Ted Grant – O Revolucionário Permanente (Capítulo 2: Novos Horizontes)

Este é o segundo capítulo da biografia de Ted Grant, escrita por seu amigo e colaborador por mais de 50 anos, Alan Woods. Descreve os primeiros contatos de Ted Grant com o movimento revolucionário na Europa. Esta publicação tem por objetivo que os militantes brasileiros conheçam esta figura notável que não se dobrou às pressões dos aparelhos stalinistas e socialdemocratas ou às seitas autoproclamadas e manteve no alto a bandeira do genuíno marxismo.

Este é o segundo capítulo da biografia de Ted Grant, escrita por seu amigo e colaborador por mais de 50 anos, Alan Woods. Descreve os primeiros contatos de Ted Grant com o movimento revolucionário na Europa. Esta publicação tem por objetivo que os militantes brasileiros conheçam esta figura notável que não se dobrou às pressões dos aparelhos stalinistas e socialdemocratas ou às seitas autoproclamadas e manteve no alto a bandeira do genuíno marxismo.

 

Se escolhemos uma posição na vida em que podemos acima de tudo trabalhar pela humanidade, nenhuma dificuldade pode nos dobrar, porque são sacrifícios em benefício de todos; então, não experimentaremos nenhuma pequena, limitada e mesquinha alegria, mas nossa felicidade pertencerá a milhões de pessoas, nossas ações vão viver tranquila mas perpetuamente no trabalho, e sobre nossas cinzas serão vertidas as lágrimas quentes de pessoas nobres (Marx, Carta a seu pai, 1837).

 

Com Leon Sedov em Paris

Thomas Paine certa vez escreveu: “O mundo é o meu país, todos os seres humanos são meus irmãos e fazer o bem é a minha religião”. Esta mesma visão internacionalista revolucionária ecoa em uma das comoventes canções anarquistas italianas:

Nossa pátria é o mundo inteiro

Nossa lei é a liberdade

E o pensamento rebelde

Está em nosso coração.

Temos de reverenciar o espírito revolucionário dos velhos anarquistas. O mesmo espírito bate nos corações destes jovens camaradas e o mesmo pensamento rebelde se introduziu nas profundezas de suas almas; embora, diferentemente dos anarquistas, eles tenham se guiado pelos princípios científicos do Marxismo. Eles estavam preparados a deixar para trás suas casas, seus amigos e famílias, mães, pais, irmãos e irmãs, e viajaram ao outro extremo do mundo para lutar pela causa do socialismo. E esta decisão foi tomada com o coração leve, sem vacilo, cheio de alegria e sem arrependimentos.

No outono de 1934, Max e Isaac escalaram a prancha de embarque de um navio de passageiros e de carga de propriedade alemã. Em vista da recente ascensão de Hitler ao poder, os camaradas na Cidade do Cabo pensavam ser isto um pouco arriscado naquele momento, mas estes temores não tiveram fundamento. A viagem se mostrou tranquila mas aflitivamente lenta, tomando cerca de seis semanas para alcançar a Europa. Enquanto o navio navegava de forma letárgica ao longo da costa da África Ocidental, o único alívio do tédio eram as ocasionais escalas em numerosos portos onde o navio pegava novas cargas e passageiros.

Houve uma dessas escalas em Lagos que permaneceu na memória de Ted. Eles tinham desembarcado para tomar um café, seguindo os demais passageiros em busca de um local decente. Terminaram em uma pequena cafeteria onde uma muito desagradável surpresa esperava seus colegas sul-africanos brancos. Estes últimos, acostumados com locais “apenas para brancos”, ficaram horrorizados quando negros se sentaram próximos a eles, provavelmente de forma deliberada. Sem poder dizer nada e impotentes em sua raiva, eles ficaram reduzidos a murmurar: “Cafres malditos!”. Mas não podiam fazer nada contra. “Ah, demos algumas boas gargalhadas então!”, relembrava Ted.

Durante a longa jornada marítima, enquanto o navio deixava gradualmente os mares quentes do sul e entrava em águas mais frias e turbulentas, os jovens revolucionários discutiam excitadamente até as primeiras horas da manhã as perspectivas do trabalho revolucionário na Europa. Decidiram que seria recomendável trocar seus nomes, principalmente para evitar quaisquer consequências negativas que suas atividades políticas pudessem causar aos parentes na África do Sul. Max Basch trocou seu nome para Sid Frost. Parece que o nome de Ted Grant foi copiado de um dos tripulantes do navio, de forma similar a Trotsky que tomou o nome de um de seus carcereiros czaristas. Imagino com que surpresa o marinheiro Grant soube como seu nome ficou famoso.

Finalmente, o navio alcançou a costa da França. Depois de uma jornada de oito horas de trem, eles chegaram a Paris. Paris! Esta encantadora cidade do prazer: a torre Eiffel, o Louvre, o mágico Rio Sena com suas pontes antigas, suas águas refletindo a majestosa catedral de Notre Dame, a Avenida dos Campos Elísios com seus cinemas, cafés, lojas de produtos de luxo e bem aparadas árvores de castanha da Índia, os animados cafés de Montmartre, a exótica vida noturna… Tudo o que pode atrair uma dupla de jovens aventureiros que nunca tinham saído da África do Sul estava ali facilmente disponível. Mas este lado de Paris interessou-os muito pouco, se interessou. Eles tinham ido a Paris por razões de longe mais importantes.

Trotsky, seu herói, estava vivendo na França neste momento, e eles estavam obviamente desejosos de se encontrarem com ele. Mas foram imediatamente condenados à decepção. A situação política no país era altamente instável. Trotsky tinha escrito:

A situação é revolucionária, tão revolucionária quanto pode ser, dadas as políticas não-revolucionárias dos partidos da classe trabalhadora. Mais exatamente, a situação é pré-revolucionária. Com a finalidade de adequar a situação a sua plena maturidade, tem que haver uma vigorosa e imediata mobilização das massas, sob a palavra de ordem da conquista do poder em nome do socialismo. Esta é a única forma através da qual a situação pré-revolucionária se transformará em uma situação revolucionária (Trotsky, Aonde vai a França? 1934).

Sob estas condições, a presença de Trotsky na França se tornou um assunto muito controverso. Somente alguns meses antes, em fevereiro de 1934, os fascistas tinham tentado derrubar o governo. Tanto os estalinistas quanto os fascistas estavam lançando uma furiosa campanha contra Trotsky, que se encontrava completamente isolado no povoado montanhoso de Domesne, próximo a Grenoble. Dada a estrita segurança que cercava sua casa, estava fora de questão para dois jovens camaradas desconhecidos da África do Sul visitá-lo.

Antes de deixarem a África do Sul, tinham recebido instruções de como fazer contato com os camaradas franceses. Tinham que caminhar ao longo de um famoso bulevar (provavelmente o Bulevar de Montparnasse) e esperar em frente a um determinado Café. Esperaram por cerca de uma hora na rua com crescente impaciência. Estavam ficando ansiosos (era este o Café certo?) quando finalmente seu contato apareceu. Tinham de encontrar o filho mais velho de Trotsky, Leon Sedov e sua companheira Jeanne Martin, Erwin Wolff (que foi posteriormente assassinado pela GPU na Espanha), Pierre Frank, Erwin Bauer e Raymond Molinier.

