México: Rebelião estudantil contra a repressão e o autoritarismo

Milhares de estudantes participando em assembleias, comícios, impulsionando ocupações de escolas, debatendo sua realidade e cuidando de modificá-la. A atividade não se circunscreve somente à Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), também ao Politécnico[1] e à Universidade Autônoma Metropolitana (UAM). A origem: uma agressão covarde de bandos de repressão contra jovens estudantes dos Colégios de Ciências e Humanidades (CCH) em frente à reitoria na Cidade Universitária da UNAM, que se manifestaram no dia 3 de setembro passado. Foi a fagulha que incendiou o campo, a situação mudou em questão de horas.

Dias antes a ex-diretora do Colégio de Ciências e Humanidades de Azcapotzalco não imaginaria que apagar os murais da escola, que haviam sido pintados durante algumas mobilizações estudantis, ia lhe custar seu cargo, provocar um estalo e uma greve estudantil. A soberba de alguns funcionários de ensino não encontra limites. Acostumados a simplesmente mandar, fechados em sua bolha burocrática, deram essa instrução, e o descontentamento estudantil encontrou esse motivo para se expressar.

Também a falta de professores em alguns grupos do CCH foi a origem do conflito, que é uma constante nas escolas da UNAM. Faz algumas semanas, a assembleia de professores denunciou as condições precárias nas quais trabalham, os professores de licenciaturas plenas representam, aproximadamente, 75% da força de trabalho, recebem 90 pesos mexicanos por hora-aula[2] e só 5% conseguem 30 horas por mês. Além disso, entre as reclamações dos estudantes está a cobrança de 100 pesos mexicanos por inscrição[3].

A situação anterior se desdobrou em uma série de assembleias estudantis e a ocupação da escola que, dias depois, provocou a renúncia da diretora da instituição.

A solidariedade de estudantes da UNAM de diversos institutos começou a se manifestar desde o início. Houve atividades na maioria dos CCH, a Preparatória 5 foi ocupada e as ações derivaram na convocação de uma mobilização para o dia 3 de setembro, que chegaria à reitoria da universidade.

A mobilização se desenvolveu de maneira combativa, com um tom festivo, característica dos estudantes de nível médio superior. Ao chegar no Parque da Bombilla, estudantes de outras escolas da UNAM se juntaram e a mobilização chegou à Cidade Universitária e se confrontou com uma covarde agressão por parte de bandos armados com paus, pedras, fogos de artifício, armas brancas e bombas molotov. Encarregados de apoiar a UNAM participaram desta ação repressiva que, supostamente, cuidam da segurança da universidade. Como consequência da agressão, 14 estudantes ficaram feridos.

Os grupos reacionários se originam na década de 1940, quando interessava às autoridades de ensino, ao Estado e ao governo manter o controle das escolas, evitar movimentos estudantis, reprimir a organização estudantil independente, os grupos revolucionários e de esquerda internamente às escolas e às universidades. Fazendo uso de torcidas organizadas de futebol americano e lúmpens, formaram-se grupos de repressão com financiamento governamental para que exercessem o terror nas escolas. Historicamente controlaram e promoveram estes bandos que, por sua vez, têm relações com funcionários do ensino.

Uma agressão como a vivida no dia 3 de setembro passado não ocorre há, pelo menos, 15 anos. Os executores das agressões foram identificados, mas o movimento deve exigir que se esclareça quais foram os mandantes que, sem dúvida, encontram-se entre funcionários da universidade, do próprio governo da Cidade do México e do Governo Federal.

A resposta estudantil foi imediata. Horas depois foram convocadas assembleias na Faculdade de Filosofia e de Ciências Políticas, que combinaram impulsionar paralizações e ocupações de instalações. No dia seguinte mais de 30 faculdades, preparatórias e CCH realizaram múltiplas assembleias onde decidiram paralizações de 24, 48 e 72 horas, ou por tempo indeterminado. Também no Politécnico e na UAM foram convocados comícios, assembleias, jornadas informativas e ações de protesto. Uma nova manifestação foi convocada em frente à Reitoria e uma Assembleia Universitária para coordenar a luta. Os sucessos se sucederam muito rapidamente. Milhares de estudantes se envolveram nas ações de repúdio à repressão.

Mais uma vez o setor estudantil se expressa massivamente. Assim ocorreu nos últimos anos, a juventude e os estudantes se expressam nas ruas, revelando sua raiva e descontentamento com a situação atual da sociedade, contra o regime corrupto, contra os feminicídios, a corrupção, a crise econômica, contra as reformas estruturais. A juventude e os estudantes foram um setor bastante ativo nas recentes lutas.

