Fonte: Portal GCR

O direito à educação infantil pública e a emancipação da mulher

“Uma preta deformada aparece com o filho cinzentinho. Uma teta escorrega da boquinha fraca, murcha, sem leite. O avental encarvoado enxuga os olhinhos remelentos.
 — Gente pobre não pode nem ser mãe! Me fizeram esse filho num sei como! Tenho que dar ele pra alguém, pro coitado não morrer de fome. Se eu ficar tratando dele como é que arranjo emprego? Tenho que largar dele pra tomar conta dos filhos dos outro! Vou nanar os filhos dos rico e o meu fica aí num sei como.
Ninguém diz nada. Estão quase todas nas mesmas condições.”
(Trecho do livro “Parque industrial”, de Mara Lobo pseudônimo de Patrícia Galvão, a Pagú. 1932)

A educação infantil pública é um direito que está intimamente ligado à emancipação da mulher. Quando o acesso das crianças às creches não é garantido, também está sendo negada a possibilidade de sua mãe trabalhar, estudar, viver socialmente, ter acesso à cultura e ao lazer.

Na Plataforma de Luta pela Emancipação da Mulher Trabalhadora, desenvolvida pelo movimento Mulheres pelo Socialismo, lê-se:

O primeiro passo para a emancipação – e não o último – é a incorporação da mulher no trabalho social produtivo. Para Engels “a emancipação da mulher, sua igualdade de condição com o homem é e continuará impossível enquanto a mulher for excluída do trabalho social produtivo e tiver de limitar-se ao trabalho privado doméstico. Para que a emancipação se torne factível, é preciso, antes de tudo, que a mulher possa participar da produção em larga escala social e que o trabalho doméstico não a ocupe além de uma medida insignificante”.

Conhecendo a história

A preocupação com o cuidado das crianças teve aumento considerável com o desenvolvimento do capitalismo e a inserção das mulheres no mercado de trabalho. A própria visão sobre o que significa a infância se modificou ao longo do tempo, estando relacionada com o desenvolvimento econômico e com as relações de classe da sociedade.

No Brasil, as formas de atendimento à infância percorreram a catequização, os asilos para as crianças órfãs e índios, a roda dos expostos, entre outras práticas. Desde o início, esse serviço era baseado na filantropia, caridade e concepção de que a responsabilidade pelas crianças é da família, em especial da mulher – o que tornava o assunto um “favor” das senhoras ricas, do patrão ou do Estado. As teorias educacionais sobre a primeira infância, as leis e as práticas evoluíram ao longo do tempo, mas em um ritmo muito lento e com uma diferenciação de classe gritante.

Friedrich Fröbel, um pedagogo alemão do início do século 19, é muito conhecido na história da educação infantil pelo invento dos chamados “jardins de infância”, com uma perspectiva de “regar o solo fértil” e educar. Teorias e práticas como essa, no entanto, não chegavam aos pobres. Às crianças filhas de trabalhadoras restava o abandono, o trabalho precoce e índices elevados de mortalidade infantil.

Porém, o capitalista precisa que as mães possam trabalhar e que suas crianças minimamente  permaneçam vivas, pois são a futura mão de obra explorada. Ao mesmo tempo, a classe operária luta pela sua sobrevivência.

Assim, no início do século 20 no Brasil, a prática das rodas e das amas passou a ser desaprovada, sob uma perspectiva higienista, de nutrição e combate a doenças. Em seu lugar, proliferou-se a defesa da criação de creches – locais inspirados nas “Salles d’ asile” e “creches” francesas, essa última com o sentido de “manjedoura”. Esses lugares abrigavam crianças pobres para suas mães trabalharem. Eles diminuíram a necessidade de abandono e a mortalidade, mas ainda eram verdadeiros depósitos de crianças pobres sem nenhuma preocupação pedagógica, insalubres e insuficientes.

A primeira creche brasileira foi fundada em 1899, em uma fábrica de um setor da indústria majoritariamente feminino: a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, no Rio de Janeiro. Desse período em diante se proliferam creches nos grandes centros industriais do país. No entanto, diante da omissão do Estado, prevalecerá o caráter comunitário, privado ou filantrópico desse serviço.

Ao observarem-se os números atuais sobre a falta de vagas públicas no país (ver mais abaixo) é possível constatar que o Estado ainda não assumiu verdadeiramente a responsabilidade sobre a educação infantil.

