PSOL: Gira para a esquerda, mas não sai do lugar

A imagem é de um brinquedo antigo, o pião, que fica girando em torno de si mesmo sem sair do lugar. Gira para a esquerda. Gira para a direita. Sempre no mesmo lugar. Talvez ele seja um bom exemplo para ilustrar certas atitudes de alguns partidos de esquerda, notadamente o Partido do Socialismo e Liberdade, o PSOL.
 
Um pouco antes das grandes manifestações de massa que eclodiram em todo o Brasil, o Diretório Nacional do PSOL, reunido em São Paulo, decidiu organizar o 4º Congresso do PSOL marcado para fins de novembro deste ano. Entre as decisões, todas a serem ratificadas pelo congresso, está a de lançar canditadura própria em 2014 e a de reafirmar o PSOL como “alternativa progrmática de esquerda e socialista”. Milton Temer, dirigente do partido chegou a declarar que “precisamos de uma candidatura de esquerda e socialista, que nos diferencie dos outros projetos que estão colocados até o momento”.
 
A direção do PSOL aprovou um documento de conjuntura onde constata que:
 
“Mesmo aquilo que é considerado por muitos como avanços distributivos é, na verdade, o preço da subordinada conciliação de classes. A necessidade de ganhar a confiança do mercado financeiro levou a política econômica a extremos, com a manutenção da trilogia: controle da inflação, manutenção do superávit primário e câmbio flutuante. Essa lógica implicava manter juros siderais, alavancando violentamente a dívida pública que consome hoje quase metade do orçamento com juros, amortizações e rolagem. A aliança com o capital financeiro e, subsidiariamente, com o agronegócio, levou a ações políticas bem definidas.”
 
Depois de várias considerações o documento conclui que “somos hoje oposição de esquerda aos governos petistas em todos os níveis – federal, estadual e municipal”. A direção do PSOL apresenta então o seu programa: 
 
“O lançamento da candidatura Dilma em ato promovido pelo PT, o discurso de Aécio no Senado, as declarações de Eduardo Campos e a definição do projeto Marina precipitaram a corrida eleitoral de 2014. Sabemos que todos são parte de um mesmo projeto, de manutenção do poder das elites que governam o país há séculos. Diante disto, o PSOL reafirma que terá candidatura própria, defendendo um programa anticapitalista, de norte socialista, em defesa dos trabalhadores e do povo, em oposição ao governo atual.”
 
E o programa “anticapitalista” de “norte socialista” tem os seguintes pontos:
 
“a. Fim da subordinação ao sistema financeiro. Taxação dos capitais, baixa dos juros, controle público sobre o Banco Central e o Conselho de Política Monetária.
b. Suspensão, auditoria e renegociação da Dívida Pública brasileira.
c. Nacionalização dos investimentos públicos aplicados em favor do capital privado.
d. Ampliação do financiamento público. Fim das isenções fiscais aos monopólios, do crédito do BNDES aos grandes grupos privados e das privatizações em todos os níveis do Estado.
e. Reforma Agrária radical, com assistência técnica e sem indenização aos latifundiários.
f. Anulação da Reforma da Previdência e fim do fator previdenciário;
g. Fim da Desvinculação de Receitas da União – DRU.
h. Defesa dos direitos trabalhistas, sociais e previdenciários.
i. Auditoria de todas as privatizações realizadas em áreas estratégicas (telecomunicações, energia, transportes, etc).
j. Defesa do meio ambiente. Anulação da reforma do Código Florestal, ampliação da legislação de proteção ambiental.
k. Reforma Urbana, com desapropriação de espaços para moradia popular.
l. Fortalecimento do Sistema Único de Saúde.
m. Ampliação radical do investimento em educação, com 10% do PIB e aumento das vagas oferecidas nas instituições federais.
n. Democratização dos meios de comunicação e aplicação de um novo marco regulatório.
o. Defesa dos territórios quilombolas e indígenas, dos direitos das mulheres e das minorias.
p. Defesa dos direitos civis da comunidade LGBT.
q. Combate à corrupção em todos os níveis do Estado.
r. Retirada das tropas brasileiras do Haiti”.
 
