Não se pode reformar o capitalismo – deve-se derrubá-lo

O interesse no socialismo disparou nos últimos dois anos. Milhões de pessoas anseiam por mudança e querem lutar contra o capitalismo. Elas estão buscando ideias e uma organização que possam ajudá-las a fazer exatamente isto. Mas ainda não há nenhum ponto de referência viável, nenhum partido socialista de massas, nenhuma saída clara e confiável do edifício em chamas. Em consequência, a maioria das pessoas duvida que se possa levantar um desafio sério ao sistema e às suas instituições, e muito menos derrubá-lo totalmente. Isso explica o renascimento do interesse no reformismo.

Editorial de Socialist Revolution, número 4

Como marxistas, apoiamos toda e qualquer reforma que melhore as vidas dos trabalhadores e pobres, mesmo dentro dos limites do capitalismo. Mas há uma diferença entre lutar por reformas concretas que elevem a consciência, a confiança e a unidade de classe e acreditar que o capitalismo pode ser “reformado”. Não nos contentamos com uma forma de escravidão assalariada “mais amável, mais gentil”. Um sistema que não pode fazer uso produtivo dos diversos talentos de cada indivíduo para o bem maior e que condena milhões de pessoas à “inatividade forçada” não tem nenhum direito a governar sobre a maioria.

Também devemos entender que os programas de bem-estar social que existem são subprodutos da luta revolucionária e são mantidos unicamente para evitar a ameaça da revolução. Nosso objetivo histórico não é o de ganhar mais algumas migalhas para os desamparados, mas o de assegurar que todos no planeta tenham comida, roupas, abrigo, educação e vidas longas, produtivas e saudáveis.

Sem dúvida, o reformismo é a primeira etapa natural do despertar político. A ideia de que devemos tentar aliviar este ou aquele “excesso” do capitalismo parece a única coisa “pragmática” a se fazer. Mas há uma diferença entre o reformismo das pessoas médias, que ainda não podem conceber qualquer sistema que vá além do que elas experimentaram até agora em suas vidas, e o dos reformistas comprometidos que rejeitam conscientemente a necessidade de revolução ou, no melhor dos casos, adiam-na para um futuro indefinido. Não tendo nenhuma confiança em si mesmos ou na classe trabalhadora, eles despojam Lenin de sua essência revolucionária e abraçam as ideias do socialdemocrata alemão Karl Kautsky. Em última análise, como ocorre com todos os socialistas utópicos e reformistas, seu objetivo é “pressionar” os capitalistas e seus políticos a “fazer a coisa certa”.

No entanto, a história proporciona ampla evidência de que este é um beco sem saída. Como colocou sucintamente Leon Trotsky, “nenhuma quantidade de ‘pressão’ pode fazer a burguesia parar de ser burguesia: ela deve ser derrubada”. Sem esquecer que, em meio a uma crise orgânica do capitalismo, não há nenhuma base material para reformas, somente para contrarreformas.

Alguns à esquerda acreditam que tropeçaram com uma “terceira via” entre o reformismo e a revolução. Eles propõem que o caminho a seguir está em revitalizar as ideias da “New Left” [Nova Esquerda], especificamente as de André Gorz e seu conceito de “reformas não-reformistas”.

Bom, se o que querem dizer com isso é que uma reforma que não se limite ao capitalismo não pode ser plenamente realizada dentro deste sistema, ajudando, portanto, as pessoas a chegarem à conclusão de que uma revolução socialista é necessária, então esta seria efetivamente uma clássica “demanda transitória” socialista com outro nome. Mas não é isso o que querem dizer. Visualizam reformas que de alguma forma possam “desmantelar” este ou aquele setor estratégico da economia capitalista, “debilitando assim sua hegemonia” numa “guerra de posições” travada dentro dos limites do sistema.

Tome-se como exemplo a tão necessária luta pela assistência médica socializada e universal. Os ativistas que lutam por “atendimento médico para todos” de maneira abstrata – à margem da luta mais ampla por um partido socialista de massas e por um sindicalismo de luta de classes – terminam simplesmente tentando exercer “pressão” sobre os políticos capitalistas. O debate é uma forma importante de se conhecer e envolver os trabalhadores e de explicar as ideias do socialismo. Mas se o resultado concreto é simplesmente o de obter assinaturas para uma petição “exortando” os democratas a “fazerem a coisa certa”, então não se dá nem um só passo em direção à assistência médica universal, muito menos ao socialismo. Os democratas são um partido das grandes empresas. Eles não estão prestes a “desmantelar” as indústrias de seguros e provisão de saúde, que estão entre os mais rentáveis setores da economia capitalista. Semear qualquer ilusão no Partido Democrata é semear confusão e desilusão.

Os que defendem “reformas não-reformistas” também têm uma compreensão formalista do que é ou não é uma revolução. Em consequência, eles se concentram na chamada “guerra de posição” em vez de priorizar a construção de um partido revolucionário de massas independente de classe antes da revolução. Eles não têm nenhuma perspectiva dos futuros movimentos de massas dos trabalhadores, de um renascimento da luta de classes nos sindicatos e na política. Enquanto críticos do capitalismo, eles não explicam plenamente o sistema ou como ele pode ser mudado através da organização, mobilização e revolução da classe trabalhadora.