Desde a fundação dos primeiros locais de acolhimento para crianças, a política sobre a educação infantil foi permeada pela ideologia de que as creches eram voltadas aos pobres, que a responsabilidade sobre as crianças é da família e que só podiam usufruir dessa caridade os filhos das mulheres trabalhadoras “de bem”. Até hoje, esse discurso se encontra presente nas entrelinhas dos critérios socioeconômicos que definem quais crianças e quais mães terão direito às poucas vagas públicas.

O trinômio entre mulher, trabalho e criança aparece registrado em toda referência histórica sobre as creches. Essa é uma relação dialética, porque, se é verdade que a mulher deve ter garantido seu direito à maternidade e que o capitalismo impõe a ela a exploração do trabalho junto à responsabilidade pela educação dos filhos, também é verdade que o trabalho é um direito da mulher e que é impossível pensar sua emancipação sem sua inserção na vida econômica da sociedade e sem que o Estado se responsabilize pela educação infantil.

A influência da Revolução Russa

Em 1917 explodiu a Revolução Russa, maior experiência já realizada pela classe operária mundial em direção à sua libertação. Esse evento influenciou os mais variados campos do conhecimento humano e a luta de classes em todos os países, incluindo o Brasil.

A emancipação da mulher e a educação foram preocupações de destaque da Revolução já nos primeiros anos. Avanços que só ocorreriam décadas mais tarde em países como o Brasil foram garantidos já nos primeiros anos do governo operário na Rússia. Foi o caso da licença maternidade de quatro meses. Além disso, o papel do Estado na educação foi ressaltado como condição para a igualdade entre todos os indivíduos desde a infância.

No livro “A Revolução Traída”, Leon Trotsky conta a grandiosa contribuição que a Revolução Russa deu ao mundo no que se refere à emancipação da mulher, ainda que o poder operário tenha enfrentado toda qualidade de dificuldades, em meio à guerra, à miséria e à crescente burocracia, que acabou por usurpar o poder dos trabalhadores:

A Revolução de Outubro cumpriu honestamente a sua palavra no que respeita à mulher. O novo poder não se contentou em dar à mulher os mesmos direitos jurídicos e políticos do homem, fez também – e muito mais do que isso – tudo o que podia, e de qualquer modo infinitamente mais do que qualquer outro regime, para lhe dar acesso a todos os domínios econômicos e culturais. (…) A revolução tentou heroicamente destruir o velho ‘lar familiar’ estagnado, instituição arcaica, rotineira, asfixiante, no qual a mulher das classes trabalhadoras era votada aos trabalhos forçados desde a infância até a morte. A família, considerada como uma pequena empresa fechada, devia ser substituída, no espírito dos revolucionários, por um sistema completo de serviços sociais: maternidade, creches, jardins de infância, restaurantes, lavanderias, dispensários, hospitais, sanatórios, organizações desportivas, cinemas, teatros etc. A absorção econômica da mulher, ligando toda uma geração pela solidariedade e assistência mútua, devia levar a mulher, e portanto o casal, a uma verdadeira emancipação do jugo secular.

Fortemente influenciada pela Revolução Russa, a classe operária brasileira intensificou nesse período sua organização, reivindicando redução da jornada de trabalho, melhorias salariais e outros direitos, dentre os quais estava locais de guarda para seus filhos. Em 1918, em decorrência da pressão dos trabalhadores, foi criada a primeira creche do estado de São Paulo, em uma vila operária da Companhia Nacional de Tecidos e Jutas.

O atraso secular

A primeira regulamentação do trabalho da mulher no Brasil só ocorreu em 1923, com a proposta de instalação de creches e salas de amamentação próximas aos postos de trabalho. No entanto, o atraso do Brasil no que se referia à educação infantil e ao não reconhecimento de que este é um direito também da mulher fica evidente nas conclusões do 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, de 1922. Estavam entre elas: combater a pobreza e a mortalidade infantil, atender aos filhos das trabalhadoras (mas com uma prática que reforçava o lugar da mulher no lar e com os filhos) e promover a ideologia familiar.

Em 1932, as creches passaram a ser obrigatórias em empresas com mais de 30 funcionárias acima de 16 anos. Na década de 1940, a Unesco, através da Unicef, começou a influenciar as políticas educacionais no Brasil, com recomendações de que fossem encontradas alternativas na sociedade civil para que o Estado não precisasse gastar com o atendimento à infância. Esses “conselhos” imperialistas sobre a administração do dinheiro público do país continuam presentes até os dias de hoje, sempre sob a perspectiva de priorizar o pagamento da dívida pública.

