Eric Reid e Colin Kaepernick. Foto: Marcio Jose Sanchez

Onda de protestos nos esportes mobiliza luta contra o racismo nos EUA

O último fim de semana foi marcado por protestos em diversas categorias de esportes nos EUA. Essas ações em repúdio à violência policial contra os negros, que consistem em ajoelhar-se durante a execução do hino nacional dos EUA, atingiram um novo patamar após o presidente Donald Trump apelar para a demissão de quem se manifestasse. Esses protestos em campo são uma ressonância dos protestos que seguem se desdobrando no país, contra a polícia e a violência que tem sido empregada, em especial, contra os negros.

Mais um capítulo na história de um país que é marcado pela segregação, em que uma guerra foi travada para pôr fim a escravidão. A Guerra Civil Americana não pôs fim ao racismo, a segregação após a escravidão foi aplicada através de leis estaduais batizadas de “Jim Crow Laws”. A luta por direitos civis se arrastou por décadas e, quase um século depois, essas leis segregacionistas caíram, depois de muita luta ao custo de vidas como a de Martin Luther King, Malcom X, Fred Hampton e tantos outros importantes lutadores.

Mais de 150 anos depois do fim da Guerra Civil centenas de “supremacistas” foram às ruas de Charlottesville na Virgínia contra a retirada da estátua do General Confederado Robert Lee de uma praça municipal. Diante das manifestações racistas, milhares de militantes de ativistas e militantes de esquerda também foram às ruas e organizaram uma contra-manifestação. Aos supremacistas, restou a violência que culminou com o assassinato da ativista Heather Heyer.

Antes dos fatos em Charlottesville, em agosto de 2014, o assassinato do jovem Michael Brown por um policial na cidade Ferguson, no Missouri, culminou em uma série de protestos diante das contraditórias declarações da polícia a respeito do que aconteceu. Em um primeiro momento, a justificativa teria sido o comportamento agressivo do jovem durante uma tentativa de assalto. O que se descobriu passava longe disso e o caso foi o estopim para as manifestações. Embora as manifestações tenham se dissipado, a morte de Michael Brown seria lembrada pouco tempo depois e daria início ao movimento que tomou conta das páginas de esportes nos EUA.

A origem dos protestos

O impulso para Eric Reid veio após o assassinato de Alton Sterling, em julho de 2016. O assassinato pelas mãos de dois policiais ocorreu na cidade natal de Reid, Baton Rouge, no estado da Louisiana. Naquela mesma semana, Philando Castile seria assassinado em uma ação policial na cidade de Falcon Heights, em Minnesota. A violência da polícia contra os negros gerou uma série de protestos em todo o país, mas o departamento de justiça norte-americano não acusou ninguém no caso de Sterling e um júri popular absolveu os policiais envolvidos no assassinato de Castile.

Embora Reid estivesse indignado com a situação, foi o seu colega no San Francisco 49ers, Colin Kaepernick que teve a primeira atitude ao ficar sentando no banco de reservas durante a execução do hino nacional. Após a sua manifestação, Nate Boyer, do Seattle Seahawks e membro do exército, procurou Karpernick e Reid para pensar como seguir manifestando sua indignação e assim chegaram a conclusão de que ajoelhados fariam um protesto semelhante a postura de uma bandeira a meio mastro (referência a como são hasteadas as bandeiras em luto ou protesto). A partir disso, vários atletas aderiram ao movimento e vêm se manifestando.

Uma resposta a Trump

Na última sexta-feira (22/09), Donald Trump criticou os atletas que seguiam o gesto idealizado por Karpernick e reforçou a posição no domingo, quando apelou aos torcedores que deixassem de assistir as partidas. Também chamou os clubes a demitir ou suspender os jogadores manifestantes. Além disso, afirmou que, se a liga organizadora do campeonato nacional de futebol americano (NFL, sigla em inglês) apoiasse os EUA, deveria seguir a sugestão que deu aos times da liga.