Paris era agora o centro da Oposição de Esquerda Internacional, o local onde o famoso Boletim da Oposição era produzido por Leon Sedov. Ted e Sid permaneceram ali cerca de 15 dias antes de partirem para a Inglaterra. Eles tiveram uma longa conversa com Leon Sedov, principalmente sobre a situação na França. Trotsky tinha sugerido que os trotskistas deviam entrar no Partido Socialista (a SFIO). Isto ficou conhecido como “a virada francesa”; embora, na realidade, Trotsky já tivesse proposto algo similar para a Grã-Bretanha. Molinier, Frank e os outros eram contra a entrada e mais tarde Trotsky rompeu com eles. Isto se converteria em uma característica entre os chamados Trotskistas, e não somente na França.

Leon Sedov ficou satisfeito por saber que eles estavam indo para a Grã-Bretanha. Ted teve a impressão de que ele não estava muito feliz com a forma de como as coisas progrediam na Grã-Bretanha e em particular com a liderança do grupo, que apenas recentemente começara a trabalhar dentro do Partido Trabalhista Independente. Sua experiência posterior mostrou-lhe o porquê. “Ele era um bom rapaz”, recordou Ted, referindo-se a Leon Sedov. “Ele nos perguntou se nosso grupo era composto de trabalhadores, e quando dissemos que era ele ficou radiante”.

Esta pequena anedota é altamente significativa. Os primeiros dias a Oposição de Esquerda foi atormentada com crises e divisões, refletindo principalmente a insatisfatória composição de classe da organização. A verdade é que muitos dos que vieram para a Oposição não o fizeram porque eram Bolcheviques-Leninistas convencidos, mas como reação contra os excessos do estalinismo. Alguns eram elementos desmoralizados, outros estavam cansados e esgotados, e muitos eram politicamente desorientados. Havia ultra-esquerdistas, anarquistas, sindicalistas, Bordighistas e outros desvios.

Todos esses problemas estavam presentes de forma concentrada nos Trotskistas franceses. Eram figuras, principalmente, pequeno-burguesas. Trotsky estava bem consciente deste problema. “O Velho teve um monte de problemas com eles”, disse Ted, referindo-se a Trotsky. O fato é bem expressado no livro de Trotsky A Crise na Seção Francesa. Este cobre o período 1935-36, e, portanto, o que ali está escrito corresponde ao período quando Ted se encontrou com Leon Sedov. Mais revelador de tudo é a transcrição de um entrevista concedida por Trotsky a Fred Zeller, que era então um líder francês da Juventude Socialista de Esquerda.

Quando Fred Zeller censurou Trotsky pela má conduta de seus seguidores na França, ele não tentou defendê-los: “Você sabe, ele disse, que não há muita escolha. Você tem que trabalhar com o material que tem à mão. Isto não é sempre conveniente” (Trotsky, “Sobre Problemas Organizacionais”, novembro 1935, em A Crise na Seção Francesa, p. 67).

Trotsky insistiu que os Trotskistas franceses deviam trabalhar no Partido Socialista, em grande medida como um antídoto à má composição social do grupo francês. Em geral, muitos dos “revolucionários” que têm objeções de princípio em trabalhar no movimento trabalhista estão apenas expressando a incapacidade dos sectários da pequena burguesia de se aproximar do proletariado e de suas organizações. Como Lênin, Trotsky tinha uma atitude muito clara e realista em relação às organizações de massa da classe, e sabia como desenvolver criativamente palavras de ordem transicionais que realmente correspondessem às condições concretas. Em contraste, os sectários consideram palavras de ordem e táticas como uma espécie de Imperativo Categórico, abstrações fora do tempo e do espaço. Molinier e Frank foram expulsos dentro de um ano, com a insistência de Trotsky, após romper com o grupo francês.

Outra pessoa que conheceram foi um homem que se fazia chamar de Etienne. Ele trabalhava próximo a Leon Sedov no Boletim da Oposição. “Eu não gostava do olhar de Etienne”, relembrou Ted. “Havia algo nele em que não confiava”. O instinto de Ted provou ser correto. O homem que ele conhecia como Etienne era um agente da GPU de Stalin cujo nome real era Mark Zborowski.

Seguindo ordens da GPU, Zborowski infiltrou a Oposição de Esquerda e deu um jeito de chegar a uma posição no topo de seu aparato. Através de seu trabalho na publicação do Boletim da Oposição, ele ganhou acesso à informações secretas que ele passava a Moscou. Em consequência, os conteúdos do Boletim eram colocados na mesa de Stalin toda manhã, algumas vezes antes da revista ter sido impressa. Esse gangster mais tarde desempenhou papel chave no assassinato de Leon Sedov, que foi um sério golpe para a Oposição de Esquerda.

Em Londres

Em dezembro, Ted e Sid cruzaram o Canal, chegando na fria e enevoada Inglaterra. Tinham trocado o céu azul-claro da África do Sul pelo cinza carrancudo de uma chuvosa Londres. Mas Ted muito rapidamente se adaptou ao seu país adotado e logo se tornou de fato muito inglês. Na verdade ele era o homem mais inglês que já conheci.

A Inglaterra que ele encontrou era um país em crise. É verdade que ainda não tinha chegado ao ponto crítico que foi alcançado com Mussolini na Itália ou Hitler na Alemanha. Nem estava prestes a irromper em uma guerra civil como a Espanha estava a ponto de fazer. A ex-oficina do mundo tinha acumulado uma camada de gordura, e o Império deu-lhe um grau de proteção contra os piores efeitos da crise mundial do capitalismo e evitou um colapso imediato.

Por toda a Europa a mare parda do fascismo estava avançando. Hitler estava consolidando seu domínio tirânico. Na Áustria, os trabalhadores armados de Viena tinham tomado as ruas e foram derrotados. Na França, os fascistas de Cruz de Ferro realizaram manifestações violentas visando derrubar o governo Radical. Os estalinistas, ainda sob a influência da loucura do Terceiro Período, tinham se juntado aos fascistas em uma tentativa de remover o “Radical Fascista” Daladier. Em Outubro, os trabalhadores das Astúrias, na Espanha, realizaram uma insurreição para evitar a entrada no governo do clerical fascista CEDA de Gil Robles.

Em oito de abril de 1935, na cidade balneário de Llandrindod Wells, o líder Conservador Stanley Baldwin se dirigiu ao Conselho Nacional das Igrejas Evangélicas Livres. Em seu discurso, ele defendeu o Livro Branco do governo em matéria de defesa e insistiu no aumento do tamanho da Força Aérea. Dando voz a este arrogante sentimento de superioridade que caracterizava a classe dominante britânica na época, ele disse o que sente quando olha o que está acontecendo na Europa: “Algumas vezes sinto que estou vivendo em um hospício”.

Comentando sobre o discurso de Baldwin, Trotsky escreveu:

Baldwin pensa que a Europa é um asilo de loucos; a Inglaterra é o único país que manteve o juízo; ainda tem um Rei, os Comuns, os Lordes… A Inglaterra evitou a revolução, a tirania, a perseguição. De fato, Baldwin não entende exatamente nada sobre o que está ocorrendo diante de seus olhos. Há uma distância maior entre Baldwin e Lênin, como tipos intelectuais, do que entre os druidas Celtas e Baldwin. A Inglaterra não é mais que a última cela do manicômio europeu, e é muito possível que venha a ser a cela para casos particularmente violentos (O Partido Trabalhista e o Declínio Britânico, em Trotsky, Escritos sobre a Grã-Bretanha, vol. 3, p. 30).

