Processado por tortura é novo relator do Projeto de Lei de Anistia?

Delegado Éder Mauro (PSD/PA) é integrante da chamada “bancada da bala” no Congresso Nacional.

A conjuntura mostra que a burguesia sabe jogar muito bem o xadrez, movimentando suas peças para setores estratégicos. Um representante da bala para discutir a criminalização dos movimentos sociais. Nada mais coerente.

O que é e por que apresentamos este PL?

Em setembro de 2014, apoiado pela Esquerda Marxista e o PCB, iniciou a tramitação do Projeto de Lei (PL) 7951/2014 que anistia os lutadores sociais criminalizados em todo o Brasil.

Apresentado pelos deputados federais Renato Simões (PT/SP), Erika Kokay (PT/DF), Fernando Ferro (PT/PE) e Amauri Teixeira (PT/BA) este PL visa barrar e reverter as perseguições crescentes contra a classe trabalhadora e a juventude.

O PL teve a participação da Esquerda Marxista desde sua idealização (conta também com o apoio do PCB) e tem como objetivo levantar a questão em todos os movimentos sociais e ajudar na realização da Frente Única em defesa da classe trabalhadora, da juventude e de suas organizações.

O PL pretende nos fazer refletir que é correto repautar a Lei de Anistia ao final da ditadura civil-militar, explicando como ela foi feita a não apurar realmente os crimes cometidos pelos militares, anistiando-os, equiparando os crimes por eles cometidos as condutas dos militantes durante este período histórico. De fato, é necessário pedirmos a revisão da lei de anistia. No entanto, nos questionamos sobre os presos, processados e condenados após a Lei de Anistia e a Constituição Federal de 1988. Pois se há prisões, condenações e mortes de militantes e líderes dos movimentos durante a ditadura civil-militar, será que também não há no período “democrático”? Por que seguimos prendendo, processando e condenando militantes que tão somente combatem pela defesa dos direitos sociais e das liberdades democráticas?

A escalada repressiva e a crescente criminalização das greves, das atividades sindicais, das ocupações de terra, das manifestações populares e da juventude já atinge milhares de pessoas Brasil a fora.

Leis como a “Lei de Segurança Nacional” (LSN), criada pela ditadura militar de 1964, ou a famigerada “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) e outras estão sendo brandidas contra os movimentos sociais tratando seus participantes como terroristas ou criminosos comuns. Todo tipo de legislação está sendo utilizada pelo governo federal, e pelos estaduais, pelo Judiciário, Procuradoria e juízes, pela polícia federal, civil, e PM, para dentar desmontar as lutas e principalmente desarmar a classe trabalhadora no futuro. Pela mão de Dilma Rousseff, o Brasil volta aos tempos tenebrosos em que os movimentos sociais eram simplesmente “casos de polícia”.

É passada a hora de reagir contra estas barbaridades. Ou o movimento operário e popular se defende ou será desmontado, passo a passo.

Buscando ajudar nesta reação contra tanta arbitrariedade antidemocrática dirigentes do movimento das fábricas ocupadas, deputados, partidos, dirigentes dos sem-terra, militantes da juventude, tem discutido a iniciativa deste Projeto de Lei (PL nº 7951/2014) de anistia, revogação de todas as condenações e processos contra pessoas e lideranças dos movimentos sociais, sindicais e estudantis que participaram de greves, ocupações de fábricas, ocupações de terras, ocupações de escolas, manifestações e atividades públicas.

O mesmo PL nº 7951/2014 revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN). Essa lei é emblemática da perseguição política em nosso país e em toda as Américas, já que foi gestada pela “Doutrina de Segurança Nacional”, do governo dos EUA, como uma orientação implacável de “luta contra o comunismo”. Hoje, a nova cara disso é a “luta contra o terror”, da qual passamos a ser também taxados de terroristas em qualquer manifestação nas ruas.

Assim, o projeto pretende contribuir para chamar a atenção de que a não revisão da lei de anistia reforça a lógica de continuidade da criminalização dos movimentos sociais, usando a Lei de Segurança Nacional e todos os instrumentos de repressão às lutas populares, da juventude e da classe trabalhadora.