Um propgrama econômico rebaixado
 
Os dirigentes do PSOL tem razão quando apontam os elementos que caracterizam os governos Lula-Dilma: política de conciliação de classes, política economica com vistas a ganhar a confiança da burguesia, alianças com os interesses do capital fianceiro (política do superávit primário) e com a expansão do agronegócio. Mas a confusão começa quando apresentam alternativas. A começar pelo dito “programa anticapitalista de norte socialista” que nada mais é do que uma reedição tímida do programa “democrático popular” do PT nas campanhas eleitorais de Lula a partir de 1989 até 2002 e que pavimentou a avenida para a composição de governos de coligação com os partidos burgueses. É um programa típico pequeno burgues radical que nada tem de anticapitalista e socialista. Vejamos os principais tópicos.
 
A plataforma do PSOL começa defendendo o “fim da subordinação ao capital financeiro”. Propor baixar os juros e taxar os capitais são medidas necessárias de curto prazo, que devem ser defendidas, mas que não colocam a questão da subordinação ao capital financeiro. Medidas de curto prazo só são eficazes se apontam na direção da transição ao socialismo. O capital financeiro controla a economia como um todo, está articulado como dominante em todos os setores produtivos. Romper com o domínio do capital financeiro, e é disto que se trata, implica em colocar de forma nítida e clara a nacionalização sem idendenização dos bancos e do capital financeiro. Ou seja estatiza-lo e controlado democráticamente pelos trabalhadores. Um programa para ser verdeiramente anticapitalista tem que ir nessa direção.
 
É necessário dizer aos trabalhadores e ao povo brasileiro que a dívida interna e externa, cujo pagamento está assentada na política do superavit primário que compromete a metade do orçamento da União e que beneficia o capital financeiro, fazendo uma sangria dos recursos destinados à saúde, educação, transporte e a todas as reivindicações populares, devem ser abolidas. Romper com o capítal financeiro e com o poderio dos bancos privados significa não pagar a dívida e destinar estes recursos para atender as reivindicações populares. Mas isto o PSOL não fala nada disso em sua plataforma.
 
Mas depois das jornadas de junho, que levou mais de um milhão de manifestantes às ruas do Brasil inteiro, o PSOL faz um giro na sua política. Em 12 de julho, a Executiva do PSOL  nota divulgada nota afirmando que o partido passa a defender um plebiscito com maior participação popular  e dizendo o seguinte: 
 
“Queremos que o povo tenha o direito de escolher entre pagar metade do orçamento para os credores da dívida ou se prefere que este recurso seja utilizado para melhorar a saúde, educação e transporte público de qualidade”.
 
O programa apresentado pelo PSOL acabou atropelado pelos acontecimentos e o partido sai correndo atrás do prejuíso causado pela confusão política. Pois falavam antes das manifestações em “suspensão” e “auditoria da dívida pública”. Agora empurraram a questão para um plebiscito que vai na direção da proposta apresentada pela presidente Dilma. Veremos mais adiante a posição do PSOL diante dos recentes acontecimentos, mas por enquanto, vamos no ater a sua plataforma econômica, que é o que temos em termos de resolução escrita e aprovada pela direção do partido.
 
A plataforma do PSOL fala em:
 
“Nacionalização dos investimentos públicos aplicados em favor do capital privado” (…)  “ampliação do financiamento público. Fim das isenções fiscais aos monopólios, do crédito do BNDES aos grandes grupos privados e das privatizações em todos os níveis do Estado”.
 
O que estamos entendendo é que o PSOL está contra as privatizações, embora a questão não é abordada no texto como prioritária. Fica mais confuso quando lemos adiante a proposta de “auditoria de todas as privatizações em áreas estratégicas (telecomunicações, energia, transporte, etc.)”. Porque só nas áreas “estratégicas”? E as demais privatizações, nos serviços públicos, na Previdência e na saúde através das Organizações Sociais privadas, que foram implementadas pelos governos Lula-Dilma (apesar dos dirigentes do PT falarem o contrário) estão corretas? E para que “auditoria” de todas as privatizações?  Para discutir com a população se foram mal feitas ou bem feitas? Para verificar irregularidas? E se não for encontrado nada de errado então se justifica a privatização? Esta é uma falsa discussão provocada pela posição ambígua de fazer auditorias. É uma formula evasiva destinada a não colocar de frente de forma clara e consica a questão da revogação de todas as privatizações.
 