De fato, a crise mundial já estava batendo duro na Grã-Bretanha. Havia desemprego em massa e marchas da fome. O Partido Trabalhista tinha ganhado duas eleições e formado dois governos, O segundo foi um governo de crise. Ramsay MacDonald foi primeiro-ministro entre 1929 e 1931 do governo trabalhista. Quando se viu incapaz de obter apoio para cortes nos subsídios ao desemprego em 1931, se separou dos Trabalhistas para formar um Governo Nacional com os Tories e Liberais.

Em 1932, o Partido Trabalhista Independente (o ILP – em suas siglas em inglês), se separou do Partido Trabalhista e se moveu bruscamente à esquerda na direção do centrismo (ou seja, se moveu em direção à fraseologia revolucionária sem romper plenamente com as práticas reformistas). Trotsky instou o pequeno número de seguidores que ele tinha na Grã-Bretanha a entrar no ILP, mas com os costumeiros preconceitos do sectarismo que infectava o movimento Trotskista desde o início, perderam tempo e desperdiçaram a oportunidade, que os estalinistas não tardaram a aproveitar.

No outro extremo do espectro político, o movimento fascista de Mosley, a União Britânica de Fascistas, estreitamente inspirado em suas versões italiana e alemã, estava começando a elevar sua repugnante cabeça. Oswald Mosley era um aventureiro da classe alta que entrou na política britânica como um Tory, mudou para os Trabalhistas, em seguida se separou para formar o Novo Partido, que ele transformou na União Britânica de Fascistas em 1932. Os Camisas Negras de Mosley tinham conquistado um modesto êxito eleitoral no East End de Londres nas eleições do Conselho de Londres em 1937, mas suas atividades provocaram forte oposição na classe trabalhadora. Eles também organizavam marchas provocativas através das áreas judaicas no East End.

A vitória de Hitler produziu ondas de choque por todo o Movimento dos Trabalhadores britânico. Ted disse:

Na Conferência do TUC houve tumulto. Os delegados estavam exigindo saber como foi possível o poderoso movimento dos trabalhadores alemão ser esmagado sem sequer convocar uma greve geral. Walter Citrine (mais tarde, Lorde Citrine) disse: “Camaradas, se nossos irmãos alemães tivessem lutado isto teria significado guerra civil. As ruas ficariam inundadas com sangue”. No caso, houve um terrível derramamento de sangue. Milhões pereceram nos campos de concentração e a vitória de Hitler pavimentou o caminho para a Segunda Guerra Mundial na qual 55 milhões de pessoas perderam suas vidas.

Ted e os outros camaradas se lançaram no crescente movimento antifascista. Defendiam a política de Trotsky da frente única das organizações dos trabalhadores contra o fascismo. Isto culminou na famosa Batalha de Cable Street no domingo de quatro de outubro de 1936, quando 100 mil trabalhadores estavam mobilizados para deter os Camisas Negras de realizar uma marcha em East End. Há uma fotografia de Ted em uma barricada em Long Lane, Bermondsey, na região sul de Londres, tirada em 1937, que foi reproduzida na edição de 1948 de seu panfleto A Ameaça do Fascismo, publicado pelo Partido Comunista Revolucionário. Esta atividade capacitou os camaradas a fazer contatos com as fileiras do Partido Comunista e em particular com a Juventude Comunista, que se tornou um terreno fértil para recrutamento.

Enquanto Ted mal desembarcara em Londres, recebeu uma golpe pessoal lacerante. Notícias trágicas chegaram da África do Sul. Sua mãe, que sofria de cálculos biliares, tinha se submetido a uma cirurgia para removê-los. Era um procedimento simples e deveria ter sido assim, mas seu médico habitual não estava disponível e ela foi operada por um cirurgião substituto. Sem o conhecimento deles, o homem tinha problemas alcoólicos. Quando a irmã de Ted, Rae, visitou sua mãe no hospital percebeu que sangue estava fluindo através das mantas. Durante a operação, o cirurgião tinha cortado uma artéria principal e sua vida estava se esgotando. Ela sangrou até a morte poucos dias mais tarde.

Rae explicou como a família sofreu sobre quem entraria em contato com Ted e como poderiam dar a notícia da tragédia. Finalmente, foi a própria Rae quem contatou seu irmão. Deve ter sido uma experiência completamente devastadora. Ted amava sua mãe profundamente, embora a tenha deixado sem se despedir. Foi torturado por remorsos e sentimento de culpa, mas que podia fazer? Separados por milhares de milhas e sem nenhum dinheiro, ele não tinha nenhuma possibilidade de voltar à África do Sul. Para tornar o assunto ainda pior, a família acreditava que o cirurgião estava bêbado no momento da cirurgia. Eles contemplavam lançar uma ação legal. “Mas qual era o ponto”, disse Ted amargamente. “Nada podia trazer nossa mãe de volta”.

“Boêmios Bloomsbury”

Toda a história do movimento Marxista internacional proporciona amplas provas dos efeitos desmoralizantes do exílio sobre os revolucionários. Marx e Engels romperam todas as relações com grupos alemães no exílio depois da derrota da revolução de 1848-49, preferindo consolidar suas ligações com os Cartistas Britânicos e sindicatos. Lênin e Trotsky frequentemente criticaram a venenosa atmosfera dos círculos de exilados que afundavam em um sórdido pântano de fofocas, calúnias e intrigas mesquinhas.

Neste caso, porém, a situação era muito diferente. Os jovens sul-africanos que tinham chegado recentemente em Londres não eram refugos destroçados e desmoralizados de uma revolução derrotada, mas revolucionários vigorosos e entusiastas, ansiosos por mergulhar no trabalho. Tinham tomado a decisão consciente de deixar sua terra natal, não sob qualquer compulsão externa, mas em busca de avenidas mais amplas e frutíferas para o trabalho revolucionário.

Em contraste, os grupos Trotskistas “nativos” na Grã-Bretanha tinham todas as características típicas de exilados. De fato, eram exilados em sua própria pátria. Embora geograficamente estivessem baseados na Grã-Bretanha, podiam da mesma forma estar no planeta Marte. Os primeiros grupos Trotskistas na Grã-Bretanha eram, como os franceses, dominados por elementos pequeno-burgueses, incapazes organicamente de romper com a mentalidade de pequenos círculos e encontrar um caminho à classe trabalhadora. Estavam enfermos da doença do sectarismo, que tem atormentado o movimento desde seu início e que Trotsky criticou muitas vezes:

Embora possam jurar pelo Marxismo em cada frase, o sectário é a negação direta do materialismo dialético, que toma a experiência como seu ponto de partida e sempre retorna a ela. Um sectário não entende a interação dialética entre um programa acabado e a luta viva das massas (ou seja, imperfeita e inacabada). O método de pensamento sectário é o de um racionalista, um formalista e de um iluminador. Durante certa etapa do desenvolvimento o racionalismo é progressista, sendo dirigido de forma crítica contra as crenças e superstições cegas (século dezoito!). A etapa progressista do racionalismo se repete em todo grande movimento emancipatório. Mas o racionalismo (propagandismo abstrato) torna-se um fator reacionário no momento em que é dirigido contra a dialética. O sectarismo é hostil à dialética (não em palavras mas em atos) no sentido de que vira as costas ao verdadeiro desenvolvimento da classe trabalhadora

