser tipificadas como terrorismo”, como destacou Vladimir Safatle – http://www.jornaisnoticias.com.br/index.php/58064/o-povo-na-rua-como-terrorismo-30-10-2015-vladimir-safatle-colunistas-folha-de-s-paulo/

Trata-se de uma definição completamente abstrata, permitindo profunda atuação da subjetividade dos representantes do Estado – PM, MP, Judiciário, além da óbvia atuação dos grandes meios de comunicação.

A definição de perturbação social nos remeterá a profunda discussão de impedir as mobilizações, na mesma lógica de criminalização das greves e das lutas sociais, do trancamento de vias públicas, ocupações e diferentes formas de expressões de atos públicos.

O item II é ainda mais perigoso e absurdo, pois se refere a “atentar contra princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito”. Os exemplos que foram dados na tribuna do Senado são “de chorar”. Apresentam casos concretos, como barricadas, ocupações de prédios públicos, manifestações em vias públicas. Enfim, o tal “causar pânico” e mesmo o “transtorno” ao cidadão de bem. Seria cômico se não fosse trágico. Mas a tragédia apenas reforça o desespero em que se encontram para tentar manter esta ordem social vigente.

De toda maneira, não se tem dúvida da barbárie está instalada, com a falência deste modelo de sociedade, com um verdadeiro terrorismo de Estado feito pelos capitalistas, ou não é terrorismo, atentando-se contra o Estado Democrático de Direito, destinar 45% do orçamento para o pagamento de uma dívida ilegítima e ilegal? Ou ter propriedades improdutivas? Ou sucatear a educação e a saúde pública? Não é terrorismo deste Estado, tratar de forma tão desumana, ferindo a dignidade humana e os princípios mais básicos, positivados na Constituição como objetivos e fins da República Federativa do Brasil? Afinal, quem são os terroristas?

Resistência contra a aprovação do PLC 101/2015

Várias entidades, organizações e movimentos, dentre elas a Esquerda Marxista, subscreveram uma carta pública, na qual reivindicavam “ao Senado Federal a rejeição do projeto de lei (PLC 101/2015) que objetiva criar o crime de terrorismo, assim como do texto substitutivo introduzido pelo relatório do Senador Aloysio Nunes, a fim de evitar enorme retrocesso político-criminal e grave ameaça às liberdades democráticas”.

Veja a carta abaixo ou no seguinte link: http://artigo19.org/blog/carta-aberta-contra-o-pl-antiterrorismo/. Na carta, explicamos que:

“Acreditamos que delegar às autoridades do sistema de justiça criminal a interpretação e determinação do que constitui extremismo político é instituir censura sobre ideais e posicionamentos dissidentes, é violar a Constituição Federal, que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político, a liberdade de expressão e manifestação e protege o direito à convicção política como direito fundamental e inviolável pressuposto da república .

A aprovação do PLC 101/2015, na forma de qualquer dos textos em disputa, pela ambiguidade e vagueza em sua formulação e pela severidade das penas cominadas, tem o potencial de agravar de modo dramático o quadro de restrição a direitos fundamentais e de censura à expressão ideológica e política em que o Brasil já vem incorrendo. Num país internacionalmente comprometido a não molestar ninguém por suas opiniões (Artigo 19, 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e a garantir a todos o direito e a possibilidade de participar da condução dos assuntos públicos (Artigo 25 do PIDCP), vê-se a intensificação do processo de criminalização de movimentos sociais, com o uso arbitrário dos tipos penais já existentes contra manifestantes e ativistas: associação criminosa, milícia privada, incêndio, explosão, dano qualificado, desacato, resistência e desobediência são apenas alguns exemplos de instrumentos do arsenal punitivo empregado na repressão de demandas populares”.

Iniciativas como esta, a busca pela unidade como a que se expressa através da construção da Frente Povo Sem Medo, compõem táticas importantes em direção à unidade contra os ataques e pelas reivindicações. Este deverá ser o tom das ações no próximo período. A Esquerda Marxista compõe esta perspectiva, contribuindo para a resistência contra a ameaça a quaisquer direitos sociais conquistados historicamente. Neste caso, ainda mais – trata-se pelo direito de lutar, que não somente não é crime, como não é terrorismo.

Estado na ordem capitalista

Diante do que estamos discorrendo, o que desejamos destacar deste brutal ataque às lutas da classe trabalhadora e da juventude é o caráter do Estado. Em tempos de crise do capitalismo, do modelo desta sociedade, as contradições ficam ainda mais claras, expondo a real finalidade do Estado, retirando o véu do “democrático”, “de direito”, “social”, etc. O Estado perde seu adjetivo. Nua e cruamente, expressa-se, com as mais variadas formas – e complexas, é verdade, mas tão somente formas, tendo sempre um mesmo conteúdo. A clareza do caráter do Estado é fundamental para os que se propõem a transformar a sociedade. Vamos aos clássicos, pois são mais atuais do que nunca:

O Estado não é de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. (…) É um produto da sociedade numa certa fase de seu desenvolvimento. É a confissão de que esta sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que as classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entredevorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’”. (Engels. A origem da família, da propriedade privada e do Estado)

Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classe, no próprio conflito destas classes, resulta, em princípio que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, graças a ele, se torna politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada”. (Engels. A origem da família, da propriedade privada e do Estado)

Assim, como marxistas, entendemos claramente que a finalidade do Estado na sociedade capitalista é garantir a propriedade privada dos meios de produção, organizar a subordinação e controle hierárquico da força de trabalho pelo capital, e manter a exploração da classe trabalhadora.

Para cumprir tais finalidades, utiliza-se de seus instrumentos repressivos. O Estado representa os interesses de uma classe específica, e o principal meio de expressão da defesa desse interesse é o poder coercitivo institucionalizado.

Lênin, no clássico “Estado e Revolução” explica:

“Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma “ordem” que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes”.

E segue:

O proletariado tem a necessidade do poder de Estado, de uma organização centralizada da força, de uma organização da violência, tanto para reprimir a resistência dos exploradores como para dirigir a grande massa da população

O Estado tem lado! O Estado está a serviço de uma classe!

Conclusões

O que se verifica, portanto, é que diante de uma nova situação política, novos instrumentos de repressão precisam ser criados. Quando se pode constatar claramente que “os de cima não conseguem mais governar como antes e os debaixo não querem mais viver como antes”, a burguesia se organiza e reage, aprimorando seus aparatos do Estado para manutenção da ordem social. A luta é de classes, e eles sabem muito disso. Atuam com rapidez e com a “cara de pau” que se fizer necessária.

Entretanto, o sentimento das ruas é “mudar tudo que aí está”. Por isso, é evidente que as lutas nesta conjuntura, como descritas desde o Manifesto Comunista, levam a uma perspectiva de abolição da ordem existente. O objetivo da luta pela democracia para os marxistas só tem sentido se significa avançar na luta pela revolução social. E por isso, além de nos rotular de revolucionários, comunistas, socialistas, como se isso fosse algo vergonhoso; além de nos reprimir e criminalizar. Agora, para intensificar suas ações, precisam de um novo “adjetivo” – terroristas!