Solidariedade com o goleiro Aranha, contra os racistas e o racismo!

O racismo existe não só no futebol, mas é sentido no dia-a-dia dos jovens e trabalhadores negros, em todo o país. A polícia aborda, revista, prende e mata prioritária e seletivamente a população pobre e de pele mais escura.

O racismo existe não só no futebol, mas é sentido no dia-a-dia dos jovens e trabalhadores negros, em todo o país. A polícia aborda, revista, prende e mata prioritária e seletivamente a população pobre e de pele mais escura.

Os níveis educacionais são menores entre os negros do que entre os brancos. A qualidade das escolas públicas e de cursos oferecidos à população pobre (a maioria formada por negros) é ruim ou voltada exclusivamente a formar mão de obra barata para o mercado de trabalho. Isso se reflete nas diferenças salariais e nas condições de vida dos trabalhadores negros em relação aos demais trabalhadores e mesmo entre trabalhadores brancos e negros que exercem a mesma função. O que dizer então da diferença em condições de vida entre trabalhadores negros e a burguesia brasileira (seja branca ou negra).

Assim, o racismo cumpre um papel fundamental no capitalismo que é o de manter e “justificar” sempre um exército industrial de reserva para pressionar para baixo o nível geral dos salários e, mesmo entre os trabalhadores empregados, o racismo cumpre o papel de relegar as piores tarefas e os piores salários aos trabalhadores negros. Outra face nefasta do racismo é a divisão da classe trabalhadora pela cor da pele: enquanto os jovens brancos alcançarem um nível educacional e de vida melhor, em média, em comparação aos jovens negros e enquanto trabalhadores brancos receberem um salário maior, em média, em comparação aos trabalhadores negros, há sempre o risco embutido de uma segregação entre indivíduos de uma mesma classe social (explorada) e/ou a disseminação de preconceitos raciais entre os próprios trabalhadores e jovens. O racismo impõe assim um obstáculo a mais na necessária unidade da classe trabalhadora para enfrentar o capitalismo.

Nós da Esquerda Marxista e os camaradas que impulsionam o Movimento Negro Socialista (MNS) combatemos o racismo, bem como as ideias e políticas públicas baseadas no conceito anticientífico de “raças humanas” (racialismo) porque lutamos pela unidade da classe trabalhadora, independentemente da cor da pele, nacionalidade, sexo ou religião e por igualdade e universalização de direitos.

Ou seja, queremos educação, saúde, transporte público, gratuito e para todos. Empregos para todos, com todos os direitos garantidos e salário igual para igual função. Fim da Polícia Militar, da repressão e criminalização por parte do Estado e de bandos particulares de homens armados para defender a propriedade privada dos meios de produção e o latifúndio. Mas, sabemos bem que isso só se conquista na luta contra o capitalismo que, através da exploração assalariada e da apropriação privada da riqueza produzida social e coletivamente, com o suporte fundamental do racismo, promove todas as desigualdades e injustiças que conhecemos.

Pois bem, como o racismo é parte do sistema capitalista, não é comum ver a mídia denunciar casos de racismo ou ver tribunais protegendo vítimas de racismo e punindo quem o comete. Mas, às vezes, é tão gritante e absurdo ou, então, atinge profissionais bem sucedidos ou gente famosa, que torna impossível ocultar a realidade. Além disso, e fundamentalmente, o próprio povo, quando se levanta e luta, escancara o problema e põe os governantes e o sistema em questão. Foi o que vimos, em meio às jornadas de junho de 2013, quando a campanha “Cadê o Amarildo?” ganhou intensa repercussão e colocou em xeque a chamada “política de pacificação” e suas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro.

Outro caso veio à tona recentemente e ganhou destaques para além dos noticiários esportivos. No dia 28 de agosto, em jogo válido pela Copa do Brasil, na Arena do Grêmio em Porto Alegre, torcedores da equipe gaúcha insultaram em coros o goleiro Aranha do Santos, chamando-o de “macaco” e “preto fedido”. O goleiro não ficou calado e reagiu: chamou a atenção da arbitragem. Arouca (que também havia sido vítima de racismo no primeiro semestre, durante o Campeonato Paulista, em jogo na cidade de Mogi Mirim) e outros jogadores do Santos também foram para cima do árbitro, que parou o jogo por alguns minutos, mas claramente não sabia o que fazer. Por fim, após alguns policiais e seguranças se dirigirem para trás do gol de Aranha, a partida foi reiniciada, mas a torcida do Grêmio continuou ainda mais forte a gritar insultos racistas contra o goleiro. Nessa hora, imagens de emissoras de televisão flagraram o momento em que uma torcedora do Grêmio gritou “macaco”.

