O atendimento à saúde pública é a fila da morte em Bauru

O Ministério Público Federal (MPF) efetuou levantamento e constatou que 581 pessoas morreram na fila de espera por uma vaga para internação nos hospitais existentes em Bauru entre janeiro de 2009 e junho de 2013.  Os pacientes deram entrada no Pronto-Socorro Central (PSC) e não conseguiram a remoção para leitos por falta de vagas nos hospitais.

O Ministério Público Federal (MPF) efetuou levantamento e constatou que 581 pessoas morreram na fila de espera por uma vaga para internação nos hospitais existentes em Bauru entre janeiro de 2009 e junho de 2013.  Os pacientes deram entrada no Pronto-Socorro Central (PSC) e não conseguiram a remoção para leitos por falta de vagas nos hospitais.
O procurador da República em Bauru, Pedro de Oliveira Machado, disse ter ficado “assustado com o número elevado de mortes e a repetição delas por anos devido à falta de vagas na rede pública”. O número de 581 óbitos no período, segundo ele, foi fornecido pela administração do PSC. De acordo com levantamento, foram 126 mortes em 2009; 118 em 2010; 135 em 2011; 119 em 2012; e 83 mortes até junho de 2013. “Todas ocorreram por falta de vagas e, como é algo que vem se repetindo há anos, podemos dizer que houve omissão de socorro, agora precisamos saber se essa omissão é dolosa ou culposa, mas de qualquer forma trata-se de um crime”, disse.
O município de Bauru é o responsável pela atenção básica (Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Saúde da Família, Unidades de Urgência e Emergência composta por uma rede de quatro Upas, um Pronto Socorro Geral e um Pronto Socorro Infantil).
Os atendimentos de média e alta complexidade, inclusive as internações hospitalares, são de responsabilidade do Estado que possui cinco unidades hospitalares instaladas na cidade. A gestão destas unidades hospitalares é efetuada pela FAMESP (FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MÉDICO HOSPITALAR), entidade jurídica de direito privado, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que tem sede na cidade de Botucatu /SP, e foi constituída por médicos do Hospital das Clínicas da UNESP instalado na cidade sede, e que recentemente foi enquadrada como uma Organização Social de Social. Os serviços de saúde  de responsabilidade do Governo do Estado foram privatizados na cidade.
A crise que ganhou contornos dramáticos vem se arrastando há alguns anos, o que levou o Ministério Público Estadual em 2007, a entrar com pedido liminar contra o Governo do Estado, para obrigá-lo a garantir as vagas para internação.
Operação Odontoma
No dia 29 de outubro de 2009, 60 policiais federais desencadearam a Operação Odontoma – ação do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Polícia Federal (PF) – para apurar a destinação de R$ 16 milhões obtidos em empréstimo junto à Caixa Econômica Federal (CEF), origem de honorários pagos aos cirurgiões-dentistas da equipe de bucomaxilo, aquisição de insumos, equipamentos e medicamentos e a compra e utilização de materiais cirúrgicos na Associação Hospitalar de Bauru (AHB), entidade que administrava o Hospital de Base. Na ocasião, toda a diretoria da instituição foi afastada e seis pessoas foram presas, mas, depois, liberadas.
Em 29 julho deste ano o MPF formalizou denúncia contra nove pessoas envolvidas no caso. Os denunciados foram investigados no principal inquérito do caso, que apura fraude nas fichas de atendimento ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS), no departamento de bucomaxilo do Hospital de Base (HB), dentro de possível esquema de desvio de recursos públicos, superfaturamento e cobranças indevidas de serviços que se tornou público após a deflagração da Operação Odontoma. Na denúncia oferecida pelo procurador federal Fabrício Carrer, eles são acusados de formação de quadrilha, peculato, estelionato, falsidade ideológica e subtração de documentos.
Responsabilidade do Governo do PSDB
Toda a diretoria da extinta AHB (Associação Hospitalar de Bauru) mantinha estreitas relações com a cúpula do PSDB, e era ligada ao Deputado Estadual Pedro Tobias, um dos caciques do partido em São Paulo que controlou por muitos anos esta Associação.
Os frutos desta gestão fraudulenta levaram ao sucateamento do Hospital de Base de Bauru, o único hospital de portas abertas que existia na cidade, e que hoje, sob administração da FAMESP, funciona com 47% de sua capacidade, o que agravou de forma substancial a falta de vagas para internação.
A FAMESP que hoje possui o monopólio da gestão das unidades hospitalares de Bauru também precisa ser investigada. Não são poucas as denuncias de desvio de finalidade no uso dos recursos do SUS repassados via convênio com a Secretaria de Saúde do Estado. E o mais grave, não existe nenhum controle de como estes recursos são aplicados.
Em audiência pública realizada na Câmara Municipal de Bauru, a Dra Tereza Pfeifer, Médica da Associação Hospitalar de Bauru e chefe do setor de hemodiálise do Hospital de Base denunciou uma série de irregularidades que estão ocorrendo na rede estadual de saúde. Segundo ela,“o Hospital Estadual de Bauru tem as portas fechadas, e escolhe os procedimentos cirúrgicos que devem ter preferência, empurrando pacientes com casos mais complexos e caros para o Hospital de Base”, instituição chamada pela médica de primo pobre, que não estaria dando conta da grande demanda, procedimento que conta com a participação da central de vagas.
Estes fatos foram encaminhados à Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, e o então Presidente Deputado Marcos Martins-PT convocou reunião específica para discutir o assunto, sendo que no dia o Deputado Pedro Tobias-PSDB, retirou a bancada do PSDB para que não houvesse quórum na Comissão. Mesmo assim, os vereadores Roque Ferreira-PT e Fabiano Mariano-PDT membros da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Câmara Municipal de Bauru, foram ouvidos pelos parlamentares presentes e puderam apresentar um relato completo de toda situação que já era crítica e agora se agravou.
Em resposta às ações o procurador deu prazo de 60 dias para o município, e de 30 dias para o Estado, introduzirem medidas para evitar mais mortes e atender os pacientes. O prefeito de Bauru, Rodrigo Agostinho-PMDB, decretou estado de calamidade pública na saúde, abrindo a possibilidade da compra de vagas na rede hospitalar privada. Ora, se a responsabilidade é do Estado, quem deve pagar por estas vagas é o Governo do Estado, que tem sido omisso em suas obrigações. Por outro lado, a medida do prefeito responde a uma situação imediata, porém é incapaz de garantir atendimento em quantidade,  qualidade e humanizado, para toda população.
O que fazer?
Esta é a fotografia do que ocorre na maioria dos municípios do país, e revela também a falência da política de saúde privatizada no Estado mais rico da União, o que nos leva a concluir sobre a necessidade de combatermos para que a saúde seja federalizada, que pelo menos 10% do PIB seja destinado ao seu financiamento, garantindo a implantação do Plano de Cargos e Carreiras Nacional para todos os trabalhadores da saúde que deve constituir uma carreira de Estado, com dedicação exclusiva ao SUS, com salários dignos e compatíveis com suas funções e responsabilidades com jornadas de trabalho humanizadas.
A permanecer a atual forma de pactuação, com responsabilidades dividas entre União, Estados e Municípios, a crise se aprofundará, e as mortes continuarão a ocorrer em filas de prontos socorros, em sua grande maioria mal instalados, mal equipados, com carência de recursos humanos, e sem a devida retaguarda hospitalar.