No que se refere à educação infantil, é importante ressaltar que a Unesco e a Unicef orientavam políticas de baixo custo (se possível pagas pelos próprios trabalhadores) e “compensatórias”. Essa última no sentido de compensar com o cuidado na primeira infância a miséria, a pobreza e a privação cultural, que gerariam “perturbações intelectuais, linguísticas e afetivas”. Com essa política, ignorava-se completamente o sistema capitalista, de desigualdade e exploração, a que os trabalhadores e seus filhos são submetidos. Vendia-se a ideia errada de que era possível compensar os males do sistema com a educação na primeira infância e se afastava a perspectiva revolucionária.

Nas décadas de 1970 e 1980 ocorre uma profusão do movimento popular e sindical, que exige o fim da ditadura e a instituição de direitos para os trabalhadores, dentre eles, mais vagas públicas na Educação Infantil. Nesse momento, a Unicef incentiva a criação de creches comunitárias, administradas por associações de moradores e movimentos populares. Essa foi mais uma armadilha, que cooptou muitas entidades de luta da classe operária para o assistencialismo e para o abandono da cobrança do Estado.

É resultado da pressão da classe trabalhadora também que, em 1988, tenha sido assegurada na Constituição Federal que a educação infantil é dever do Estado. O mesmo direito foi contemplado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. Porém, não bastasse o atraso dessas normas, elas nunca foram plenamente praticadas.

A partir dos anos 1990, as políticas educacionais do Brasil foram bombardeadas com a influência do Banco Mundial, que volta a incentivar o modelo de creches filantrópicas e domiciliares, bem como o conveniamento entre Estado e iniciativa privada. Essas orientações seguiam a mesma lógica já citada anteriormente de impedir o crescimento do aparelho do Estado para priorizar o pagamento da dívida pública. Também é da década de 1990, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, ditada pelo Fundo Monetário Internacional.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) incluiu a primeira infância na área da educação, até então vinculada à Assistência Social. Esse foi um grande avanço. No entanto, essa lei, considerada por muitos um marco democrático na educação brasileira, também foi extremamente influenciada por ditames do Banco Mundial e significou o início da destruição da educação pública brasileira, nunca realmente universalizada. Entre outros problemas, a LDB coloca o Estado como o segundo responsável pela educação, depois da família, o que, na prática, desonera o governo e desenvolve a iniciativa privada.

Em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE), que também aprofunda o incentivo ao financiamento da educação privada, estabelece na sua primeira meta a universalização da educação infantil na pré-escola para crianças de quatro a cinco anos até 2016. O mesmo documento determina a ampliação da oferta de educação em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até 2024.

Essas metas, além de extremamente benevolentes com o Estado, não têm sido plenamente cumpridas. Dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que a taxa de frequência de crianças brasileiras de quatro a cinco anos na pré-escola estava em 84,3%. No caso das crianças com menos de quatro anos, apenas 25,6% estavam matriculadas na Educação Infantil. Isso significa que aproximadamente 7,7 milhões de crianças brasileiras entre zero e três anos não estavam matriculadas no sistema de educação. Destas, os responsáveis por pelo menos 4,7 milhões de pequeninos manifestaram de alguma forma a intenção de matrícula. Quantas mães brasileiras estão neste momento impedidas de trabalhar, estudar e militar por uma sociedade melhor em decorrência desses números?

Esse problema atinge as cidades de todo o país, com diferenças por regiões, e está diretamente relacionado com a falta de recursos destinados à educação. Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o investimento em educação no país caiu 66% nos últimos cinco anos. A burguesia tenta jogar a conta da crise internacional do capitalismo nas costas da classe trabalhadora com reformas, como a do ensino, trabalhista, da Previdência e com a aprovação do congelamento de investimentos públicos pelos próximos 20 anos. Assim como no restante do mundo, os trabalhadores brasileiros reagem e a luta de classes se aprofunda.

A municipalização que precariza

A educação infantil é uma das etapas mais frágeis do sistema de ensino. Contribui para isso o processo de municipalização do ensino fundamental, iniciado na década de 1990. Com o governo federal priorizando a educação superior e os estados se limitando ao ensino médio (vide os fechamentos de escola), resta aos municípios darem conta de todo o ensino fundamental, o que prejudica principalmente o ensino infantil, que ainda não é totalmente obrigatório. A Plataforma de Luta pela Emancipação da Mulher Trabalhadora denuncia:

Essa política de responsabilizar apenas o município pela Educação Infantil faz avançar a privatização da educação, já que o poder público se ausenta cada vez mais do oferecimento de vagas em suas redes diretas, lançando mão da terceirização e de convênios com a iniciativa privada para atender a demanda. Isso quando na verdade o acesso à Educação Infantil é um direito de todos.