Uma das questões de princípio do movimento operário organizado é a defesa intrangisente da abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção. Os marxistas revolucionários combatem dentro do movimento operário organizado e dentro das organizações de massa, pela estatização dos grandes grupos capitalistas, dos monopólios e trusts privados e das grandes propriedades rurais do agronegócio. Estatizar não significa de forma alguma criar um paquiderme burocrático como querem fazer crer os ideologos da burguesia. Porque foi a própria burguesia, para atender seus interesses no marco do Estado capitalista, quem transformou as empresas estatais em monstros burocráticos. Estatizar significa, antes de mais nada, colocar as empresas públicas sobre controle direto dos trabalhadores através de uma gestão democraticamente centralizada por conselhos de trabalhadores. A direção destas empresas devem ser eleitas pelos próprios trabalhadores e não composta por burocratas nomeados em Brasília. Estatizar significa abrir um caminho para as rupturas necessárias para a abolição do regime da propriedade privada dos meios de produção ao se introduzir uma planificação econômica democrática, controlada pelos trabalhadores, os “produtores associados” conforme uma expressão de Marx, em oposição ao regime de economia de mercado, característica principal do modo capitalista de produção.
 
Dessa forma, não há lugar para ambiguidades na questão das privatizações. É uma questão de princípio dentro do movimento operário combater as privatizações como um passo necessário para avançar a luta pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. A plataforma do PSOL é tímida em relação às privatizações, provavelmente por causa da falta de acordo interno entre as diversas tendencias que compoem o partido, mas tambem porque evidencia uma concepção limitada ao pensamento pequeno-burgues adaptado à lógica de um regime social baseado na apropriação privada dos meios de produção. Nada tem de “anticapitalista” com “norte socialista”. Pelo contrário, não falar abertamente pela reestatização de todas as privatizações, escamotear a questão propondo “auditorias” é cair na posição de aceitar parcialmente as privatizações. É a mesma posição dos dirigentes do PT que acabaram capitulando perante o fato consumado das privatizações feitas pelo governos Lula e mais acentuadamente pelo governo Dilma. 
 
O governo Dilma, de coligação do PT com a burguesia, vem impondo uma onda de privatizações: leilões do pré-sal, estradas, portos, aeroportos, saúde, etc. E o PSOL que se proclama “oposição de esquerda” não tem uma proposta clara para orientar os trabalhadores. Como se explica na plataforma a omissão referente à defesa do monopólio estatal do petroleo?
 
É essa dubiedade do PSOL que levou o candidado à prefeitura do Rio de Janeiro nas últimas eleições, Marcelo Freixo, apesar de todo apoio que recebeu da esquerda e de militantes petistas sinceros que não queriam a coligação do partido com o PMDB, a declarar que se eleito “cumpriria todos os contratos”. Uma declaração feita para tranquilizar os empresários mas que entra em conflito com as reivindicações populares. Na questão do transporte municipal isto ficou evidente porque “cumprior os contratos” implica em não estatizar o transporte municipal e a se afastar na reivindicação popular de tarifa zero, um das reivinicações que mobilizaram as grandes manifestações de massa em junho. O que coloca o PSOL na contra mão dos acontecimentos.
 
A plataforma aprovada pela direção do PSOL certamente vai ser modificada quando ocorrer o congresso do PSOL marcado para fins de novembro. Mas em que direção vai girar o partido?
 
A plataforma fala em “reforma agrária radical sem indenização ao latifundio” e “assistência técnica” aos agricultores. O governo do PT, coligado com os partidos burgueses da “base aliada”, não só deu as costas à reforma agrária como fez pior: impulssionou uma mudança na economia brasileira na direção de uma plataforma agro-mineral para exportação com todas as consequencias que esta opção implica, em especial a redução sensível do setor industrial. Mas uma das consequencias mais nefastas desta política é que o agronegócio está encolhendo a agricultura familiar que é responsável por cerca de 80% do abastecimento das grandes cidades do país. A terra, que pertencia aos grandes proprietários rurais, está passando para as mãos das grandes corporações do agronegócio. Esta é uma das causas, entre outras, da alta de preços dos alimentos nos mercados e supermercados e que foi um dos fatores que provocou a revolta da população expressa nas grandes manifestações de massa em junho.
 