O sectário vive em uma esfera de fórmulas prontas. Em regra, a vida passa por ele sem que ele a note; mas às vezes ele recebe de passagem tal estímulo que o faz dar uma volta de 180 graus em torno de seu eixo, e muitas vezes faz com que ele continue seu caminho em linha reta, somente que… na direção oposta. A discordância com a realidade engendra no sectário a necessidade de constantemente tornar suas fórmulas mais precisas. Isto ocorre sob a denominação de “discussão”. Para um Marxista, a discussão é uma ferramenta importante além de funcional na luta de classes. Para o sectário, a discussão é um objetivo em si mesma. Contudo, quanto mais ele discute, mais as verdadeiras tarefas escapam dele. O sectário é como um homem que satisfaz sua sede com água salgada: quanto mais ele a bebe, mais sedento se torna. Daí, a constante irritabilidade do sectário. Quem pôs o sal? Sem dúvida, os “capituladores” do Secretariado Internacional. O sectário vê um inimigo em todos que tentam explicar-lhe que uma participação ativa no movimento dos trabalhadores exige um estudo constante das condições objetivas, e não a demolição arrogante da tribuna sectária. O sectário substitui a análise da realidade por intrigas, fofocas e histeria.

Estas observações de seu artigo de 1934, Centrismo, sectarismo e a Quarta Internacional, poderiam ter sido escritas com os Trotskistas britânicos em mente.

Tática é uma questão concreta. Lênin e Trotsky sempre foram extremamente flexíveis sobre questões organizacionais e táticas. Em determinado momento (1933), Trotsky chegou a sugerir a criação de uma Internacional incluindo partidos centristas (o SAP alemão, os grupos centristas na Holanda e mesmo o ILP), junto à Oposição de Esquerda Internacional. Esta iniciativa não teve êxito porque os líderes centristas, temendo as ideias da Oposição de Esquerda Internacional, a rejeitou. Mas isto mostra a flexibilidade que Trotsky sempre exibiu em tais questões.

Ted Grant descreveu assim a situação:

Havia um pequeno grupo denominado A Bandeira Vermelha onde estavam Groves, Wicks, Sara e Dewar. Eles tinham sido quatro membros distritais do Partido Comunista e foram expulsos por defenderem uma frente única contra Hitler na Alemanha. O ILP tinha se desligado do Partido Trabalhista por razões erradas, método errado, política errada e na hora errada, como disse Trotsky.

Trotsky disse que deviam entrar no ILP, mas Groves, Wicks e os outros, sendo cavalheiros altivos, disseram “de forma alguma”. Trotsky tinha um instinto sobre esta questão. O ILP era um partido centrista, com cerca de 100 mil filiados naquele momento, a maioria trabalhadores, e Trotsky sugeriu que eles poderiam ganhar grandes setores do ILP e talvez mesmo a maioria para o Marxismo, mas eles recusaram e causaram uma divisão e só os elementos mais jovens entraram no ILP. Dentro de dois anos eles não somente não tinham entrado no ILP como também tinham na verdade naufragado no Partido Trabalhista. Isso foi o que se passou com Groves, Wicks e assim por diante, com todas suas declarações de princípio do partido revolucionário e assim sucessivamente que eles reclamavam. De todo modo, era esta sua linha (Sam Bornstein, Entrevista com Ted Grant).

Dessa forma, somente um pequeno grupo de quinze a vinte pessoas finalmente entrou no ILP. Infelizmente, eram muito jovens, verdes e inexperientes. E entraram no ILP muito tarde, quando este já estava perdendo terreno. Eram conhecidos como o Grupo Marxista. Quando finalmente chegaram em Londres, Sid Frost e Ted encontraram acomodações em Kings Cross, e começaram a trabalhar conjuntamente no Grupo Marxista. Ambos se uniram à seção Holborn do ILP, e continuaram o trabalho revolucionário dentro de suas fileiras. Ted pronunciou um discurso sobre os “Movimentos dos Trabalhadores da África do Sul” na primavera do ano seguinte.

Eles produziram toda uma série de documentos, mas o ILP era muito pouco democrático e se recusou a permitir facções, então tinham que agir de forma semiclandestina, embora todos soubessem o que estava acontecendo. Tiveram alguns ganhos, crescendo a talvez quarenta ou cinquenta membros depois de um par de anos. Talvez seu maior êxito foi ganhar CLR James, que foi um conhecido jogador de críquete das Índias Ocidentais, em 1935.

Em outubro de 1935, quando Mussolini invadiu a Abissínia (agora, Etiópia), uma polêmica estalou dentro do ILP. Nesse momento, os estalinistas tinham trocado seu Terceiro Período ultra-esquerdista e estavam se movendo à direita na direção da Frente Popular. Como resultado, a Comintern apoiou a política da Liga das Nações defendendo sanções contra a Itália fascista para deter sua invasão da Abissínia. O Partido Trabalhista tinha a mesma linha.

O ILP se opôs às sanções da Liga e, em vez disso, defendeu uma política de sanções dos trabalhadores contra a Itália. Esta era uma posição melhor, mas a liderança do ILP estragou tudo com confusos argumentos centristas, como Ted relembrou, “[John] McGovern fez um discurso em que disse que era contra ambos os ditadores, Haile Selassie e Mussolini. Nossa posição era que enquanto a Abissínia era um país colonial devíamos apoiá-la. Não houve diferenças em nossa tendência sobre isto” (Ibid.).

Trotsky criticou severamente a liderança do ILP por não conseguir diferenciar entre uma colônia pobre e oprimida e uma nação imperialista. Foi ainda mais mordaz sobre a política eleitoral do ILP. Na eleição geral de 1935, o ILP estava exigindo que se apoiasse somente àqueles candidatos do Partido Trabalhista que se opuseram às sanções. Contudo, esta ideia não foi totalmente aceita pela liderança do Grupo Marxista, que tinha uma posição confusa sobre esta questão.

Milhões de eleitores trabalhistas ainda tinham ilusões em Atlee e Morrison e era necessário pô-los à prova. Na prática, a política do ILP ascendeu a um boicote parcial do Parlamento. Mas é elementar que não se deve boicotar o parlamento a menos que se esteja em posição de derrocá-lo. Trotsky escreveu, “O infortúnio do ILP é que ele não tem um verdadeiro programa Marxista. Também é isto que faz com que suas melhores atividades, tais como sanções contra o imperialismo britânico, sempre estejam influenciadas pela mistura de pacifismo e centrismo” (Trotsky, In the Middle of the Road, The ILP and the Fourth Internacional, Setembro de 1933).

Ted apontou que,

Trotsky tinha sugerido que o ILP devia colocar uma meia dúzia de candidatos, e que em todos os outros distritos eleitorais deviam apoiar os candidatos Trabalhistas, independentemente de serem a favor ou contra as sanções. Bem, quase que não havia divisão [no Grupo]. Mas quando Trotsky enfatizou firmemente o lado que dizia para votarmos nos candidatos trabalhistas independentemente de serem a favor ou contra as sanções, o grupo aceitou esta posição uma vez que foi explicada (…) (Sam Bornstein, Entrevista com Ted Grant).

