“Os fracos sofrem o que devem?”, por Yanis Varoufakis

Em seu mais recente livro, E os mais fracos sofrem o que merecem?, Yanis Varoufakis (“o homem mais interessante do mundo”, de acordo com Business Insider) oferece um resumo da história econômica mundial desde o pós-guerra, passando pelo auge do euro e sua queda espetacular, junto ao seu próprio prognóstico e solução para a crise interminável do capitalismo europeu.

Em seu mais recente livro, E os mais fracos sofrem o que merecem?, Yanis Varoufakis (“o homem mais interessante do mundo”, de acordo com Business Insider) oferece um resumo da história econômica mundial desde o pós-guerra, passando pelo auge do euro e sua queda espetacular, junto ao seu próprio prognóstico e solução para a crise interminável do capitalismo europeu.  

Como se explica no livro, o título um tanto tosco se inspira em A Guerra do Peloponeso de Tucídides, da famosa passagem em que os arrogantes generais atenienses explicavam aos indefesos Melianos (habitantes da Ilha de Melos invadida pelos Atenienses em 416 a.C. durante a Guerra do Peloponeso) “seu direito” de “fazer com eles o que bem quisessem”, porque “os fortes, na verdade, fazem o que podem, e os mais fracos sofrem o que merecem”. Os Melianos respondem que é do interesse dos mais fortes mostrar misericórdia, visto que “vossa própria queda seria visitada pela mais terrível das vinganças, contemplada pelo mundo inteiro” – um argumento que Varoufakis reproduz em relação ao tratamento que a Grécia recebeu de seus credores alemães.

De acordo com Varoufakis, a chave para se corrigir as contradições e desequilíbrios implícitos na Zona do Euro (e em qualquer sistema baseado em taxas de câmbio fixas) é que “o forte”, ou seja, a Alemanha, aja em favor de seu “esclarecido interesse”, proporcionando um estímulo à economia grega (e a todos os demais estados deficitários), em vez de aplicar o atual programa devastador de austeridade.

O exemplo dado por Varoufakis é o da intervenção do Banco Central dos EUA para amparar o Estado de Nevada depois da crise de 2008. Segundo ele, é a falta deste mecanismo “político de reciclagem dos superávits” que condenou a Zona do Euro ao seu estado atual de crise.

Flertando com Keynes

Em muitos aspectos, o livro é uma carta de amor a John Maynard Keynes, cujas ideias servem de base à análise de Varoufakis sobre a crise do euro e às suas propostas de solução. Por esta razão, as perguntas que emergem da visão de Varoufakis sobre a economia mundial são essencialmente as mesmas que nos sugerem a perspectiva de Keynes.

Os modelos econômicos Keynesianos veem a economia de forma similar à forma como se entendia o funcionamento do Universo na época de Newton, no qual tudo se move de forma imutável e previsível, seguindo uma mecânica simples. Este simples “mecanismo de relojoaria” seria perfeitamente capaz de pôr em sintonia fina o capitalismo a ponto de resolver eficazmente suas contradições. Parece ter sentido. No entanto, a realidade do capitalismo é bastante diferente.

Quando o sistema fracassa, como aconteceu durante o colapso do modelo de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods nos anos 1970, ou se há de rejeitar o raciocínio formalista de Varoufakis (e de Keynes) ou se há que acrescentar agentes externos à suposta causa do problema. Varoufakis opta pela segunda alternativa, com a arrogância desempenhando o principal papel de vilão. De fato, a expressão “colapso sob o peso de sua própria arrogância” é utilizada várias vezes ao longo do livro como uma espécie de deus ex machina, de forma a explicar as crises inevitáveis que inviabilizam seu modelo.

Aparentemente, foi a soberba de arrivistas europeus, como a Grã-Bretanha e a França, que deteriorou “a administração global das finanças de Washington”, o que levou o governo Nixon a abandonar os acordos de Bretton Woods e deixou os europeus vagando no deserto – a lenda do pecado original do euro.

Da mesma forma, foi o orgulho do Bundesbank e de um inumerável grupo de funcionários europeus alemães que selou o destino desastroso do euro – apesar de isto já ter sido previsto pelo próprio Varoufakis –, que sofreu a mesma sorte de Cassandra na Ilíada, a princesa de Troia a quem foi concedido o dom de profetizar, mas que foi condenada a nunca ter crédito.

