Fotografia: Duncan Hull via Flickr

Qual a posição dos marxistas sobre um segundo referendo do Brexit?

A menos de cinco meses da data oficial da conclusão do Brexit, marcada para 29 de março de 2019, ainda não existe um acordo firmado entre Reino Unido e União Europeia que indique os termos claros da partida. O mundo especula o que poderia acontecer se os chefes de Estado não se entenderem e se a primeira ministra britânica Theresa May não conseguir o apoio necessário no parlamento para uma proposta de acordo. Recentemente, o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, advertiu que o impacto econômico de um Brexit sem acordo “poderia ser tão mau como a crise financeira de 2008”.

Diante disso e do temor sobre quais os impactos que a saída traria à economia, cresce entre setores de direita e esquerda pró-União Europeia a ideia de um novo referendo, que pergunte à população se é isso mesmo que ela quer. Em 20 de outubro, cerca de 500 mil pessoas se manifestaram em Londres pedindo essa reconsulta.

O ex-primeiro ministro britânico Tony Blair declarou recentemente à imprensa: “Eu sou 100% contra o Brexit e farei tudo que for possível para pará-lo. O Brexit não é de nosso interesse econômico, nem político, é algo que enfraquece o Reino Unido e a Europa.”

O tema apareceu com força no último Congresso do Labor Party (Partido Trabalhista), onde atua a seção inglesa da Corrente Marxista Internacional (CMI, da qual a Esquerda Marxista é a seção brasileira). Uma moção admitindo a realização de um novo referendo foi aprovada. Aos marxistas, cabe ajudar a reorientar o debate: não existem apenas duas saídas para o problema e a verdadeira solução não passa por manter o atual sistema econômico funcionando da melhor maneira possível.

A União Europeia é uma instituição capitalista, fundada pela e para a burguesia, contra os trabalhadores da Europa e de todo o mundo. Além disso, ela está em uma crise profunda, recorrendo a métodos cada vez mais brutais e antidemocráticos para proteger os interesses da classe dominante. Da mesma forma, desvincular-se do bloco por si só, sem uma revolução proletária que mude completamente o sistema econômico e dê início a uma revolução socialista mundial, não contribuirá em nada para a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora.

Um Labor Party em processo de radicalização

O que mais chamou atenção no último congresso do secular Partido Trabalhista britânico, que aconteceu dia 25 de setembro, em Liverpool, foi a ausência dos seguidores de Tony Blair, que impuseram sua política nas últimas décadas. Os delegados que apoiam Jeremy Corbyn mostraram quem está no comando agora e imprimiram ao congresso uma oxigenação. Além disso, ficou evidente a radicalização que está se iniciando dentro do próprio movimento Corbyn.

O chanceler-sombra (cargo espelhado no interior do partido) John MacDonnell apresentou um plano econômico que propõe a devolução ao setor público de setores estratégicos, como energia, água, ferrovias e correios. Também endossou a redação original da famosa Cláusula IV, que foi removida em 1995 para inaugurar a era do Novo Trabalhismo (de Tony Blair), e que estabelecia como Norte a propriedade coletiva dos meios de produção.

Já Corbyn usou seu discurso para atacar banqueiros e financistas que “foram elogiados durante uma geração”, mas que levaram a economia “a se esborrachar na terra, com consequências devastadoras” há uma década, com a crise financeira de 2008.  “Mas em vez de fazer as mudanças essenciais em um sistema econômico desfeito”, assinalou, “o establishment político e corporativo pressionou como pôde para salvar e sustentar o sistema que levou ao colapso”.

Um dos momentos de maior tensão foi a votação sobre uma proposta de seleção obrigatória dos parlamentares do partido, que tinha o objetivo de tirar os parlamentares de direita. Essa medida só não foi aprovada por causa do voto contrário dos delegados sindicais, muitos dos quais são antigos dirigentes que temem “balançar o barco” demais e perder seus próprios postos. Eles também tiveram importante peso na aprovação da moção para um novo referendo sobre o Brexit.

O ímpeto de grande parte dos delegados locais na aprovação dessa e de outras medidas de reformas no partido, no entanto, faz crescer a sensação de que é preciso levar essa energia transformadora do movimento Corbyn aos sindicatos.

Avançar à esquerda

A base do Labor Party está dando seguidas provas da sua disposição de lutar contra os desmandos do capital, reavivando antigos princípios do partido. Assim, a direção pode ser empurrada ainda mais à esquerda do que gostaria.

Líderes sindicais, como Frances O’Grady, do Trades Union Congress (TUC), se manifestaram no congresso do partido sobre a necessidade de defender os direitos dos trabalhadores. No entanto, fazer campanha para permanecer na União Europeia não é a melhor forma de fazer isso. O’Grady deveria estar mobilizando para derrubar o governo Tory, colocar Corbyn no poder e acabar com o sofrimento dos trabalhadores britânicos. Ao invés disso, a TUC está se alinhando com os blairistas e com os grandes empresários com a esperança de voltar aos “bons tempos” de 2016.

A realidade é que não se pode pedir aos trabalhadores que votaram a favor do Brexit para que continuem votando até que “o façam bem”. O que precisa ser feito é ganhar o apoio da classe em um programa trabalhista que ofereça uma alternativa real à política pró-capitalista personificada pela União Europeia.

A maioria dos membros do partido compreende claramente que a prioridade é a convocação de eleições antecipadas e a vitória de um governo trabalhista, independente da sua posição sobre o Brexit. Mas é preciso lembrar que a eleição de um governo de esquerda não muda a natureza de classe da sociedade. A eleição do Syriza na Grécia não modificou a necessidade dos bancos franceses e alemães de liquidar o Estado grego para salvar suas próprias contas.

Por isso, a tarefa de um governo trabalhista deve ser tirar o controle da economia das mãos dos banqueiros e colocá-lo nas mãos dos trabalhadores. Tal governo deveria chamar a classe trabalhadora de todo o continente a se unir na construção de uma nova Europa socialista.

A crise não pode ser simplesmente revertida. Ela deve ser enfrentada com um programa socialista e internacionalista. Essa é a razão pela qual os socialistas deveriam dizer não a uma consulta popular, sim a um governo trabalhista socialista e sim a uma Europa de Estados Socialistas Unidos.