Contudo, os Trotskistas britânicos tinham perdido tempo e as possibilidades de um trabalho revolucionário no ILP foram diminuindo rapidamente. Trotsky chegou à conclusão de não havia nada mais a se ganhar trabalhando no ILP, que estava em forte queda. Como partido na oposição, o Partido Trabalhista girou bruscamente para a esquerda e obteve grandes ganhos, enquanto sua ala direita liderada por Ramsay MacDonald foi exterminada.

Trotsky viu que havia oportunidades claramente mais favoráveis se abrindo dentro do Partido Trabalhista, particularmente na Liga da Juventude Trabalhista. “Uma vez que a juventude do ILP parece ser pouca e dispersa, enquanto a Juventude Trabalhista é uma organização de massa da juventude”, escreveu ele, “Eu diria: não só construir frações – buscar entrar. A seção britânica recrutará seus primeiros quadros a partir dos trinta mil jovens trabalhadores da Liga Trabalhista da Juventude” (León Trotsky, Writings, 1935-1936, p. 203).

A partir de então, Ted ajudou a desenvolver o Grupo Bolchevique-Leninista dentro do Partido Trabalhista, que se tornou conhecido publicamente como o Grupo Militante, o mesmo nome de seu jornal.

Em meados de 1937, eles se juntaram a Ralph Lee e a um pequeno número de outros camaradas recentemente chegados da África do Sul. Ficaram chocados com a má situação do Trotskismo na Grã-Bretanha, que um desesperado Ted descreveu como “típicos boêmios de Bloomsbury”.

A campanha contra Lee

O precursor do que logo se tornou a principal organização Trotskista da Grã-Bretanha, a Liga Internacional dos Trabalhadores e, mais tarde, o Partido Comunista Revolucionário, era conhecido como o Grupo Paddington, a seção mais ativa do Grupo Militante. Embora tivesse apenas oito membros, ela era, na verdade, o início do genuíno Trotskismo na Grã-Bretanha. O Grupo Paddington era de longe mais audacioso do que qualquer outra de suas seções. Apesar do pequeno número, o grupo era muito ativo, vendendo jornais no Hyde Park Corner e propagandeando as ideias de Trotsky.

Hoje em dia, Hyde Park Corner é dominado por fanáticos religiosos e excêntricos de todos os matizes jorrando bobagens do alto de uma escada. Mas nos anos 1930, era um local vibrante de debate político onde a Esquerda estava bem representada, e ali havia discussões apaixonadas sobre os incendiários assuntos políticos do momento. Muitas famílias da classe trabalhadora das províncias, que vinham a Londres durante o dia, podiam visitar Hyde Park e parar um momento para ouvir os discursos. Não se gastava muito dinheiro e era uma fonte gratuita de entretenimento. Ted disse que fez uma grande quantidade de contatos desse jeito.

Houve um contato, no entanto, que eles nunca devem ter se arrependido de encontrar. Gerry Healy era um membro de uma gang estalinista que ia ao Hyde Park para provocar discussão, criar ambiente de provocação e conflitos físicos com os porta-vozes Trotskistas. Uma vítima de suas provocações foi Jock Haston, que então era membro do Grupo Militante. No transcorrer de suas constantes discussões, durante as quais parece que chegaram às vias de fato, Haston conseguiu ganhar Healy para o Trotskismo. Isto aconteceu em 1937.

Mas havia problemas dentro do Grupo Militante. A energia e criatividade dos jovens sul-africanos estava em contradição direta ao amadorismo e passividade dos líderes do grupo. Ted estava com Haston na época. Ele relembrou que, de 800 números de O Militante vendidos, 500 eram vendidos pelo grupo Paddington. “Éramos muito dinâmicos”, disse ele, “e os líderes pensavam que Haston, Lee e eu poderíamos assumir a liderança”.

Em comum com todos os outros Trotskistas britânicos, o grupo Harber tinha sido educado no estreito espírito de um pequeno círculo. Carentes de uma vida política própria, tais grupos vivem em estado de histeria permanente, no qual os traficantes de rumores e abastecedores de fofocas são os heróis do momento. O Grupo Militante era assim.

A fofoca é uma coisa venenosa que corrói a organização e destrói toda confiança entre camaradas, mas é a própria alma dos pequenos grupos com uma composição de classe malsã e que estão divorciados da vida real dos trabalhadores e de seu movimento. Insinuou-se que Ralph Lee tinha roubado dinheiro do Sindicato dos Trabalhadores de Lavanderia durante a greve. Na realidade, o oposto era o caso. Ralph e Millie tinham colocado uma grande quantia de seu próprio dinheiro no sindicato. Mas para os caluniadores e fofoqueiros a verdade era o que menos interessava.

A verdadeira razão para a campanha contra Ralph, como Ted suspeitava, era porque o líder do Grupo Marxista temia a energia e dedicação dos recém-chegados sul-africanos, que cruelmente evidenciavam sua própria inércia e amadorismo. Foram eles que puseram essa suja alegação em circulação. Este comportamento envenenou as relações entre os dois grupos e inevitavelmente levou a uma ruptura em dezembro de 1937.

Os boatos foram iniciados por Charlie Van Gelderen. Esta história era completamente falsa, mas foi apropriada pelos líderes de Militante, que a usaram para voltar as pessoas contra o Grupo Paddington. Na eleição para a Executiva que ocorreu em um dos encontros mensais do Grupo Militante, os camaradas de Paddington ficaram surpresos quando não obtiveram nenhum voto. Uma vez que eram, de muito, a seção mais ativa e exitosa, ficaram absolutamente chocados quando foram pesadamente derrotados. Somente mais tarde descobriram a causa.

Os líderes abriram as portas à difusão da história venenosa sobre Ralph Lee. Se eles realmente acreditavam nisto, deveriam tê-lo confrontado com isto, mas nunca o fizeram, preferindo repetir essa suja história por todo o grupo. Os únicos que nada sabiam sobre este caso eram os camaradas Paddington. Descobriram isto por acidente, embora pudessem ver que havia algo errado.

Na próxima reunião, levantaram a questão à força, exigindo outra eleição, mas não foram atendidos. Houve um grito de assombro. Alguém falou que os líderes estavam apodrecidos, mas que poderiam eles fazer? Furioso com esta conduta, Haston se afastou e os outros se afastaram em solidariedade a ele. No momento em que saíam pela porta, Harber propôs sua expulsão.

Expulsos do Grupo Militante, eles começaram a se reunir para discutir o que fazer. Ted relembrou:

Nós nos encontrávamos à noite durante muitas noites. Discutíamos e discutíamos, e finalmente chegamos à conclusão que era uma perda de tempo permanecer neste grupo pequeno-burguês. A atmosfera estava envenenada e seria um pesadelo absoluto. Poderíamos no final das contas ganhar a liderança do grupo, mas não valeria a pena. Então, decidimos lançar o WIL. Decidimos então por algo que temos realizado desde então na prática: virar as costas às seitas. Eles eram um desperdício de tempo, em sua maioria um entulho. Queríamos construir nosso movimento dos trabalhadores (Sam Bornstein, Entrevista com Ted Grant).

A primeira edição de Workers’ International News saiu em janeiro de 1938. Eles eram somente um punhado, mas o que lhes faltava em número e recursos era compensado com o elã puro da juventude e com o entusiasmo revolucionário. Nos primeiros dias de 1938, alguns recrutas foram ganhados da Guilda da Juventude do ILP. Outros foram recrutados em Hyde Park. Ted disse:

Tínhamos oito membros. Éramos ativos; vendíamos em Hyde Park, Piccadilly e Tottenham Court Road. Onde havia greves, intervíamos e ganhamos pessoas desta forma, ganhamos trabalhadores. Éramos o único grupo de trabalhadores, como você sabe. Queríamos trabalhadores; não queremos novamente o lixo que se encontrava nos outros grupos.