Limites do Estado-nação

Não está presente na análise de Varoufakis o fato de que no capitalismo os interesses nacionais criados sempre vêm à luz e que, em última instância, nenhuma instituição política pode ser totalmente independente destes interesses. Em geral, prevalecem as conveniências do Estado mais forte (como os EUA em 1944, e a Alemanha em 2015). A incapacidade das instituições, como o Banco Central Europeu (BCE), de agir em favor de seu “interesse esclarecido” tem pouco a ver com a arrogância de seus funcionários e muito a ver com a realidade das relações capitalistas e com a camisa de força do Estado-nação.

Outro aspecto vital da crise – insinuado por Varoufakis, mas nunca examinado seriamente – é a questão de classe. Varoufakis explica, com grande clareza, como o chamado “resgate” da Grécia não era mais que uma cortina de fumaça para tapar as brechas das contas dos bancos franceses e alemães com ainda mais dinheiro dos contribuintes – mas este ponto não é desenvolvido. Em um sistema no qual os interesses de uma determinada classe, de um determinado país (ou grupo de países), são diametralmente opostos aos interesses de outra classe, inevitavelmente haverá um conflito, o que só apresenta um ganhador possível. Foi isto precisamente o que ocorreu na Grécia, sob a perspectiva de Varoufakis.

Yanis Varoufakis vê com grande desdém a burocracia europeia, que “carece de valentia política e capacidade analítica para se posicionar sobre qualquer controvérsia”. Isto pode ser certo, mas não explica em absoluto porque um bando de ignorantes covardes foi capaz de esmagar o governo europeu mais esquerdista da história da União Europeia. A resposta a esse enigma, sem dúvida, radica nas vãs tentativas de Varoufakis e de seus colegas de convencer a classe dominante europeia a agir em favor de seu próprio esclarecido interesse.

Primeiro como tragédia, depois como farsa…

Depois de estabelecer o euro como uma empresa destinada ao fracasso desde o princípio, e que agora está submetendo países, como a Grécia e a Irlanda, a um interminável “afogamento fiscal”, Varoufakis desenvolve seus graves prognósticos sobre até onde nos conduzirão estas políticas.

Com relação ao auge da Frente Nacional na França, ao governo ultranacionalista de Victor Orban na Hungria e ao êxito de Amanhecer Dourado na Grécia (um partido nazista em um sentido muito real), Varoufakis adverte que, a menos que o euro salve a si mesmo, a Europa será desintegrada, dando lugar ao retorno dos horrores do fascismo e da guerra que assolaram a Europa e o mundo nos anos 1930.

Para evitar que isso aconteça, Varoufakis assinala que, em primeiro lugar, deve-se dar um fim à crise do euro e ao seu ciclo interminável de austeridade; e, em segundo lugar, que a Europa deve se democratizar a fim de sobreviver. Quanto à forma de lograr isso, Varoufakis adiciona uma Modesta Proposta, redigida em 2013, que recomenda que se estabeleça efetivamente um Novo Acordo Europeu, o que permitiria ao BCE imprimir dinheiro para investir em infraestruturas e compensar a falta de investimento privado na economia europeia.

Além do fato de que essa proposta está de alguma forma obsoleta à luz do programa de flexibilização quantitativa do BCE (o fracassado programa de compra multimilionária de dívida aos credores para que estes lancem o dinheiro recebido no investimento produtivo), também se coloca que uma depressão comparável a de 1930 só pode ser evitada mediante a aplicação das mesmas políticas que, de cara, não lograram terminar com a Grande Depressão.

Outros países, como EUA, Japão e China, aplicaram todo tipo de programas de flexibilização quantitativa similares nos últimos tempos, e tudo foi em vão. No entanto, Varoufakis pretende que a Europa repita uma experiência fracassada mais uma vez, à custa da classe trabalhadora.

No que se refere à democratização da Europa, é necessário um “grande estímulo democrático”. O que isto significa na prática, é deixado à livre interpretação do leitor. Não se menciona se tal estímulo teria que assentar em um movimento dos trabalhadores europeus nem que forma deveria tomar, apenas faz um apelo no abstrato para se construir a democracia com.… democracia!

Em última instância, este livro fala mais sobre o próprio Yanis Varoufakis do que sobre qualquer outra coisa. Depois de ter sido expulso por arrogantes poderosos, nosso protagonista regressa como profeta da destruição, embarcado neste livro como fiel estudante de Keynes e prevendo um futuro apocalíptico para aqueles que não seguirem seu prognóstico. Serviria este livro de base para um novo movimento de massas? Talvez não. Mas como uma tragédia grega de nossa época se ajusta muito bem.

Artigo publicado originalmente em 19 de abril de 2016, no site Socialist Appeal, da seção da CMI na Inglaterra, sob o título “‘And The Weak Suffer What They Must?’ by Yanis Varoufakis.

Tradução de Fabiano Leite.