O capital à beira do precipício

Já foi pulverizado um valor-capital de US$ 25 trilhões. Onde estão os anticorpos para estancar a hemorragia? Falência da burguesia e da economia política vulgar.

A lei do valor trabalho é para a economia capitalista o que a lei da gravidade é para a Física. É por isso que todas as nossas principais expectativas teóricas e práticas expostas em nossos boletins dos últimos anos estão se realizando. Como? Da maneira mais concreta possível.

Tudo cai neste começo de Outubro. Maravilhosamente. Poucas vezes na história da economia mundial a lei do valor se realizou de maneira tão clara. Onde? No amplo espaço do mercado mundial, onde ela pode se realizar em toda sua plenitude. É a demonstração prática (mais uma vez) da atualidade da economia política dos trabalhadores, como o próprio Marx designava sua teoria.

Centro e periferia

Os mercados de capital (ações, títulos e outros “ativos”) de todo o mundo desabam neste momento em queda livre. O índice Dow Jones Industrial da bolsa de Nova York, depois de desabar absurdos 7% apenas no dia 9, quinta-feira, está neste início de pregão do dia 10, sexta-feira, caindo mais de 8%. Todos os índices da Europa, de Londres até Milão, desabam em torno de 10%. A bolsa do Japão já tinha sofrido idêntico desabamento na sessão de hoje, que no oriente fecha na madrugada.

Os chamados “emergentes” tombam de maneira ainda mais escandalosa que os dominantes. Rússia, Brasil, China, etc. são como pesos-pena nocauteados que não saem mais da lona. A direção da luta é obrigada a interromper a toda hora o circuito, tentar esfriar o pangaré e colocá-lo de pé para voltar ao ringue. Mas não adianta, desaba de novo para 12%, 15%, com a maior rapidez.

As bolsas da Rússia e da China literalmente fecharam as portas. Na semana passada, quando explodiu de vez a derrocada dos mercados, o governo chinês fechou as bolsas, alegando um pretenso “feriado nacional”. É bem provável que a Bovespa siga o mesmo caminho de se retirar da raia, talvez já na próxima segunda-feira, 13 de outubro.

É devido a essa fragilidade que nas extremidades do organismo burguês devem se produzir naturalmente as comoções políticas e sociais mais violentas da crise global antes de chegar ao coração, pois no centro as possibilidades de regulação e compensação são maiores que na periferia dominada sem moeda forte, sem grandes bancos, poderosos tesouros públicos, etc. As tão faladas reservas internacionais do Brasil (US$ 200 bilhões), por exemplo, cabem em um caminhão que o Tesouro e o Banco Central dos EUA despejam diariamente em Wall Street. O Japão injeta diariamente US$ 35 bilhões no sistema financeiro interno. No Brasil, quando o Banco Central injeta U$ 2,5 bilhões é um grande acontecimento.

Ao mesmo tempo, o fechamento dos mercados externos propiciados pelas economias do centro do sistema (principalmente de matérias primas, agro-exportação e outras montagens industriais à chinesa) provocam um abrupto desabamento das atividades industriais na periferia, onde a depressão do setor real chega muito antes e com muito mais violência.

Prazo de execução

O desabamento dos mercados foi mais acelerado nesta última semana do que na anterior. O MSCI World Index, que mede a evolução das principais bolsas de valores do mundo, sofreu a pior queda semanal desde que foi instituído, no começo dos 1970: quase 20% até quinta-feira. Neste ano, mais de US$ 25 trilhões foram pulverizados com as desvalorizações das ações globais. Quer dizer, já foi queimado neste ano um valor-capital equivalente ao dobro do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, à cinco vezes o do Japão, à doze vezes o do Brasil, etc. A verdadeira catástrofe ocorrerá no momento em que for incinerada uma massa de capital equivalente a toda a acumulação global realizada nos últimos quatro ou cinco anos de expansão do capital. Estamos muito próximos disso.

O índice Down Jones, da bolsa de Nova York, caiu na quinta-feira abaixo dos 9000 pontos. Na sexta-feira encaminhava-se rapidamente para os 8000 pontos. Aproxima-se do mesmo nível do pior momento do último período de crise periódica (2001-2002). Corresponde ao índice daquela massa de capital incinerada que falamos acima. Pelos nossos cálculos, como fizemos naquela conjuntura, ocorreria a falência geral dos órgãos entre 6000 e 7000 pontos. Quando o Down Jones cair para essa faixa o corpo econômico da burguesia poderá ser levado para o necrotério. E o cenário passará a ser ocupado por confrontos sociais no interior das nações e tensões bélicas crescentes nas relações internacionais.

No ciclo passado o capital escapou por pouco. Eram outras circunstâncias. Acompanhamos e depois relatamos toda aquela história em nosso livro “Império do Terror – Estados Unidos, ciclos econômicos e guerras no início do século 21”. Agora esse deadline do capital se aproxima com incrível velocidade. Se não desacelerar imediatamente, o infausto desenlace pode acontecer ainda neste glorioso mês de Outubro de 2008. Que Marx nos ajude!