A maioria das outras pessoas ganhadas não estavam no Partido Trabalhista também. Ganhamos gente dos sindicatos, alguns em Hyde Park, ganhamos alguns do nada, trabalhadores novos, das greves e assim por diante. Não acho que tenhamos ganho algum membro do Partido Trabalhista naquele momento. Isto era o paradoxo, mas nossa orientação estava correta (Ibid.).

Os Processos de Moscou

No verão de 1936, o mundo foi abalado pelas notícias do julgamento do “Centro Trotskista-Zinovievista”. Os réus, que foram acusados de planejarem matar os líderes do partido e do governo, incluindo os principais Velhos Bolcheviques como Zinoviev, Kamenev, Smirnov e outros. Eles confessaram os mais hediondos crimes contra a Revolução e a URSS, lançando lama sobre as próprias cabeças no processo.

Os velhos camaradas de Lênin foram acusados de ter cometido os crimes mais grotescos contra a Revolução. Em geral, são acusados de ser agentes de Hitler e do Micado. Da mesma forma, durante a reação Termidoriana na França, os Jacobinos foram acusados de ser agentes da Inglaterra. O homem que atuou como acusador desses famosos velhos revolucionários e camaradas de Lênin era o Procurador de Estado Andrei Vyshinsky, antigo menchevique e opositor amargo de Lênin e da Revolução de Outubro. Este foi o homem que descreveu esses Velhos Bolcheviques como, “Esses cães raivosos do capitalismo, [que] tentaram rasgar em pedaços a melhor das melhores pessoas de nossa terra soviética”.

A única evidência produzida era as confissões dos próprios acusados. Eles confessaram que praticaram terrorismo, sabotagem e que trabalhavam para Hitler. Zinoviev, com uma voz sem vida, afirmou que ele era o inspirador político do assassinato de Kirov. Trotsky, que estava efetivamente sob detenção domiciliar na Noruega, inicialmente, não pôde entender porque eles tinham confessado tão monstruosas mentiras. Mas logo se tornou claro que essas confissões foram extraídas sob tortura ou pela chantagem e fraudes.

Desde a queda da União Soviética, os arquivos da GPU e do PCUS [Partido Comunista da União Soviética] se tornaram disponíveis para inspeção. Não há sombra de evidências para a existência de qualquer “Centro Trotskista-Zinovievista”, nem para quaisquer atos terroristas organizados pela Oposição contra Stalin. Desde o infame discurso secreto de Khruschev no 20o Congresso do PCUS em 1956, todos sabem que era Stalin quem estava por trás do assassinato de Kirov em dezembro de 1934.

O objetivo deste primeiro julgamento era o de preparar o terreno para outros julgamentos mais abrangentes. Os objetivos de Stalin eram muito simples: destruir completamente todos aqueles que pudessem se tornar um ponto de convergência para o descontentamento das massas. Eles ainda foram mais longe ao ponto de prender e assassinar milhares de pessoas que tinham sido totalmente leais a Stalin, cujo único crime era sua ligação direta à experiência da Revolução de Outubro. O julgamento dos 17, o chamado “Centro Trotskista Antissoviético” (Radek, Pyatakov, Sokolnikov etc.) ocorreu em janeiro de 1937.

Logo ocorreu o julgamento secreto dos oficiais do exército (Tukhachevsky, Yakir e outros). Isto dizimou o Exército Vermelho e teve catastróficas consequências quando Hitler invadiu a União Soviética. A monstruosa caça às bruxas culminou com o julgamento dos 21 (Bukharin, Rykov, Rakovsky etc.). Era perigoso ser amigo, vizinho, pai ou filho de qualquer daqueles presos. Nos campos de concentração encontravam-se famílias inteiras, incluídas as crianças. Os próprios filhos de Trotsky, netos e parentes, todos caíram vítimas da máquina infernal de Stalin.

O principal acusado não estava presente nos julgamentos. Leon Trotsky, depois de lhe ter sido negado o direito de asilo por todos os países da Europa, finalmente encontrou refúgio no México, onde recebeu as boas-vindas de seu chefe de Estado, o general progressista e anti-imperialista Lázaro Cárdenas. Desde estas terras distantes, Trotsky viu como o circo de horrores se desenrolava. Ele descreveu os notórios Processos de Moscou como “uma guerra civil unilateral contra o Partido Bolchevique”.

Trotsky tomou a iniciativa de criar a Comissão Dewey para investigar todas as acusações contra ele. Organizou uma campanha de protestos internacionais contra os julgamentos de Moscou. Os Trotskistas britânicos atenderam energicamente a este apelo. Publicaram artigos e se apresentaram nas reuniões da YCL [Juventude Comunista] e do Partido Comunista para denunciar os processos de Moscou e colocar os estalinistas contra a parede. Obtiveram o apoio de esquerdistas do Trabalhismo, notadamente de Sydney Silverman, cujos filhos Roger e Julian se juntaram a nossa Tendência nos anos 1960.

Depois da II Guerra Mundial, o RCP [Partido Comunista Revolucionário], em colaboração com a viúva de Trotsky, Natalia Sedova, tentou apelar ao Tribunal de Nuremberg para Crimes de Guerra. Publicaram um folheto que continha fotos de todos do Comitê Central de Lênin, cada um com uma legenda “fuzilado”, “cometeu suicídio”, “desaparecido” ou “morto”. No centro se encontrava uma foto do homem que organizou o extermínio do partido de Lênin com a legenda: “Stalin, o verdugo, o que sobrou”. Como era de esperar, os juízes de Nuremberg não prestaram nenhuma atenção.

Como não se unir

Pouco antes da guerra, a Liga Internacional dos Trabalhadores [WIL] conseguiu sua primeira máquina impressora. Mais precisamente, eles a encontraram em um ferro-velho e Lee, que era muito habilidoso, conseguiu fazê-la voltar a trabalhar. Publicavam uma revista teórica chamada Workers’ International News e também um jornal chamado Youth for Socialism. Também produziram um pequeno panfleto do artigo de Trotsky As lições da Espanha, com uma introdução que Ted escreveu em colaboração com Ralph Lee.

Em agosto de 1938, pouco antes da Conferência de Fundação da Quarta Internacional, James P. Cannon do Partido Socialista dos Trabalhadores [SWP] dos EUA veio a Londres com o objetivo de unir os diferentes grupos de Trotskistas britânicos em uma organização única. Devido ao seu relacionamento especial com Trotsky, os líderes do SWP pensavam que tinham a posição privilegiada no movimento internacional Trotskista. Este era o caso particularmente com Cannon, que tinha como certo que os Trotskistas britânicos seguiriam sua liderança em tudo.

