Protestos desmascaram a “harmonia social” sul-coreana

Outrora vitrine de êxito do projeto burguês de sociedade, a Coréia do Sul vive abalos sociais que expressam a crise econômica que se abate no país.

Nos últimos anos, poucos países foram tão exaltados pelos gurus da imprensa internacional como a Coréia do Sul. Sua economia era descrita como prova de que é possível harmonizar a economia de mercado e a qualidade de vida. As cidades do país, especialmente a capital Seul, quase sempre constavam nas listas de melhores do mundo para se viver. A educação sul-coreana, com seus bons resultados em testes internacionais, era apontada frequentemente como exemplo para os demais países.

Mas, como diria Karl Marx, tudo o que é sólido se desmancha no ar. E quando tratamos do nível de vida dos trabalhadores e suas conquistas, ainda mais em tempos de crise, essa frase torna-se ainda mais tragicamente verdadeira. Assim como ocorre com o resto do mundo desde 2008, uma das “meninas dos olhos” do capitalismo asiático, verdadeira vitrine de sucesso em um país outrora atrasado, encontra-se hoje à deriva no tempestuoso mar de incertezas e temores que dão o tom das relações econômicas internacionais.

E com a crise econômica, vem a instabilidade política. No mundo inteiro, o que antes era tido como parte do cotidiano, como a corrupção das autoridades eleitas, passa a ser combustível para protestos de massas. E na Coréia do Sul, com ampla história de grandes manifestações, o grande alvo da fúria popular são os escândalos que envolvem a atual presidente do país, Park Geun Hye, e seus assessores mais próximos, eles mesmos cercados de inúmeras controvérsias.

As histórias que envolvem o nome da atual presidente sul-coreana soam bastante familiares para o resto do mundo: Park é acusada de receber enormes somas em propina de diversas empresas nacionais. Além disso, uma de suas assessoras fantasmas, de nome Choi Soon-il, é acusada de utilizar suas conexões com o governo para pressionar diversos fundos e corporações a doar cerca de 69 milhões de dólares para duas fundações sob seu controle. Além dela, outros dois assessores também foram apontados como sendo parte do escândalo.

Mas como bem sabem os marxistas, a corrupção está longe de ser um mero resultado das ambições e maldades individuais. É uma parte intrínseca da ideologia dominante burguesa e, portanto, de seu sistema. Em todo o mundo, o número cada vez maior de escândalos envolvendo autoridades públicas, bem como a forma promíscua com que costumam a escapar de qualquer consequência mais séria, está contribuindo para escancarar a verdadeira natureza de classe do estado burguês aos olhos dos que até então possuíam ilusões nas leis e nas instituições. E na Coréia do Sul não é diferente.

A atual presidente, no poder desde 2013, é filha de Park Chung-Hee, ex-presidente e militar que assumiu o poder após um golpe militar em 1961 e ali permaneceu até ser assassinado em 1979. Na presidência, governou o país com mão de ferro, sendo um dos mais fiéis aliados dos EUA na região, ao ponto de enviar mais de 320.000 soldados sul-coreanos para apoiar a ofensiva militar americana no Vietnã. Em seu próprio país, a economia cresceu consideravelmente durante seu governo, principalmente graças ao baixo preço da mão de obra no país e à terrível repressão política. Isso foi organizado pela famigerada KCIA (Serviço de Inteligência Nacional), cujo diretor, Kim Jae-Gyu, seria o responsável pelo seu assassinato após 18 anos no poder.

Foi durante o regime de Park Chung-Hee que surgia a sinistra figura do pastor Soon Myung-Moon, criador da Igreja da Unificação, autoproclamado messias e figura próxima de autoridades mundiais, incluindo o ex-presidente americano Ronald Reagan. Moon foi escolhido pelo general Park para ser tutor particular de sua filha, que anos mais tarde, graças aos escândalos em que se envolveu, superaria até mesmo o pai na rejeição popular, alcançando inacreditáveis 89% na última pesquisa, lançada nos últimos dias, quando os protestos contra seu governo já ocupavam as ruas do país e em particular, de Seul.

E quem é a filha do pastor Moon que herdou dele a estreita relação com o governo? Ninguém menos do que a assessora Choi-Soon! As conexões criadas há décadas entre duas famílias poderosas sobreviveram ao tempo e às mudanças na história e chegaram aos atuais dias de crise. Certamente, tamanha proximidade já havia sido notada em diversos momentos no passado, mas em nenhum deles a polarização social e a instabilidade econômica alcançara os níveis que vemos hoje. As manifestações contra a presidente e seus associados refletem a enorme insatisfação popular com o sistema e seus tradicionais representantes, bem como um determinado desejo de mudanças. A frágil imagem de um país desenvolvido e harmonioso era vidro e se quebrou!

Cada vez mais, explosões de massas como essa é que vemos na Coréia do Sul se tornaram comuns. As massas ao redor do mundo não suportam mais a miséria em que o capitalismo colocou a imensa maioria da humanidade, e temem corretamente que o futuro reserve sofrimentos ainda piores. Mesmo hoje, milhões buscam uma alternativa ante a falência da política tradicional. A única saída é transformar a luta por cada um de nossos direitos no combate pela transformação socialista e revolucionária da sociedade, única ferramenta que pode dar fim às elites do capital que reinam sobre toda a humanidade.