As declarações de Trump geraram uma onda de protestos e, no domingo, em um dos jogos mais importantes da rodada, entre Pittsburgh Steelers e Chicago Bears, os atletas do Pittsburgh Steelers permaneceram no vestiário durante a execução do hino. Na segunda a noite (25/09), os jogadores do Dallas Cowboys também se ajoelharam durante a execução do hino, com isso a estimativa é que mais de 200 jogadores aderiram aos protestos. A partida contra o Arizona Cardinal ainda foi marcada pelo locutor do estádio pedindo aos fãs que dessem os braços aos que estavam ao seu lado, em protesto contra Trump. Também na noite de segunda, o porta voz da NFL, Joe Lockhart afirmou que a liga defende o direito dos que querem se manifestar e que dezenas de pessoas o fizeram e não somente “alguns” moradores de Washington, em referência as declarações de Trump. É importante destacar que alguns proprietários de equipes apoiaram Trump e financiaram sua campanha.Agora estão protestando contra as declarações do presidente, não necessariamente por estarem de acordo com os protesto, mas pela pressão que vem dos torcedores, que surge na base, nas periferias e que a burguesia tenta afogar a questão de classe que está movendo tudo isso. A hipocrisia desses proprietários de equipe se reflete no fato de que até o momento Colin Kaepernick está sem contrato com qualquer equipe. E embora haja uma questão técnica, o fator determinante para a falta de contrato é política.

Além da NFL, a liga de basquete americano (NBA) também foi atacada pelo presidente. No fim de semana, Trump retirou o convite ao jogador de basquete Stephen Curry do Golden State Warriors à Casa Branca. É tradicional que os campeões de ligas, como NBA, MLB, NFL e Nascar visitem a residência oficial do Presidente após se sagrarem campeões, mas após as declarações de Curry, em que afirmava que não se sentiria bem visitando a Casa Branca com Trump na presidência, o próprio presidente retirou o convite. Após a atitude de Trump, o Golden State Warriors afirmou que não irá à Casa Branca. Além disso, Curry recebeu diversas mensagens de apoio, inclusive de um dos principais nomes da NBA atualmente, LeBron James, do Cleveland Cavaliers. LeBron já havia criticado Trump em outras oportunidades, em especial quando o presidente havia afirmado a culpa dos dois lados após os acontecimentos em Chalottesville. Na ocasião, o astro da NBA escreveu em sua conta no Twitter: “O ódio sempre existiu nos EUA. Sim, nós sabemos disso, mas Donald Trump acaba de fazer com que fique na moda novamente”.

Diante do revés, Trump apelou para a maior categoria de automobilismo americana, a Nascar. Em seu Twitter, o presidente dos EUA afirmou que estava orgulhoso da categoria e dos seus fãs por não apoiarem a onda de protestos contra ele. Embora nomes de peso como Richard Childress, dono de equipe, e Richard “The King” Petty, o maior vencedor na história da categoria, apoiarem as declarações de Trump, a onda de protestos também encontrou eco na categoria e não foi por um nome qualquer. Dale Earnhardt Jr, piloto da Hendrick Motorsports, filho de um dos mais importantes pilotos da história da Nascar (Dale Earnhardt Sr) e que é o piloto mais popular da categoria a quase 20 anos, tem uma opinião diferente dos proprietários de equipe. Além de Dale Jr, Chip Ganassi declarou apoio a posição do treinador Mike Tomlin do Pittsburgh Steelers, time que permaneceu no vestiário durante a execução do hino nacional. Ganassi que é natural de Pittsbug, é um dos donos de equipe mais bem sucedidos na história do automobilismo por ter vencido a Indy 500, Daytona 500, Brickyard 400 (dessa forma, foi o primeiro vencedor da “Triple Crown” das corridas americanas), 24h de Daytona, 12h de Sebring e 24h de Le Mans. Ou seja, seu apoio às manifestações tem um peso não só sobre a Nascar, mas ao automobilismo em geral.