Onde estão os anticorpos?

O organismo burguês parece estar totalmente sem anticorpos para estancar essa hemorragia fatal. Afinal, onde estão os famosos e moderníssimos instrumentos desenvolvidos pela burguesia para abortar grandes depressões econômicas, no modelo das clássicas catástrofes econômicas do século 19 e primeira metade do século 20? Como a mais famosa, de 1929? Já vimos em nosso boletim nº 41/2007 “Um tombo parado no ar”, 1ª semana de novembro/2007, como o lendário economista Paul Samuelson se refere, com toda a certeza do mundo, a esse assunto:

“O motivo para que possamos confiar em que não haverá desastre financeiro completo para o mundo ou os Estados Unidos é que os bancos centrais e os Tesouros governamentais modernos têm os poderes e o conhecimento necessários para limitar futuros danos”.

É assim que pensam todos os burgueses e todos os economistas do sistema. Pelo menos era assim até os últimos dias. O problema dessa gente é que eles não sabem a diferença entre dinheiro e capital, e muito menos entre preço e valor. Para eles o lucro de qualquer empresa é o “valor descontado” sobre todas as produções futuras e o capital é soma de todos esses “valores descontados”. Não é uma gracinha? E olha que esta é a mais interessante definição que eles têm de capital.

Os economistas entendem a economia capitalista como um enorme banco, e o capital como um mero papel, um título de dívida financeira que tem seu valor de face e que vai alternando seu rendimento de acordo com o “grau de confiança”, quer dizer, seu crédito no mercado, até a sua data de vencimento. Para a economia vulgar (principalmente em sua vertente keynesiana) a produção de capital situa-se na tesouraria dos bancos e, principalmente, nos cofres públicos e bancos centrais. É a visão burocrática do processo, que predomina nos governos, academias, mídia, etc. Por isso são tão impotentes frente à crise.

Pacotes e estatização

Para a economia política vulgar uma verdadeira crise monetária e financeira capitalista se resolve unicamente com dinheiro, ou melhor, com a “recuperação da confiança”. Fazem então uma grande confusão de diagnósticos e remédios. É por isso que confiaram tanto, até os últimos dias, que a pesadíssima crise atual de superprodução de capital, que apareceu embrionariamente no ano passado como uma crise de crédito do sistema imobiliário dos EUA, poderia ser estancada pelos instrumentos de expansão do dinheiro e do crédito do banco central.

Uma semana atrás, estavam novamente muito otimistas com a aprovação do badalado pacote de U$ 750 bilhões do governo Bush. Mas esse otimismo caiu por terra no mesmo momento em que foi anunciada a sua aprovação definitiva pela Câmara dos Deputados. As bolsas desabaram mais pesadamente que antes. Nesta última semana, iniciada no dia 6, pacotes gigantescos não pararam de ser anunciados pelo mundo afora. Tanto na Inglaterra, que lançou um pacote gigantesco de 500 bilhões de libras (US$ 867 bilhões), maior que o dos EUA, quanto nestes últimos, fala-se insistentemente em estatização de diversas fatias do sistema bancário dos dois países. As bolsas aceleraram a queda.

Na quarta-feira, finalmente, houve uma concertação entre EUA, União Européia, Inglaterra, Japão, e outras grandes economias do G7, para uma inédita redução instantânea das taxas básicas de juros das suas economias. Nunca tinha acontecido tal grau de colaboração entre as burguesias imperialistas. Qual foi o resultado? Exatamente o que já relatamos anteriormente: mais desabamento.

Coincidentemente, todos os momentos de curta duração de otimismo do mercado com os remédios aplicados por Bush, Paulson, Bernanke e tutti quanti foram invariavelmente revertidos com notícias de afundamento de grandes empresas industriais – General Motors, GE, Ford, Alcan, Rio Tinto, Exxon, Toyota, etc.

Na sexta-feira, 10, a Bloomberg.com noticia que “A Standard & Poor’s divulgou hoje que a General Motors, a Ford Motors e a Chrysler caminham para a falência [bankruptcy] devido à desaceleração da economia e depressão nas vendas de automóveis. A GM desabou para seu nível mais baixo em 58 anos e a Ford fechou no seu nível mais baixo desde 1982”.

A crise industrial tratorando tudo o que vê pela frente. Mas isso passa despercebido por todos aqueles economistas adeptos da “teoria da confiança”, que entendem os ciclos econômicos como uma interminável e monótona sucessão de “bolhas” especulativas. Desde os anos 1930 a catástrofe nunca esteve tão próxima. Já começou pelos frágeis sistemas ideológicos dos seus economistas. Saravá!

* Este texto foi publicado no boletim Crítica Semanal da Economia.

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