Eles não negam que o sistema está esgotado e é reacionário, mas o aceitam mesmo de má vontade. Esta é uma perspectiva de pessimismo cínico e rendição velada na linguagem da sagacidade acadêmica. A ideia de que os trabalhadores “não estão prontos” para o socialismo é um escape. Milhões de pessoas vieram em apoio ao apelo de Bernie Sanders por uma “revolução contra a classe bilionária”. Foi sua capitulação ao Partido Democrata que levou à abstenção em massa, aos votos de protesto e à eventual vitória de Donald Trump, e não a falta de entusiasmo pelo socialismo e pela revolução.

Felizmente para a humanidade, a consciência da classe trabalhadora pode, deve e vai se elevar de maneira explosiva, e isto mudará completamente a situação. Quando isso vai acontecer é impossível de se dizer com precisão. Mas na sociedade, como na natureza, condições similares levam a resultados similares. A tarefa dos socialistas é preparar-se meticulosamente para essas dramáticas mudanças na consciência.

Nosso papel não é o de tentar artificialmente “construir o poder da classe trabalhadora” ou de “precipitar” o movimento, mas o de nos prepararmos para ajudar a canalizar a energia reprimida da classe trabalhadora para uma mudança revolucionária vantajosa, quando ela inevitavelmente se movimentar para mudar a sociedade. Também não devemos esquecer que a traição é inerente ao reformismo. No último período, de um país europeu a outro os reformistas desempenharam o papel de descarrilar a energia revolucionária para trilhos seguros para o capitalismo, mesmo antes de chegarem perto do poder.

Numa época de crise e contrarreformas, “reformas não-reformistas” terminarão como o reformismo atual sem reformas. Como marxistas, devemos entrar em um diálogo amistoso e paciente com aqueles que têm ilusões reformistas honestas, mas que não são reformistas comprometidos. A maioria dos estadunidenses, mesmo na esquerda, nunca foi apresentada a um programa socialista revolucionário. Mas as ilusões no reformismo não podem durar para sempre. Os trabalhadores estadunidenses são pragmáticos por natureza e julgarão os partidos e os políticos com base em sua experiência. Em determinada etapa, se os revolucionários socialistas estiverem presentes em números suficientes para alcançar a classe trabalhadora mais ampla com nossas ideias, milhões abraçarão com entusiasmo a necessidade de uma revolução socialista. A tarefa dos marxistas é ajudar a encurtar o tempo necessário para que se extraiam essas conclusões – mas não temos todo o tempo do mundo para fazer isso.

Que o capitalismo passa por etapas diferentes de desenvolvimento é absolutamente verdadeiro. Mas propor, como o fazem alguns da esquerda, de que o que falhou foi apenas uma versão “neoliberal” do capitalismo é manifestamente errado. O capitalismo permanece capitalismo desde sua infância dinâmica até sua decadência senil. Baseia-se na exploração implacável do trabalho assalariado e está mais do que feliz em fazer uso de modos de exploração ainda mais cruéis em sua busca implacável de acumular, concentrar e expandir o capital. Argumentar a favor da continuação sob qualquer forma desse sistema é se contentar com o status quo de pobreza, ignorância, exploração e opressão.

Este é um momento em que o potencial objetivo para se construir uma forma inteiramente diferente de organizar a sociedade está amplamente evidente. Essencialmente, é isto o que significa o conceito de “capitalismo tardio”, que reflete a compreensão instintiva entre os jovens de que “a velha sociedade está grávida da nova”.

Em um artigo intitulado “Como ser anticapitalista hoje”, publicado na revista Jacobin, o autor conclui: “Desista da fantasia de destruir o capitalismo. O capitalismo não é destrutível, pelo menos se realmente quiseres construir um futuro emancipador”.

Os trabalhadores e os jovens estadunidenses podem prescindir desse tipo de aprendizagem derrotista. Um futuro melhor pode parecer inalcançável à medida em que avança a crise econômica, política e social e o que está por vir é ainda pior. Mas, como expressou o imortal revolucionário John Brown, “não me lembro de uma noite tão escura que pudesse impedir o próximo dia, nem de uma tempestade tão furiosa ou espantosa que pudesse impedir o retorno de um sol cálido e de um céu sem nuvens”.

É deste tipo de otimismo revolucionário que devemos estar plenos. Como explicou Leon Trotsky, a crise da humanidade é a crise da liderança da classe trabalhadora. Uma liderança ousada e com uma visão confiante do futuro socialista é o que devemos elevar. A história e a juventude estão de nosso lado. Quanto mais cedo obtivermos isto, mais cedo as futuras gerações viverão em um mundo de superabundância sem Estado, dinheiro ou compulsões de qualquer tipo. Junte-se à Corrente Marxista Internacional e ajude-nos a lutar por essas ideias no movimento socialista.

Artigo originalmente publicado em 24 de janeiro no site Socialist Revolution, da seção americana da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “You Can’t Reform Capitalism—It Must Be Overthrown“.

Tradução de Fabiano Leite