A realidade na cidade de Joinville

Em Joinville, Santa Catarina, onde Mulheres pelo Socialismo organiza uma luta pelo direito à educação infantil pública e a emancipação da mulher, as metas do governo também não foram alcançadas. Em 2016, ano em que, de acordo com o PNE, todas as crianças entre quatro e cinco anos deveriam estar matriculadas, o número realizado era de 82%. No estado, eram apenas 80,3%.

Mesmo esses índices insuficientes só chegaram onde estão por meio da maquiagem e do prevalecimento do setor privado. Isso porque, ao invés de construir centros de educação infantil públicos na quantidade necessária, o governo municipal tem priorizado a compra de vagas em instituições particulares com o sistema de conveniamento. Além disso, o atendimento em período integral foi praticamente extinto no município, o que impacta diretamente as famílias – sobretudo as mulheres – que em sua maioria não conseguem obter trabalhos de meio período.

Em agosto de 2016, o maior jornal da cidade, A Notícia, publicou:

Duas medidas foram tomadas no fim de 2015 e no começo de 2016 para cumprir a legislação: o fim do turno integral para crianças de quatro e cinco anos — havia cerca de 600 matrículas nessa faixa etária — e a priorização de matrículas para as crianças de quatro a cinco anos.

Em abril de 2018, a fila de espera para os centros de Educação Infantil de Joinville era de 6.367 crianças, considerando-se apenas as inscritas em listas de espera oficiais. Nessa data, havia 17.520 crianças matriculadas, sendo 6.668 entre zero e três anos e 10.852 na pré-escola. Desde o início do ano a prefeitura vem prometendo a abertura de mais 2.767 vagas: 616 com a inauguração de unidades públicas que estão em construção e 2.151 com a compra de vagas em creches privadas. Chegado o mês de junho, no entanto, isso ainda não aconteceu e, mesmo que acontecesse, a lista de espera de Joinville continuaria ultrapassando as 4 mil crianças.

Assista a reportagem aqui.

O direito é de todos

Diante da situação da falta de vagas, é comum que as prefeituras adotem critérios excludentes, como a obrigatoriedade de a mãe estar trabalhando, ter baixa renda etc. Na ponta do sistema, o desespero para priorizar quem mais precisa faz surgir outras regras não oficiais e extremamente erradas. É o caso da filha da secretária Mariceli Oliveira, de um ano e nove meses, que aguarda na fila de espera de Joinville por uma vaga no CEI. Após meses de demora, ela foi informada que a vaga não viria, porque há outra filha na casa, de 18 anos, que poderia cuidar da criança. Pouco importa ao sistema se essa jovem está em idade de entrar na universidade, procurar um emprego e viver sua vida.

O movimento Mulheres pelo Socialismo defende a abertura de vagas públicas na Educação Infantil, em período integral, para todas as crianças, sem nenhum critério de exclusão. Assim como a saúde, a educação deve ser um serviço público universal. Ela é um direito da criança, da mãe, do pai, da avó, das irmãs… E é um dever do Estado, independente de a mãe estar ou não trabalhando.

Permanece totalmente atual o preceito da Revolução Russa de 1917 de que a emancipação da mulher só é possível com sua participação econômica na sociedade, livrando-a da obrigação imposta a ela desde a infância até a morte sobre os trabalhos domésticos e o cuidado das crianças.

O problema do conveniamento

Como citado acima, toda a história das creches e da educação infantil no Brasil está ligada ao setor privado. Desde os anos 1940, por meio da Unicef, e nos anos 1990, por meio do Banco Mundial, os países imperialistas orientam os países atrasados a financiarem essa etapa da educação com convênios, comprando vagas. Os próprios tribunais de contas indicam o uso desse sistema para que os municípios não ultrapassem os limites de gastos com folha de pagamento estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Atualmente, tramita na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado o projeto de lei 172/2018, que permite o uso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para compra de vagas em creches privadas.

Essas instituições privadas trazem consigo o rebaixamento da qualidade do ensino, a contratação precária e sem qualificação, salários reduzidos, falta de estrutura, cobrança direta ou indireta dos responsáveis, desigualdade educacional entre as crianças que conseguem vagas públicas e as que ficam nas mãos de creches “de fundo de quintal” privadas, entre outros problemas.