A questão agrária não pode ser abordada apenas pela reivindicação da “reforma agrária radical” como defende o PSOL. A situação mudou em relação a 30 anos atrás. É verdade que a reivindicação de terra para os camponeses que desejam cultivar continua válida na medida em que a propriedade rural continua sendo um monopólio das grandes propriedades privadas. Mas não basta reivindicar “assistência técnica” para os pequenos lavradores que desejam terra. A luta pela terra tem que estar associada a luta pelo trabalho associativo, ou seja, a luta para formar cooperativas de pequenos produtores, como forma de implementar a agricultura familiar e a se defenderem do avanço do agronegócio. Mas o grande problema hoje é o agronegócio. E o PSOL oficialmente não tem posição sobre o que fazer com as modernas fazendas capitalistas do agronegócio. A única resposta que os socialistas devem dar a esta situação no campo, que agrava cada vez mais o monopólio privado da terra praticado pelas empresas do agronegócio, está na socialização e na estatização das grandes fazendas, colocando-as sob controle dos trabalhadores.
 
Os acontecimentos de junho e julho estão mostrando que as massas querem as suas revindicações atendidas (transporte, saúde, eduçãção, salários) e o programa que o PSOL apresentou foi ultrapassado pelos acontecimentos. Questões importantes como a escala móvel dos salários e defesa da estabilidade no emprego, em um momento de avanço da crise economica, não são abordados na plataforma do PSOL. 
 
A saúde pública, cujo abandono pelo governo vem provocando a revolta da população, não pode ser abordada com a simples frase “fortalecimento do SUS”. Colocando a questão dessa forma, o governo está de acordo, os partidos da burguesia estão de acordo, a mídia está de acordo, todos estão de acordo. A presidente Dilma está apresentando planos de trazer médicos do exterior. Não se trata disso. O sistema de saúde está errado, O SUS está errado. O Brasil forma 17 mil médicos por ano e os hospitais públicos estão direcionados para atender aos grupos privados. Toda a saúde pública está sendo orientada para a privatização. O grito das ruas não aceita mais isso. As mudanças tem que ser já e não para daqui a sete ou oito anos como propõe o governo. A questão central consiste em criar um verdeiro sistema unificado de saúde pública, envolvendo toda a area de saúde existente no país: medicos, consultorios, clínicas, laboratórios e os hospitais. Isto significa adotar um plano de curto prazo de planificação pelo estado da saúde pública socializada, retirando assim o poder crescente dos grandes grupos privados da saúde.
 
Um programa tem que estar baseado numa compreenção comum dos acontecimentos e das tarefas. Um programa que não contempla isso, que precisa ser revisado a cada mudança da situação política, não serve para nada. Para o programa do PSOL resta o comentário feito por Marx na crítica ao programa de Gotha onde ele diz que “mais vale um passo real do movimento do que uma dúzia de programas”.  
 
A armadilha da “reforma política”
 
A crise política aberta por causa das grandes manifestações de massa em todo o Brasil levou o governo Dilma e a direção do PT a levantarem a bandeira da “reforma política”. Em um ato de completa cegueira política o governo se cala diante das reivindicações e, depois de tranquilizar os investidores e a burguesia garantindo o cumprimento das metas fiscais, acena com cinco pontos para um acordo nacional entre os quais se destaca a reforma política, Constituinte específica, plebiscito, financiamento público de campanha eleitoral. A popularidade de Dilma, de acordo com as pesquisas, despencou para 30% estourando uma nova crise com os partidos da chamada base aliada, especialmente o PMDB.
 
Neste contexto, a chamada “esquerda” do PT, ao invés de responder com uma política independente, caiu no canto da sereia. Juarez Guimarães, dirigente da Democracia Socialista (DS) saiu em defesa do governo do qual a sua tendencia participa feliz e adaptada com seus cargos no Ministério do Desenvolvimento Agrário:
 
“O que aconteceu em junho foi que a grande voz neoliberal, rearticulada pela candidatura Aécio, pode acusar, em tom de sublevação aberta, sem nenhuma resposta, o governo Dilma e o PT.
Se não se faz a denúncia aberta e pública dos neoliberais e se não se defende publicamente o governo Dilma como patrimônio do povo brasileiro, não se faz luta de classes. Sofre-se a luta de classes. Perde-se a luta de classes.
Dilma foi às ruas, pedindo o seu apoio ao plebiscito pela reforma política, reposicionando os compromissos do governo na educação e na saúde, tomando a bandeira da luta contra a corrupção, respondendo às reivindicações de melhores transportes públicos. É preciso agora que as ruas encaminhem-se em direção à Dilma, denunciando abertamente a desestabilização neoliberal, fortalecendo e radicalizando a luta por reformas estruturais e pelos direitos públicos” (Revista da Fundação Perseu Abramo nº 8, julho de 2013).
 