Ted relembrou sua primeira reunião com Cannon. Até então, eles tinham 30 membros, todos trabalhadores. Quando lhe disseram isto a Cannon, este expressou incredulidade. Outros grupos haviam-lhe dito que tínhamos dez ou no máximo quinze. Então, foi convidado a uma reunião na casa de Haston onde poderia falar aos membros. Nenhum dos outros grupos eram capazes de fazer isto pela simples razão de que quase não tinham membros a quem falar. Ted estimou que o maior era o grupo de CLR James, que tinha quatorze ou quinze pessoas. Os camaradas argumentaram que a unidade somente era possível na base de um acordo tático. A ideia de que era possível forjar um grupo unificado com duas táticas era sem princípios. Não funcionaria. Tinha de haver uma só tática, com a minoria tendo o direito de conquistar a maioria.

Cannon não estava convencido, mas concordou em ir a uma reunião. Ele veio às sete e meia em ponto. Havia dez pessoas ali, e Cannon disse: “vamos começar”. Os camaradas replicaram: “dê aos outros uma oportunidade de chegar aqui, apenas mais alguns minutos”. Às sete e quarenta, havia vinte pessoas e às sete e quarenta e cinco havia trinta pessoas na sala. Não chegaram a um acordo, mas Cannon tentou persuadi-los a se unir com os outros grupos. Disseram-lhe que ele uniria três grupos em dez. Ele então perguntou se eles viriam à Conferência de Unificação e eles concordaram em ir e expor seu caso.

Os membros de WIL estavam compreensivelmente cautelosos. Depois de sua recente experiência com o grupo Militante, eles não estavam seguros de como se poderia lograr qualquer unidade significativa. Mas, obedientemente, foram à conferência, todos os trinta, que era quase uma maioria. Eles estavam, naturalmente, totalmente a favor da Quarta Internacional e tinham Cannon em elevada estima, mas quando se apresentaram na Conferência ficaram totalmente escandalizados com o que viram. A história completa pode ser encontrada em A História do Trotskismo Britânico.

Ralph Lee tinha uma sagacidade mordaz. Quando ele viu o que estava acontecendo, com portas abrindo e fechando e as pessoas dando voltas e voltas, caçando votos e intercedendo enquanto diferentes participantes se engajavam em barganhas e acordos de bastidores, ele comparou isto a uma farsa de alcova francesa. Os únicos que não foram consultados nem pressionados foram os membros de WIL.

No fundo, o problema era a impossibilidade de se unir grupos com políticas, táticas e orientação radicalmente diferentes. Os camaradas de WIL tentaram assinalar isto a Cannon, mas ele não se deixou impressionar. Ele exigiu unidade e isto era tudo o que havia a ser dito. No final, WIL se recusou a juntar-se, argumentando que o acordo de unificação, que permitia aos Trotskistas que se opunham a entrar para se engajar no trabalho aberto, estava fadado ao fracasso.

A manobra foi tão evidente que no final mesmo CLR James começou a ter dúvidas. Segundo Ted, a única forma com que Cannon podia obter dele o acordo para a chamada fusão era lhe prometer, nos bastidores, que o levaria à América. Observando estas peripécias, Lee advertiu Cannon: “Vocês estão amarrando suas caudas como os gatos de Kilkenny e vão se rasgar em pedaços”.

A resposta de Cannon foi totalmente a caráter. Ele disse: “Esmagaremos os divisionistas como baratas”. Henry Sara, que estava na presidência, disse a Lee “você não pode falar assim com um convidado como este”. Ted se levantou e protestou que “mesmo se o camarada Trotsky estivesse presente, nós teríamos o direito de apresentar qualquer posição que fosse de nosso agrado. Esta é a democracia dentro de nosso movimento, não importa quem está aqui”.

Sobre tais bases nenhuma unificação viável poderia ser alcançada. A preocupação de Ralph Lee se confirmou dentro de uma semana. Maitland, que estava ali pelo PRS, foi repudiado por seu próprio grupo e eles rejeitaram a unificação. Outras rupturas logo se seguiram. Dentro de seis meses todo o assunto já era um caos. Cannon não estava satisfeito. Estava acostumado a conseguir tudo a sua maneira. Culpou WIL por seus problemas. O ressentimento resultante que sentia em relação ao “esquadrão desajeitado” de Lee, Haston e Grant durou anos e teve muitas consequências negativas.

Durante a Conferência de Unificação, Cannon pediu a Ted e Jock Haston para irem vê-lo. Ele lhes perguntou se enviariam um delegado à conferência de fundação da Quarta Internacional e pediu a filiação como simpatizantes. Eles responderam que pediriam a filiação como simpatizantes, embora pudessem ser incapazes de levantar fundos. Cannon respondeu: “Façam o que puderem. Se não, enviem uma carta”. Como eles não tinham dinheiro suficiente para viajar para a conferência, redigiram uma carta. Discutiram e concordaram sobre um texto expressando apoio à Quarta Internacional e pedindo para serem aceitos como seção simpatizante, que foi ditado a Millie Lee, a única pessoa dentre eles que sabia datilografar.

Em 1938, a conferência de fundação da Quarta Internacional reconheceu a Liga Socialista Revolucionária (RSL), que foi o que emergiu da ‘conferência de unificação”, como a seção britânica oficial. O delegado francês propôs que a WIL fosse aceita como seção simpatizante. Isto quase certamente teria sido aceito, mas por intervenção de Cannon, que tomou sua vingança dos camaradas da forma mais mesquinha e vingativa.

A carta da WIL não foi lida. Em vez de fazê-lo, Cannon pronunciou uma diatribe contra a WIL por ter se separado, alegadamente por meros desagravos pessoais. Isto era totalmente falso, como Cannon sabia muito bem. Em conclusão, Cannon defendeu o reconhecimento da RSL. Esta proposta foi naturalmente aceita uma vez que os delegados não tinham fornecido a informação correta. Na base de uma série de mentiras, a petição da WIL de uma filiação como seção simpatizante foi rejeitada.

Como resultado dessas manobras, a WIL foi injustamente censurada. “Todos os grupos puramente nacionais”, segundo a declaração oficial, “todos os que recusam a organização internacional, o controle e a disciplina, são em sua essência reacionários”. Quando Cannon escreveu para Trotsky um informe sobre a conferência de fundação da Quarta Internacional, ele ofereceu uma versão desonesta e destorcida de sua visita à Grã-Bretanha e da conferência de fusão e dá a seguinte avaliação da WIL:

O Grupo Militante nos passados seis meses sofreu uma desafortunada divisão conduzida por Lee que resultou na criação de outro grupo sem qualquer base de princípios para a divisão (o Workers’ Internacional News). Isto só pode introduzir confusão e desmoralização – tanto mais que ambos os grupos trabalham exclusivamente no Partido Trabalhista. Ao mesmo tempo, a seção de Liverpool se retirou do Grupo Militante sob linhas oportunistas. (…)

Na conferência de Londres, uma semana mais tarde, tive seu apoio [o grupo Edinburgh] desde o início para uma unificação geral. Isto indubitavelmente exerceu considerável pressão sobre o [CLR] grupo James.

A resolução política aceita como base para unificação desde que a principal ênfase deve ser posta no trabalho no Partido Trabalhista sem tornar compulsória a entrada àqueles camaradas que não são membros até agora. Isto, pelo menos, proporciona uma orientação definida para o grupo unificado. Foi o máximo possível. Parece-me que o mais importante, se ao menos pudéssemos ter uma orientação correta, era a de trazer todos os camaradas juntos e educá-los no hábito de agir em uma organização que estaria firmemente filiada à Quarta Internacional. Realizamos uma cruzada poderosa contra divisões irresponsáveis e deixamos claro que a conferência internacional acabaria com a possibilidade de uma multiplicidade de grupos e reconheceria somente uma seção em cada país. (…)

O grupo Lee consiste de cerca de trinta pessoas, em sua maioria jovens, que foram profundamente envenenados com antagonismo pessoal à liderança do grupo Militante. Tentaram obstruir a unificação mas foram golpeados sem piedade na conferência de unificação, e suas fileiras foram severamente sacudidas. Sua atitude foi condenada pela conferência internacional.