Temos, portanto que o PL nº 7951/2014 “concede anistia às pessoas e lideranças dos movimentos sociais, sindicais e estudantis que participaram de greves, ocupações de fábricas, terras e imóveis, instituições de ensino, manifestações e atividades públicas, bem como revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN)”.  http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=622270

Há que se dizer que tal perspectiva cerceadora das liberdades democráticas se fortalece, ainda mais, com a Lei “Anti-terrorismo”, de iniciativa da própria Dilma.

Nesse sentido, o projeto é de grande importância e deve ser defendido, discutido e impulsionado por todos aqueles que estão nas ruas e nas lutas, desnudando esta bárbara sociedade e que seguem perseguidos por buscar construir uma nova sociedade, livre, justa e solidária.

Quem é o novo relator do Projeto?

Justamente comprovando a importância deste projeto, vemos que num cenário de polarização da luta de classes, os setores mais reacionários e conservadores não deixariam que esta nossa iniciativa ficasse “livremente tramitando”. Ao contrário, vimos que o projeto passou agora a ter a relatoria de ninguém menos do que um dos maiores expoentes da “bancada da bala”, de um processado por tortura. Vejamos.

Delegado Éder Mauro (PSD/PA) é integrante da chamada “bancada da bala” no Congresso Nacional. É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É delegado de segurança pública daquele estado.

O “nobre delegado/deputado” está sendo investigado pelo crime de tortura, que teria ocorrido em 2008 e envolveria um menor de idade, à época com 10 anos. O deputado é acusado de violar o artigo da Lei de Tortura que fala em “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.

O processo de tortura é o nº 0017859-70.2009.8.14.0401, que tramitava na Justiça Estadual, e que após sua eleição como deputado migrou para o Supremo Tribunal Federal, atrasando o julgamento.

Não é a primeira pendência de sua excelência junto ao STF. Mauro também é investigado por suspeita de extorsão em outro caso e é réu num processo por ameaça. O delegado e mais cinco policiais a ele subordinados são acusados de torturar, ameaçar e extorquir uma senhora, a pedido do então prefeito de Santa Izabel do Pará, Mario Kato (PMDB). Sob mira de fogo, a mulher e dois filhos receberam ameaça de morte, ao que a promotoria chamou de “trama abjeta” orquestrada pelo deputado-delegado e o prefeito.

De acordo com as investigações, ela teria sido atraída ao escritório do então prefeito da cidade de Santa Izabel, Mario Kato, para ser paga por uma dívida contraída pelo juiz do município, Augusto Cavalcante, quando foi abordada e agredida pelos policiais. A vítima e dois filhos teriam sido ameaçadas de execução sob a mira de armas de fogo.

O relatório do Ministério Público sobre o episódio menciona “intensa sessão de espancamento” e “violento sofrimento físico e mental, conforme comprovado pelo exame de corpo de delito realizado nas vítimas”. O grupo foi absolvido por falta de provas em 2013. Mas um promotor de Justiça apelou da decisão porque as testemunhas que depuseram a favor de Éder ou possuíam vínculos de amizade ou eram funcionárias do delegado.

“Tratou-se na verdade de uma trama mal-ajambrada entre o juiz, o prefeito de Santa Izabel e o primeiro denunciado (Éder Mauro), com o claro objetivo de subtrair da vítima as notas promissórias que comprovam a dívida do magistrado para com a vítima”, argumentou a promotoria.

Em sua página no Facebook, o deputado Éder Mauro disse que tudo não passa de “perseguições políticas por desespero de adversários”. Segundo ele, tudo o que ele fez e faz é “para defender a família paraense” e que “bandido deve ser tratado como bandido”.

Ou seja, é o cara adequado para ser relator do projeto de anistia proposto por nós. É rir para não chorar. Ou melhor. Não devemos nem rir, nem chorar, mas compreender. Ele foi escolhido “a dedo” para tal tarefa. Obstaculizar, de todas as formas, o presente projeto de lei.

Naquele dia dos horrores na Câmara dos Deputados, em 17 de abril, quando votavam pelo impeachment de Dilma, este parlamentar vibrou com a saudação de Jair Bolsonaro ao coronel Ustra, chefe da repressão na ditadura militar e condenado por tortura.