É incrível a capacidade de certos grupos, em função dos interesses de adaptação ao aparato burocrático do Estado burguês de falsificar os fatos. Aonde o governo “reposicionou os compromissos” com educação, saúde e transporte? O governo vai rever as privatizações em marcha acelerada nestes setores? O governo vai cancelar os leilões do pré-sal retomando o monopólio estatal do petróleo? Os recursos do pré-sal serem direcionados para a educação e a saúde é uma proposta muito discutível pois na verdade os grandes beneficiados serão as empresas privadas. A única resposta que o governo deu foi a de fazer reforma política. E mais nada!
 
A Articulação de Esquerda está em campanha defendendo a proposta da direção do PT. Já a Corrente O Trabalho aderiu também a campanha da reforma política, financiamento público da campanha eleitoral e ampliou a proposta do governo e do PT de “Constituinte específica” para uma “Constituinte Ampla e Soberana”.
 
E se não sair o plebiscito e a Constituinte específica, em função dos desacordos do PT com o PMDB, como é que a “esquerda” petista fica?
 
E o que está dizendo o PSOL? O deputado Ivan Valente, presidente do PSOL, declara, depois da reunião da executiva do partido ocorrida no dia 12 de julho, que é necessário um plebiscito mais amplo:
 
 “O PSOL está totalmente engajado na realização de uma profunda reforma política. Mas devemos ter claro que isso não basta. É preciso questionar o modelo de ‘governabilidade’ que mantém as políticas de Estado subordinadas a acordos espúrios e faz da política um jogo de interesses privados. Por isso queremos um plebiscito mais amplo, que dialogue com aquilo que as ruas demonstraram ser a sua insatisfação: o sistema político e os limites do modelo econômico”. 
 
A política do PSOL acabou no mesmo rumo dos outros, aceitando a reforma política. A presidente Dilma vai agradecer o apoio do PSOL. Em um momento em que as massas puseram em cheque “todos   os políticos” (conforme disse o burguês tucano Aecio Neves) estes senhores depositários do “norte socialista” ao lado da “esquerda” do PT saem em defesa de uma manobra política para salvar as instituições do Estado burguês.
 
O grande problema dessa gente é a incapacidade de pensar e formular política independente da última declaração dos dirigentes reformistas, das resoluções dos partidos reformistas e das manobras dos aparelhos burocráticos. Uma verdadeira política marxista e socialista não é feita em função dos giros dos dirigentes reformistas mas sim em função dos interesses reais das massas trabalhadoras, da realidade concreta da luta de classes.
 
Um dos aspectos mais evidente da virada da situação política brasileira está no fato de que as massas querem o atendimento das reivindicações. Não querem saber dos parlamentares e do Congresso Nacional. Não querem saber de prefeitos e governadores, estão indignadas com os previlégios e os altos salários dos políticos. É o que apontam todas as pesquisas de opinião feitas desde os acontecimentos de junho. A mais recente, feita pela Confederação Nacional de Transporte junto com o IBOPE indica que apenas 8% dos entrevistados concordam com a reforma política. Seguir por esta vereda é cair em uma arapuca montada pelo governo Dilma e pela direção do PT pois abertamente desconversam, quando não mentem, sobre o atendimento das reivindicações das massas.
 
É essa a política de “oposição de esquerda” praticada pelo PSOL em relação aos governos petistas em todos os níveis. Apoiando o plebiscisto? Apoiando a proposta de financiamento publico das campanhas eleitorais? Esta proposta é a negação da democracia pois quebra a independencia dos partidos colocando-os sob a tutela do Estado. Diz o ditado “quem paga a conta escolhe o menu”. Qualquer partido, para ser independente, tem que funcionar apenas com os recursos de seus filiados. Este é um princípio basico para uma organização partidária que se reclama do socialismo.
 