Shachtman, durante sua visita à Inglaterra, também teve uma reunião com este grupo. Sua opinião é igual a minha – que eles terão que se submeter à decisão da internacional e entrarem na seção unificada britânica ou sofrer uma cisão. Infelizmente, isto é mais fácil de dizer que de fazer. Os camaradas ingleses, por desgraça, são cavalheiros. Não estão acostumados ao nosso tratamento “brutal” (isto é, Bolchevique) de grupos que jogam com cisões (James P. Cannon, Impressões da Conferência de Fundação, 12 de outubro de 1938, em Joseph Hansen, James P. Cannon – O Internacionalista, julho de 1980).

Na última frase deste informe tendencioso e unilateral vemos a essência do estilo “Bolchevique” de Cannon. Este foi o primeiro exemplo das manobras de Cannon contra os camaradas britânicos. Não foi o último. Pouco depois, Max Shachtman visitou Londres para justificar o que tinham feito. Ted relembrou que ele teve uma recepção quente:

Foi Shachtman quem teve a resposta disto quando veio falar em uma reunião [em Londres]. Nós o colocamos em um inferno. No fim, ele tentou justificar dizendo que era somente uma manobra. Ele tentou voltar a Cannon, embora já estivesse em desacordo com ele (…) e o esquema da divisão já estivesse ali. Tens de lhe dar [crédito para] isto. A única coisa que podia dizer é que era uma manobra. Ele estava horrorizado, mas repetia que era uma boa manobra, que era o melhor.

(…) A coisa importante a lembrar é que Trotsky nunca atacou a WIL em todos os seus escritos. Ele estava esperando para ver o que estava acontecendo. Ele sabia [como] Cannon e aquela gente se comportavam. Ele os conhecia e, portanto, Trotsky nunca nos atacou. (…) Ele nos escreveu elogiando, elogiando por termos conseguido uma imprensa, elogiando a introdução que Lee e eu escrevemos para o panfleto Lições da Espanha (Sam Bornstein, Entrevista com Ted Grant).

Ted lembrou sua alegria quando receberam uma carta de Trotsky se congratulando com eles pela publicação deste panfleto, no qual ele enfatizava como era importante para a organização revolucionária ter sua própria imprensa, independente dos estabelecimentos capitalistas. De toda forma, ao longo dos anos, esta carta se perdeu e, até onde sei, nunca foi encontrada, um fato que Ted lamentava amargamente. Ted pensava que Haston tinha dado todo este material a Healy, depois que o PRC e o grupo de Healy se fundiram em 1949.

Tudo indica que Trotsky estava acompanhando o trabalho de WIL com interesse e que estava recebendo regularmente material produzido por ele. Embora formalmente fora da Internacional, Ted e os demais ainda continuavam se reconhecendo como parte dela. “Vemo-nos como o filho bastardo da Internacional”, ele explicou. Estavam seguros de que, mais cedo ou mais tarde, seriam reconhecidos como a legítima seção britânica. A história provou que estavam corretos. Como vimos, o grupo “unificado” começou a se romper logo que a conferência terminou.

WIL, contudo, continuou a progredir constantemente, até mesmo arrancando pedaços do RSL. Ganharam os grupos de Liverpool e Leeds do RSL, trazendo toda a família Deane de Liverpool no processo.

Dentro de um pequeno grupo, as relações pessoais podem desempenhar um papel desproporcional. Millie Lee era uma garota muito bonita, com cabelos ruivos e caráter exuberante. Ela estava completamente dedicada à causa e tinha boa capacidade de organização, embora não fosse uma profunda pensadora. Jock Haston era um marinheiro boa-pinta, com um forte sotaque escocês, entusiasta, inteligente, articulado e corajoso. Pela segunda vez em sua jovem vida, Millie se apaixonou. Talvez seu relacionamento com Ralph Lee já estivesse despedaçado, mas, em qualquer caso, ela o deixou e foi viver com Haston. Permaneceram juntos até a morte. Isto deve ter tido um impacto muito negativo sobre Ralph e pode muito bem ter desempenhado seu papel em sua decisão de voltar à África do Sul.

As razões desta decisão na verdade não são claras para mim. Podem ter sido pessoais (o rompimento de seu casamento), ou por razões de saúde (o clima britânico estava lhe causando problemas), ou talvez ele estivesse cansado pelos constantes ataques feitos a sua pessoa. Provavelmente foi uma mistura de todas essas coisas. De qualquer forma, foi uma decisão inevitável. Em 1940, Ralph Lee voltou à África do Sul.

Ao retornar à África do Sul, Lee tentou retomar seu trabalho revolucionário. Pelo que parece, antes de sair tinha se aproximado da posição de Shachtman de que a Rússia não era um estado dos trabalhadores deformado, mas, pelo contrário, que era uma nova forma de sociedade chamada “coletivismo burocrático”. Mas ele nunca afirmou isto publicamente, e Ted era firme em afirmar que ele nunca foi um seguidor de Shachtman.

Mais tarde, Lee estabeleceu a WIL sul-africana, que esteve engajada em um sem número de lutas, mas as condições eram ainda mais difíceis que no período pré-guerra, e eles terminaram derrotados. A organização logo entrou em colapso. Já desgastado por sua má experiência na Grã-Bretanha, Ralph estava agora mental e fisicamente exausto, enfermo e sem dinheiro. Ao contrário dos rumores venenosos espalhados por Harber e Cia., ele gastou todo o seu dinheiro no movimento e agora estava completamente quebrado e sofrendo de necessidades consideráveis. Tudo isto minou sua saúde e moral. No arquivo Ted Grant há uma carta manuscrita a Ted. Leva a assinatura de Ralph Lee. É uma carta curta mas profundamente comovedora. Reproduzo-a em sua totalidade:

Caro Ted,

Recebi sua carta enviada por aquela garota ruiva – esqueci seu nome. Foi há tanto tempo que penso que você esqueceu. Não tinha energia suficiente no momento para responder. Mas as desculpas, penso, não são necessárias entre você e eu.

Mantive recentemente correspondência com MGP [Murray Gow Purdy]. Agora quero de você, no retorno do correio, que me diga como ele está com você, política e pessoalmente. Responda imediatamente, pelo correio aéreo.

Fale-me também de você mesmo. Está se alimentando bem? Tem se divertido?

Quanto a mim, estive nestes prolongados anos, como na frase de Swift, “como um rato envenenado em um buraco, morrendo de raiva”. Muito triste, não é?

Meus melhores desejos

Ralph

Esta carta está datada de 15 de julho de 1948. Ela mostra o relacionamento pessoal próximo entre os dois homens, que continuou a despeito da longa luta de Ralph com a depressão, a separação física e os longos períodos de silêncio. Também lança luz trágica sobre o estado mental de Ralph. Nada sabemos do que aconteceu a Ralph Lee depois. Os registros oficiais mostram que ele morreu na África do Sul em 1965. Ted acreditava que ele cometera suicídio muito antes.