Os marxistas e a prostituição

O texto que apresentamos foi originalmente publicado na edição nº 55 do jornal Lucha de Clases, seção espanhola da Corrente Marxista Internacional (CMI), no mês de março.

A questão da prostituição, que sempre foi debatida dentro dos movimentos de mulheres, aumentou sua intensidade durante as assembleias preparatórias para a Greve Feminista do 8M na Espanha e neste texto, além das questões específicas das mulheres trabalhadoras daquele país, apresentamos nossa posição geral em relação ao tema.

Assim como no Brasil, o debate sobre a abolição versus regulamentação/regulação da prostituição está presente nos diversos movimentos feministas na Espanha e nós, como marxistas, apresentamos nossa posição em defesa da erradicação da prostituição e do sistema que a produz e explora: o sistema capitalista.

Boa leitura.

O debate sobre a prostituição não é novo dentro do movimento feminista. Por isso mesmo, nos meses que antecedem o 8 de março vemos um aumento nas polêmicas sobre esse tema dentro das assembleias de organização da Huelga Feminista[1] . Estes debates têm levado a enfrentamentos entre as denominadas abolicionistas[2] e as regulacionistas e até mesmo entre abolicionistas e prostitutas.

Nós marxistas somos contra a legalização da prostituição. Não aceitamos a ideia que defende a “liberdade” da mulher vender seu próprio corpo. Mesmo porque esta liberdade não existe. Mais de 80% das mulheres que exercem a prostituição o fazem obrigadas por traficantes de pessoas e cafetões. Uma quantidade muito pequena de mulheres, as que não são vítimas do tráfico de pessoas, exercem a prostituição sob condições de desespero, o que explica que a escolha não é livre.

Todas as mulheres trabalhadoras estão sob o jugo da exploração capitalista. Todavia, a prostituição é um caso de exploração extrema. Não podemos cair na armadilha de considerá-la um trabalho. O trabalho assalariado, até mesmo explorado, outorga a mulher maior independência econômica, permite exibir e desenvolver a destreza física e intelectual, contribui com o desenvolvimento das forças produtivas, cria as bases sobre as quais se apoiará a organização econômica que construirá o socialismo. A prostituição, ao contrário, não reflete um futuro de liberdade, mas a escravidão depravada da barbárie mais degradante.

Então os marxistas são abolicionistas? Para abolir algo, isto precisa ser “legal”. Porém a prostituição não é legalizada no Estado espanhol. Melhor seria falar de erradicar a prostituição. Sem dúvida, vivemos sob um sistema onde, mesmo em um país desenvolvido como a Espanha, milhares de pessoas vivem em condições miseráveis. Em um sistema onde tudo é passível de ser comprado ou vendido, onde o dinheiro está acima de tudo, tratar de erradicar a prostituição é uma utopia.

Enquanto não tivermos garantidas condições dignas de vida; enquanto não vivermos em uma sociedade com pleno direito ao trabalho digno; em uma sociedade em que não exista o risco de se perder a casa ou de se ter cortada a eletricidade; enquanto não tenhamos assegurada uma alimentação suficiente e assistência médica, as leis não poderão acabar com a prostituição. Sob o sistema capitalista e patriarcal sempre haverá homens que acreditem que têm o direito de possuir uma mulher sempre que desejarem e sempre haverá mulheres que não tenham outra saída além da prostituição para sobreviver.

Podemos concordar com a criação de leis que persigam os cafetões e multem as casas que explorem ou facilitem a prostituição, porém sabemos que isso não vai acabar com a prostituição. Por isso dizemos que não se trata de abolir a prostituição, mas de criar condições materiais para que as mulheres não tenham que recorrer a esse tipo de escravidão. E dentro do capitalismo estas condições não são possíveis.

Como discutir com as prostitutas?

É inevitável que nos espaços de discussão encontremos com defensores da legalização da prostituição ou até mesmo com mulheres prostitutas. De maneira nenhuma devemos enfrentá-las da forma como se tem visto. É necessário afastar as acusações sobre as prostitutas. Devemos defender nossas ideias de forma firme, com dados, tendo sempre em conta que sofrem a exploração mais cruel a que pode se submeter uma mulher. E é por isso mesmo natural que as prostitutas sintam a necessidade de organizar-se. Porém devemos explicar que a sua luta deve estar ligada à luta da classe trabalhadora em seu conjunto.

Em nosso programa defendemos a erradicação da prostituição, a garantia de emprego e a necessidade de um auxílio desemprego equivalente ao salário mínimo interprofissional[3] para toda pessoa desempregada e a assistência de saúde pública e gratuita. Todas essa medidas devem ser defendidas para toda mulher em situação de prostituição, não por serem prostitutas, mas por se tratar de direitos humanos básicos. Independente da condição particular de exploração em que a opressão capitalista coloca cada um.

Todas as pessoas precisam ter assegurada uma vida digna, sem que tenham de recorrer à prostituição para seguir em frente. Para isso, a classe trabalhadora deve lutar unida para construir uma sociedade em que todos tenham garantidas condições de vida onde não haja exploração de nenhum tipo e sejamos livres de verdade: uma sociedade socialista.

[1] Huelga Feminista: movimento vinculado ao feminismo espanhol, organizou há anos em 8 de março uma greve nacional de mulheres.

[2] Abolicionistas e regulacionistas: denomionam-se respectivamente os defensores da extinção da prostituição e os defensores de legalização da prostituição como profissão.

[3] Salário mínimo interprofissional: é o salário mínimo na Espanha que hoje é de 1.050 euros.

Tradução de Josiano Godoi.