Se o PSOL fosse um partido sério estaria reivindicando, não uma reforma política e um plebiscito amplo para reformar as instituições, mas o rompimento do governo Dilma com a burguesia pelo atendimento das reivindicações. Mas isto o PSOL não faz. Até mesmo porque aonde ele é governo, como em Macapá, o prefeito Celio Luis (PSOL) foi eleito em uma coligação com o PCB e vários partidos da burguesia como PPS, PV, PMN, PTC e PRTB. É a mesma política dos prefeitos eleitos do PT.
 
Ultraesquerdismo, oportunismo e frente única
 
O PSOL fala que: “somos hoje oposição de esquerda aos governos petistas em todos os níveis – federal, estadual e municipal”. Outros partidos no campo da ultra esquerda também falam isso, como o Partido Socialista Unificado dos Trabalhadores (PSTU). Em editorial de sua página na Internet o PSTU diz o seguinte:
 
“Essa sacudida histórica está colocando a necessidade de uma nova direção para o movimento. Quem permanecer colado ao PT vai acabar se chocando com o que há de melhor existente nas lutas. Nesse país, nada será o mesmo depois de junho. Nem o PT.
Já estão gravadas na memória da população as imagens das passeatas gigantescas que se deram contra o governo Dilma. Na consciência de milhões e milhões de brasileiros, a referência das greves do ABC, que deram origem ao PT, vai ser substituída pela das passeatas contra o governo petista”. 
 
O que esta posição tem em comum com a do PSOL, com diferenças de enfase, se resume na orientação “abaixo o governo do PT”. A linha política “oposição de esquerda aos governos petistas em todos os níveis” aparentemente pode parecer correta, mas não é. Esta é uma posição esquerdista e sectária que desconsidera as ilusões das massas. O governo Dilma despencou na sua popularidade, segundo as pesquisas de opinião, desconversou sobre o grito das ruas e agora enfrenta até oposição na base parlamentar aliada. A direção do PT foi atropelada pelos acontecimentos, enfrenta uma crise profunda e não consegue sequer tirar uma resolução política, de acordo com o que ocorreu na última reunião do Diretório Nacional realizada agora em julho.  Os maiores partidos da burguesia, o PMDB (aliado do governo) e o PSDB (oposição) estão sofrendo férrea oposição das massas. Fora Cabral! Fora Alckmin! Vem se tornando constante nas palavras de ordem dos manifestantes no Rio e em São Paulo. A estratégia política levada a cabo pelos governos Lula e depois Dilma de governar com a burguesia e para a burguesia, expressa na formula “quanto mais capitalismo melhor” começou a ser impugnada nas ruas, pelas manifestações que reivindicam o atendimento das reivindicações. Depois das jornadas das centrais sindicais no dia 11 de julho, as greves começam a estourar por todo o país, apesar da plataforma limitada apresentada pela CUT. No entanto, apesar de toda a ebulição da situação política, Lula aparece em todas as pesquisas como o único político, em todo o Brasil, que em uma disputa eleitoral venceria no primeiro turno. A realidade não é tão simples como o PSOL e os grupos esquerdistas (PSTU, PCB, etc.) querem fazer crer.
 
O ultraesquerdismo caminha lado a lado com o oportunismo. O que geralmente eles esquecem que existe uma diferença muito grande em conhecer um caminho e caminhar por ele. O oportunismo busca sempre atalhos para resolver as questões da tática política. A avenida nem sempre está pavimentada para se caminhar nela. Buscar atalhos sempre leva a erros grosseiros. Não é um fato consumado a ruptura do movimento operário organizado com o PT. Não se explica a credibilidade eleitoral do Lula apenas pelo seu carisma pessoal. Existe um legado histórico do PT na consciencia das massas que persiste apesar da burocratização do partido e da política burguesa aplicada dentro do movimento operário. As relações históricas do PT com as organizações de massas, apesar de, sem dúvida alguma abaladas, não foram rompidas. É um legado que vem desde as greves operárias do ABC, da luta contra a ditadura, a campanha pelas Diretas Já, a oposição à Nova Rebública e aos planos economicos da burguesia, a Assembleia Constituinte de 88, a campanha eleitoral de Lula em 89 e depois o Fora Collor e a vitória eleitoral de Lula em 2002. Mas ao longo dessa trajetória a direção do PT seguiu cada vez mais o caminho da política reformista de colaboração de classes. As contradiões geradas entre as necessidades da luta do movimento operário organizado e a política dos dirigentes sem dúvida alguma apontam para o declínio histórico dessa liderança reformista. Mas as ilusões criadas por três décadas pela liderança do PT não se evaporam facilmente como esperam os sectários. 
 