Além disso, o conveniamento não significa, necessariamente, redução de custos. Em 2016 e 2017, a Prefeitura de Joinville gastou cerca de R$ 16 milhões por ano com a compra de vagas em instituições privadas de Educação Infantil, segundo o Portal da Transparência do município. Esse valor corresponde ao custo de construção de mais seis ou sete CEIs públicos por ano.

Não bastasse, as poucas obras em andamento têm seus custos aumentados pela demora. Uma reportagem da emissora NSC, de setembro de 2017, denunciava a existência de mais de 50 pedidos de prorrogação de obras iniciadas entre 2014 e 2016. Como cada vez que um contrato é postergado, os valores são reajustados e, na época da publicação da matéria, o preço desses atrasos já somava R$ 2,2 milhões – o suficiente para construir mais uma unidade.

As condições de trabalho no setor

Tanto no setor público quanto no privado a maior parte dos trabalhadores da educação infantil são mulheres. Essa realidade tem suas raízes justamente na ideia de que educação das crianças é responsabilidade feminina. Historicamente foi exigido dessas profissionais “vocação” e “trabalho por amor”, quase que por caridade. Esse elemento contribui para que, até hoje, os salários das etapas infantil e básica da educação sejam tão mais baixos que os de outras profissões.

Não bastasse, essas profissionais sofrem com a precarização das condições de trabalho e com jornadas exaustivas. A diminuição do turno integral, por exemplo, aumentou a sobrecarga de trabalho, pois professores que antes tinham 25 alunos passaram a trabalhar com 50 crianças divididas em dois períodos.

Outra questão importante é que essas trabalhadoras muitas vezes também são mães e, como qualquer cidadã, sofrem com a falta de vagas para seus próprios filhos. Da mesma forma que a personagem do livro de Patrícia Galvão, citada no início desse texto, elas cuidam dos filhos de outras pessoas sem ter onde deixar os delas.

A união da classe operária

Diante de tudo isso, o movimento Mulheres pelo Socialismo impulsiona nas cidades onde intervém a luta por vagas para todas as crianças em creches públicas. Da mesma forma, defende educação pública e gratuita para todos, em todos os níveis. Também está ao lado dos profissionais da área por suas reivindicações.

Ao mesmo tempo, não é possível dissociar essas bandeiras da luta de classes e da necessidade de derrubar o capitalismo, pilar central que sustenta todo o machismo, violência, e exploração. Nessa batalha, mulheres e homens trabalhadores precisam ir de mãos dadas, porque a união da classe operária é sua maior arma.

Juntos, construiremos o socialismo e acabaremos com todas as formas de opressão.

Enquanto vamos marchando, avançando através do belo dia,
um milhão de cozinhas escuras e milhares de fábricas cinzentas
são tocadas por um sol radioso que subitamente abre,
e o povo ouve-nos cantar: Pão e rosas! Pão e rosas!

Enquanto vamos marchando, avançando,
lutamos também pelos homens
pois eles são filhos de mulheres,
e como mães os protegemos.
Não mais seremos exploradas desde o nascimento até à morte
os corações mirram de fome, assim como os corpos.
Dai-nos pão, mas dai-nos rosas também!

Enquanto vamos marchando, avançando,
milhares de mulheres mortas
gritam através do nosso canto o seu antigo pedido de pão;
exaustas pelo trabalho, não conheceram a arte, nem o amor, nem a beleza.
Sim, é pelo pão que lutamos, mas também lutamos por rosas!
À medida que vamos marchando, avançando
trazemos conosco dias melhores.

Erguem-se as mulheres e isso significa
Que se ergue a humanidade.
Basta de agonia para o trabalhador e de ócio para o malandro:
o suor de dez que trabalham para um que nada faz.
Queremos compartilhar as glórias da vida: pão e rosas, pão e rosas!

Não permitiremos a exploração desde o nascimento até à morte;
os corações morrem de fome, assim como os corpos:
Pão e rosas, pão e rosas!”

(Queremos pão e rosas também. James Oppenheim, 1911)

Referências

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. São Paulo: Centauro, 2018.

GUIMARÃES, Célia Maria. A história da atenção à criança e da infância no Brasil e o surgimento da creche e da pré-escola. Revista Linhas. Florianópolis, v. 18, n. 38, p. 80-142, set./dez. 2017.

* Este artigo contou com a contribuição da professora Jamile Azevedo.