Em seu voto naquela trágica comédia do dia 17 de abril na Câmara de Deputados, Éder Mauro havia dito: “Em nome do meu filho Éder Mauro Filho, de 4 anos, e do Rogério, que, junto com a minha esposa, formamos uma família no Brasil, que tanto esses bandidos querem destruir com propostas de que criança troque de sexo e aprenda sexo nas escolas, com 6 anos de idade, em nome de todo o povo do Estado do Pará, eu voto sim”.

Voltando para Belém, no dia seguinte, foi recebido por cerca de 50 pessoas. Houve estouro de confetes e cartazes elogiando a atuação de Éder Mauro: “Democracia se faz com Justiça”, diz uma das pessoas que foram lhe receber. O deputado votou pelo impeachment da presidente. Olhando para a câmera, Eder Mauro falou duas vezes. Na primeira, diz: “Aí, galera, obrigado, nós estamos votando pela família, votando por esse país, para acabar com esse comunismo que só destruiu nosso país!” (grifo nosso). Na segunda, ele repete um trecho de sua justificativa de voto na Câmara: “Além de tudo isso, temos um governo que destrói famílias, com doutrinas para que crianças troquem de sexo sem autorização!”.

Pois é, vejam o nível do rapaz…

O deputado foi o mais votado do Pará nas últimas eleições, com cerca de 265 mil votos. O seu principal doador de campanha foi a construtora Odebrecht, com R$ 100 mil. Em seguida, veio uma doação de pessoa física, Marivaldo Pamplona da Silva: R$ 51 mil. Essa última foi questionada pelo Ministério Público Eleitoral, que constatou que o valor superava o total de rendimentos obtidos por Marivaldo no ano anterior ao pleito: R$ 49 mil. O juízo do TRE-PA chegou a aplicar, em dezembro do ano passado, uma multa de R$ 229,7 mil à campanha de Éder Mauro, além de pedir sua inelegibilidade por oito anos, mas o processo está em fase de recurso.

Não obstante, é certo que o deputado delegado responde também outro processo no comitê de ética por editar e divulgar um vídeo adulterado onde tentou denegrir a imagem do deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) distorcendo a fala do deputado numa sessão da câmara, onde o delegado-deputado mostra-se nervoso e alterado ao pedir a palavra.

Sua atuação como parlamentar é marcada pelos interesses da “bancada da bala”, com repressão aos direitos sociais e às liberdades democráticas, com pronunciamentos reacionários “a la Bolsonaro”, provocando o ódio e o desrespeito aos direitos humanos.

Em 17/2/2016, apresentou requerimento para ter uma audiência pública para que sejam discutidas e apuradas denúncias de ameaças terroristas, principalmente pelo meio cibernético, tendo em vista a ocorrência das Olimpíadas de 2016. Ou seja, sua “preocupação” com o terrorismo nos indica claramente como se posicionará sobre o projeto que apresentamos.

A luta continua, ganhando ainda mais importância

Portanto, diante da conjuntura existente, e pela manobra realizada para que o relator do presente projeto seja um dos maiores representantes da lógica da criminalização, longe de ter ilusões de sua aprovação, devemos é usá-lo para escancarar ainda mais as contradições do Estado Brasileiro que segue fortalecendo seus instrumentos de repressão às lutas sociais, criminalizando lideranças de movimentos sociais, da classe trabalhadora e da juventude.

Num cenário de profunda crise do capitalismo, e da necessidade da burguesia em que a classe trabalhadora pague a conta, com ataques diretos aos direitos historicamente conquistados, seja na relação capital-trabalho seja no sucateamento dos serviços públicos com contra-reformas e austeridade, devemos acompanhar as táticas dos reacionários para tentar frear as resistências contra suas imposições.

Acompanhe a tramitação: 

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=622270

Referências Bibliográficas:

http://www.camara.leg.br/Internet/Deputado/dep_Detalhe.asp?id=178908

http://oglobo.globo.com/brasil/investigado-por-tortura-deputado-mostra-chegada-como-idolo-apos-votar-no-impeachment-19135195

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,stf-abre-inquerito-contra-deputado-do-psd-por-tortura,10000006542

http://www.brasilpost.com.br/2016/01/10/eder-mauro-tortura_n_8950002.html