Na época de decadencia do capitalismo grandes acontecimentos que exacerbam a luta de classes podem levar a eclosão de uma crise revolucionária onde o proletariado e suas organizações encontram condições favoráveis para a conquista do poder, rompendo com a ordem burguesa. Grandes acontecimentos abalam também as organizações operárias de massa controladas pelos dirigentes tradicionais do movimento operário, em geral dirigentes reformistas, que passam a ter a sua liderança ameaçada. A situação política no Brasil pode evoluir nesta direção. A tarefa de conquistar a maioria do proletariado e a sua vanguarda organizada passa por uma política correta de buscar sempre a unidade do proletariado e de suas organizações a partir da defesa de suas reivindicações. É o que chamamos de tática de frente única e que o PSOL junto com PSTU & Cia ignoram completamente.
 
Qual é o erro dessa política de “oposição de esquerda aos governos petistas em todos os níveis” que se transformou em “Abaixo governo PT”? É que o inimigo principal passa a ser o PT que deve então ser combatido, segundo a lógica dos sectários. Esquecem que o grande desafio dos períodos em que se instaura uma crise política no seio da sociedade capitalista – período em que o movimento das massas passa a ser um componente da situação política – consiste em ganhar a maioria do proletariado para o objetivo de expulsar a burguesia do poder. É por isso que é necessário uma política de unidade de ação do proletariado e de suas organizações em torno das reivindicações ao mesmo tempo em que se chama os dirigentes reformistas e ao governo de colaboração de classes do PT a romperem com a burguesia, com os partidos burgueses e com os ministros capitalistas.
 
Esse giro esquerdista do PSOL, que segue no mesmo caminho da política do PSTU e de outras organizações,  acaba reproduzindo a mesma política desenvolvida pelo Partido Comunista da Alemanha no período de 1928-1933. Nesta época o capitalismo em escala mundial enfrentava uma das suas maiores crises organicas. Na Alemanha, governada por partidos burgueses aliados do partido social democrata, o impacto da crise foi violento. O proletariado estava dividido entre o Partido Socialista (majoritário dentro da poderosa classe operária alemã) e o Partido Comunista, seção da Internacional Comunista. A falta de resposta por parte dos socialistas moderados, coligados com a burguesia, diante do avanço da crise economica, alimentou a reação de direita, especialmente a do Partido Nazista de Hitler. A direita ganhou as ruas e começou a conquistar o apoio de setores de massa arruinados pela crise econômica. O Partido Comunista, seguindo orientação de Stalin e da Internacional Comunista, passou a considerar o Partido Socialista como “social fascista” e a combate-lo como o principal inimigo. Os stalinistas diziam: destruiremos os sociais fascistas primeiro e depois acabaremos com os nazistas. Negaram o perigo da reação de direita e negaram qualquer acordo com o Partido Socialista. Ao se recusarem a formar uma frente única entre os dois maiores partidos operários da Alemanha, o PC e o PS, os stalinistas dividiram o proletariado alemão facilitando a vitória de Hitler em 1933
 
Agora estamos assistindo a uma política similar defendida pelos esquerdistas e sectários. No movimento sindical apostaram na divisão da CUT para criaram a seu gosto as suas “centrais sindicais revolucionárias”. Como não sabem combater os dirigentes moderados nos sindicatos, através de politicas de frente única chamando-os a luta e a apoiarem as reivindicações, preferem o atalho de dividir o movimento sindical, enfraquecendo assim a força da classe operária. E é a mesma coisa em relação ao PT. Por ocasião do julgamento do chamado mensalão pelo STF, onde ficou evidente uma política clara de criminalização sem provas do PT e de seus dirigentes, o que o PSOL, PSTU e outros fizeram? Ao invés de apoiarem um movimento contra a criminalização das organizações operárias fizeram coro com a mídia, a burguesia, combatendo o “inimigo” principal, o PT.
 
Como um pião o PSOL gira para a esquerda, gira para a direita mas não sai do lugar.