Após a partida, a torcedora foi identificada e responde na justiça pelas ofensas que gritou, mas claro, disse que estava arrependida, pediu desculpas e, orientada por seus advogados e incentivada pela mídia, pediu para se encontrar com o goleiro Aranha. Seria a redenção e o assunto seria encerrado, se não fosse a postura firme do atleta que se recusou a fazer essa cena, disse que aceita as desculpas, que não tem nada contra a garota em particular, mas que as leis existem para serem cumpridas e ela tem que responder por seus atos. E, evidentemente, continuou lamentando o racismo no futebol. Ao dar essa simples e justa declaração, o goleiro provocou a ira dos que imaginam que o esporte promove a paz social, acirrou os ânimos dos racistas – que sempre encontraram (e ainda encontram) vias abertas no futebol para difundir seus insultos impunemente – e manteve a discussão sobre esse problema social na ordem do dia.

O Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) resolveu eliminar o Grêmio da competição, mesmo assim, os dirigentes do clube gaúcho tentam recorrer da decisão culpando o próprio goleiro, afirmando que ele estaria fazendo cera e provocando a torcida! O técnico do Grêmio, Luis Felipe Scollari (Felipão), o mesmo do vexame do Brasil na Copa do Mundo, reforçou a tese, dizendo que Aranha teria feito um teatro naquela partida.

Já Pelé soltou mais uma pérola: “Aranha se precipitou um pouco em querer brigar com a torcida. Se eu fosse parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todo jogo teria que parar. O torcedor, dentro da sua animosidade, ele grita. Acho que temos que coibir o racismo, mas não é em um lugar público que vai coibir”.

Aliás, Aranha tem recebido inúmeros conselhos como esse, para encerrar o assunto, inclusive de dentro do próprio Santos. Muitos pedem para que ele deixe isso para lá e se concentre em seu trabalho. Mas, a realidade é muito cruel com esses senhores do futebol.

Três semanas depois desse episódio, a equipe do Santos voltou a Porto Alegre para jogar de novo contra o Grêmio, dessa vez, pelo Campeonato Brasileiro. Desde o aquecimento dos atletas e a cada vez que Aranha pegava na bola ou cobrava tiro de meta, até o fim da partida, a torcida gremista soltou vaias ensurdecedoras contra o goleiro e trocou os xingamentos racistas por homofóbicos, chamando-o de “bicha” e “veado”. Além disso, vários torcedores foram flagrados gritando contra o goleiro, mas com a mão na frente da boca, para evitar a leitura labial. Mais ainda: durante a transmissão da SporTV (canal da Rede Globo), os jornalistas e comentaristas buscavam dissociar essas vaias dos insultos racistas da partida anterior.

Aranha aguentou tudo isso e fez defesas importantes na partida, garantindo o placar de zero a zero, em um jogo cheio de faltas e de baixo nível técnico. Ao final, os repórteres da SporTV e da RBS (emissora filiada à Rede Globo no RS) correram para entrevistar o goleiro Aranha. O vídeo dessa entrevista pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=nuQBdlZhJew, mas vale a pena ler a transcrição abaixo.

Aranha: Fiquei triste porque deu pra perceber bem qual é o pensamento do torcedor gremista, da grande maioria que apoiou aquele ato. Não foi só a garota, a menina que fez, ela tá pagando porque apareceu, mas tinha muita gente, como teve hoje também, muita gente se manifestando contra minha atitude, sendo que a única coisa que eu fiz foi relatar pro árbitro, coisa que está na regra, está na lei, na Justiça. Muita gente sofreu para que tivessem leis para proteger nesses casos. Acho que a punição, às vezes, serve para ensinar.

SporTV: Aranha, mas você não acha normal as vaias (sic), o que aconteceu de anormal além das vaias?

Aranha: Eu não ligo com vaia, com manifestação de torcedor, desde que seja do esporte. E a gente, sem ser hipócrita… Porque às vezes também a gente fala as coisas, todo mundo começa a achar o que quer. Todo mundo sabe que a vaia hoje foi diferente.

SporTV e RBS: Diferente por quê?

Aranha (olhando para a repórter da RBS): Você sabe por quê? Por que foi diferente?

RBS: É a pergunta que a gente quer saber.

Aranha: Por tudo o que aconteceu no outro jogo, ou não foi? Ou você concorda com o que aconteceu? Você concorda?

RBS: Eu não tenho que concordar com nada.

Aranha: Ah, você não tem… (que concordar ou discordar)? Por quê? Então você não tá nem aí, é isso?

A entrevista fala por si, as opiniões a respeito estão bastante claras, sejam do goleiro Aranha, sejam dos jornalistas da Rede Globo, apenas acrescento que não é só a torcida do Grêmio que faz uso de insultos racistas e homofóbicos para agredir a integridade moral de um atleta ou do árbitro em campo, mas todas as torcidas, em todos os jogos. A torcida do Grêmio apenas foi estimulada a continuar pela declaração dos dirigentes do clube e do próprio treinador. Por fim, insistimos para que não só o goleiro Aranha, mas todos que são vítimas de racismo continuem a denunciar e protestar e não se intimidem, nem diante dos racistas, nem diante “dos amigos” que querem abafar o assunto. O goleiro Aranha e todos os trabalhadores e jovens vítimas de racismo podem se organizar conosco nessa luta e podem contar com nossa solidariedade militante.