Vale dizer que a Nascar e seus fãs têm uma forte identidade sulista. A origem da categoria é profundamente ligada aos Moonshiners (contrabandistas de bebidas durante a lei seca nos EUA). Para se ter ideia, a origem da categoria foi em corridas em circuitos improvisados em plantações. Essas corridas eram extremamente populares no sul e, quando a categoria foi criada por William France Sr, em 1948, fazia menos de cem anos que o país estava em guerra. O sul reivindicava a separação. Algumas décadas depois, o movimento pelos direitos civis levaria a discussão do racismo a outro patamar, mas naquele momento a segregação era profunda e ainda hoje não é difícil ver uma bandeira confederada em meio aos torcedores presentes nos autódromos. Em 1953, o piloto Wendell Scott (na foto acima) foi proibido de correr, embora seu carro estivesse devidamente inscrito na corrida, o motivo: Scott era negro. Depois de diversas tentativas, finalmente Scott conseguiu participar de corridas organizar pela Nascar, mas era necessário andar sempre escoltado para não ser agredido nos boxes. Mesmo quando venceu uma corrida em 1963, não subiu ao pódio e sequer recebeu o prêmio e o troféu em vida. É por histórias como a de Wendell Scott que é tão significativo que hoje o piloto mais popular da categoria se posicione contra Donald Trump.

Na MLB (Liga de Baseball) os protestos têm sido mais tímidos, mas não deixam de existir. Bruce Maxwell, do Oakland Athletics, se colocou de joelhos e teve apoio do seu colega Mark Canha, que colocou a mão em seu ombro durante o gesto. Maxwell é de uma família de militares e nasceu em uma base do exército na Alemanha, enquanto seu pai prestava serviço no país europeu. Afirmou que se manifestou pelas pessoas que não tem voz. Somado a sua origem em família de militares, há também o fato de que o Baseball é um esporte com participação muito pequena de negros. Menos de 10% dos jogadores. Portanto isso deu um tom ainda mais forte à manifestação de Bruce Maxwell.

Uma nova revolução a caminho

A história americana é uma história de grandes lutas, embora historiadores tentem cobri-la com a névoa burguesa. Os americanos lutaram contra seus colonizadores pela sua independência. Poucas décadas depois, a Guerra Civil assolou o país. O sul escravagista e latifundiário, com o apoio da Inglaterra, tentou dividir o país para que, entre outros motivos, a escravidão fosse mantida. A Guerra pôs fim a escravidão, sem dividir geograficamente os EUA, mas a segregação racial se manteve, como falamos no início do texto, e foi com unidade, organização e luta dos oprimidos que os direitos civis foram alcançados.

Agora vivemos, nos EUA e no mundo, um período de instabilidade política. A onda provocada durante a campanha de Bernie Sanders para ser candidato a presidente dos EUA demonstrou uma massa de jovens com disposição de luta. Durante a campanha de Sanders, a palavra socialismo estava no vocabulário das pessoas. Em um país onde a política anticomunista foi difundida por décadas, isso é um fato de grande importância.

Esses protestos como foi explicado antes, iniciaram após os assassinatos de Alton Sterling e Philando Castile em julho de 2016, ou seja, ainda sob o Governo de Barack Obama. Em mais de um ano do início dos protestos, as tensões criadas por Trump elevaram o nível da situação. Suas declarações após os acontecimentos em Charlottesville e o pedido de demissão dos jogadores manifestantes, elevaram os protestos a um novo patamar.

Uma nova revolução está sendo gestada. Mesmo onde nunca se imaginou, as mudanças estão acontecendo. Se o pequeno ato de se ajoelhar durante o hino pôde gerar uma onda de protestos envolvendo jogadores e torcedores nos estádios, a luta pelo fim do capitalismo poderá mover milhões.