Obama e o Congresso norte-americano

Em 2008, todos sabiam o que fazer: salvar os bancos. Mas agora, quem pagará a conta deste “salvamento”? Quanto tempo demorará até a fatura ser cobrada? Esta é, no fundo, a questão concreta que divide governos. É o enfrentamento na luta de classes.

O prêmio Nobel de Economia

A economia é, antes de tudo, uma ciência política. A maior demonstração disso deu-se na premiação deste ano do Prêmio Nobel de Economia.

Foram escolhidos três estudiosos que sustentaram a possibilidade de prever as crises a partir da análise de preços de ações dos títulos e imóveis. Todos eles estudaram o mesmo assunto, mas chegaram a conclusões absolutamente opostas. Um acredita que é possível prever a formação de “bolhas” (altas artificiais de preços que, em certo momento, vão “estourar”, como na crise de 2008 com os imóveis dos EUA). Outro acha que “bolhas não existem”.

É interessante ressaltar que esta é uma premiação “bastarda”, que não foi instituída por Nobel, mas pela Federação de Bancos da Suécia, que doou recursos financeiros à Fundação Nobel condicionando-o a este uso.

Parece contraditório?

Esta premiação apenas evidencia o impasse que a burguesia enfrenta para compreender o que aconteceu em 2008 e como enfrentar esta nova situação. De um lado estão os que acreditam no “mercado eficiente” (que não existem bolhas, apenas a movimentação normal do mercado) e querem jogar a toda a crise inteira, de uma só vez, nas costas dos trabalhadores. De outro, os que enxergam as “contradições” do sistema, os “problemas” que criam as crises e querem um modo mais “suave” de resolvê-los. Esta é, no fundo, a diferença que leva a esta estranha premiação. O terceiro ganhador do Nobel, que transforma em matemática estas duas teorias, apenas ressalta a impotência na qual se encontra a burguesia.

Da teoria aos fatos

Se a Academia de Ciências da Suécia tem dificuldades para conseguir sair desta confusão, a situação dos governos é pior. Eles não enfrentam apenas a crise que se expressa nos jornais e periódicos, precisam enfrentá-la por meio de resoluções, leis e orçamentos.

Em 2008, todos sabiam o que fazer: salvar os bancos. Mas agora, quem pagará a conta deste “salvamento”? Quanto tempo demorará até a fatura ser cobrada? Esta é, no fundo, a questão concreta que divide governos. É o enfrentamento na luta de classes. Afinal, na Grécia, por exemplo, fazer o que foi exigido do governo pode levar a um acirramento da luta de classes e a uma revolução. Por outro lado, demorar demais pode levar a uma nova crise econômica. Além disso, os setores da burguesia brigam, pois cada fração quer receber “o seu” primeiro.

Ou seja, os de cima não conseguem e os de baixo aceitam ser governados como antes. O resultado em nível mundial é uma situação que pode ser classificada como pré-revolucionária, onde qualquer movimento poderá levar a um estouro à esquerda ou a um golpe à direita. Nada está resolvido. O governo dos EUA demonstra isso.

A imprensa burguesa ressalta que tudo se deve a um “grupinho” de direita dentro do Partido Republicano, que não aceita negociar as coisas como devem ser. “Façamos bons negócios”, grita a burguesia americana. O problema é que com um cobertor curto, quando se cobre a cabeça se descobre os pés. Obama decidiu, depois de muito vai e vem, que a solução era entregar alguns anéis e manter uma política mínima de assistência social (e criar uma mínima de saúde, o “Obamacare”) para evitar o choque direto com as massas.

O problema é que parte da burguesia americana quer este choque, deseja-o e trabalha para que ele venha o mais rápido possível, antes que a classe trabalhadora possa se organizar para resistir. Este é o verdadeiro sentido da divergência entre Obama e o “Tea Party”, a ala radical do partido republicano dos EUA.

O resultado disso é a paralisia do Congresso, o fechamento de agências do governo, a imobilidade do governo todo, com uma ameaça de fechamento de todas as agências de “bem estar social” e de calote no mundo inteiro. Os banqueiros gritam aterrorizados, o FMI grita, o governo chinês grita, mas Obama e o Tea Party parecem não ouvir. O novo “acordo” significou apenas adiar o problema por três meses, até janeiro. O buraco, como diz o ditado popular, é mais embaixo.

Os EUA e o mundo

Ao contrário da lenda, os EUA já deram o calote antes. Nos anos 30 e 40, a dívida do governo dos EUA tinha uma cláusula prometendo o pagamento em ouro, caso assim fosse exigido pelos credores. O problema é que com a crise o governo não tinha mais esse ouro e decidiu, unilateralmente, pagar em dólares que foram desvalorizados em relação ao ouro. Na época, a Suprema Corte dos EUA decidiu por cinco votos a quatro que esta manobra era legal. Porém, ela foi muito parecida com a atitude da Argentina no final do século 20, que até hoje é altamente contestada pelos EUA e seus tribunais. Ou seja, ma mim tudo, para os outros a lei.

Isto pode ser feito hoje?

Poderia de uma forma organizada, mas há vários elementos que conspiram contra tal prática. O pior deles é que não existe unidade na burguesia dos EUA por esta saída. Ela significa jogar a crise nas costas do resto do mundo, mas o problema é que hoje a “polícia” do mundo são os EUA. Jogar assim com a crise é abrir a possibilidade de uma série de terremotos e furacões políticos. Afinal, como se comportará a China que é o maior “investidor” nos títulos dos EUA? Como se comportará o Japão que é o segundo maior investidor? Como ficarão as empresas dos EUA que transferiram sua produção para a China onde a mão de obra é super-explorada?

Exatamente por não ter estas respostas é que a burguesia dos EUA esperneia, reclama, bate o pé, briga entre si e tenta a qualquer custo resolver suas diferenças. Ela tenta evitar que o tiro desta crise volte em ricochete e a atinja pelas costas.  

O Brasil não é indiferente

Somos um dos maiores investidores nos EUA, depois da China, Japão e Inglaterra. Aqui as consequências de tal calote seriam imprevisíveis. Soa como piada a declaração do presidente do FMI, que todos os “emergentes” têm que se preparar para os choques que virão dos EUA. Prepare-se para o choque, diz o grilo para a tartaruga, quando se aproxima uma manada de elefantes correndo. Sim, mas exatamente o que pode fazer a pobre tartaruga além de esconder a cabeça e rezar para que ninguém pise nela?

Existe saída? Claro, mas ela é dura e difícil. Passa pelo combate decisivo contra o capitalismo, por uma nova sociedade sem exploradores e explorados. Combate este que precisa ser levado por milhares de trabalhadores no Brasil e nos EUA.