A radicalização de amplas camadas da juventude e dos estudantes é um fato evidente, e não é para menos, pois foram o setor mais atingido pela crise econômica, pela violência e pelo desemprego. As expressões de luta como esta reflete um profundo descontentamento entre amplas massas de estudantes e jovens que procuram canalizar sua raiva por meio da luta e da organização, com medidas contundentes e radicais.

Fenômenos como o de agora se desenrolarão de maneira constante no cotidiano. Não há saída para os problemas da juventude sob o atual sistema. O movimento atual é inspirador, cheio de frescor, sem formalismos ou vícios burocráticos. Milhares de jovens estão procurando alternativas políticas e de luta para seus problemas concretos.

Combater a violência do Estado e dos funcionários de ensino

A agressão de 3 de setembro passado impactou não somente as escolas. A nível nacional a notícia se espalhou rapidamente. Incidentes violentos nas imediações da Cidade Universitária não são um fato cotidiano. Os acontecimentos impactaram além dos muros da universidade.

A violência é um ato que a classe dominante usa para evitar que a luta de classes se aprofunda, para impor um modelo econômico e político brutal para a grande maioria da população. A violência é o único tipo de relacionamento que autoridades e explorados podem manter entre si nesse momento.

Para milhares de estudantes agora é claro que as autoridades universitárias e o Estado usam a violência para evitar os conflitos estudantis. Não têm remorso de utilizar bandos de repressão para combater ao movimento estudantil. Corretamente as assembleias pediram a renúncia de alguns funcionários universitários.

As autoridades têm relatórios de quem são, como atuam e quem os paga. Não os combaterão para valer porque alguns deles estão envolvidos na promoção dos bandos de repressão.

Historicamente se demonstrou que a erradicação destes grupos não aconteceu pela boa vontade das autoridades, mas pela ação organizada e variada dos estudantes.

Nos grêmios e centros acadêmicos, nas salas de aula, deve-se promover a criação de brigadas de autodefesa, incluir professores, trabalhadores e pais nesta ação. Os bandos de repressão podem ser varridos pela ação coletiva e organizada.

Além disso, deve-se ir a fundo na situação. Os bandos não têm a capacidade de existirem sem o financiamento que provem do Estado. Deve-se investigar o apoio de políticos do PRI[4], do PAN[5], do PRD[6], de funcionários do governo local e federal para este tipo de grupo.

Os bandos de repressão não serão erradicados pelo Estado pois os promove, mas pela ação consciente dos estudantes.

Por uma alternativa revolucionária ao movimento estudantil

Os estudantes foram um fator fundamental nas lutas dos últimos anos. A luta do movimento #YoSoy132[7] em 2012, as mobilizações pela apresentação com vida dos normalistas em Ayotzinapa e a greve no Politécnico em 2014, são uma mostra disso.

Alguns setores do movimento estudantil procuram alternativas radicais na luta, suas palavras de ordem se elevaram para combater o Estado, o governo e o autoritarismo. Instintivamente tentam orientar a luta contra o sistema atual. São conclusões importantes que devem ser levadas até suas últimas consequências.

A construção de uma alternativa revolucionária, anticapitalista e socialista dentro do movimento estudantil é uma tarefa pendente. Os estudantes marxistas que se organizam em La Izquierda Socialista estão participando ativamente nesta luta, por meio das Juventudes Marxistas, do Comitê de Luta Estudantil do Politécnico e da Liga de Mulheres Revolucionárias na UAM, na UNAM e no IPN.

Resgatar as tradições do movimento estudantil é uma tarefa importante. Vincular a luta das escolas com a luta da classe trabalhadora é parte da herança de 1968 que deve ser recuperada[8]. Também é uma tarefa do movimento estudantil a formação ideológica para compreender o funcionamento do sistema e lutar contra ele.

Converter o movimento em uma força organizada na luta contra o regime corrupto e o sistema, formar quadros políticos para conformar uma agrupação revolucionária e socialista, é outra das tarefas dos movimentos estudantis.

Fazemos um fraterno convite para aprofundar e debater estas ideias, para buscar essa alternativa necessária ao interior do movimento.

[1] Instituto Politécnico Nacional (Nota do Tradutor – N.T.)

[2] Cerca de R$18,90 a hora-aula (N.T.).

[3] Por volta de R$21,00 por inscrição (N.T.).

[4] Partido Revolucionário Institucional, surgido após a Revolução Mexicana de 1929, inicialmente com o nome de Partido Nacional Revolucionário (PNR), modificado para Partido da Revolução Mexicana (PRM) em 1938 e chegando ao atual nome em 1946. Para saber mais sobre as consequências da Revolução Mexicana, leia o artigo A constituição de 1917 e o triunfo da burguesia na revolução mexicana, de Carlos Marques, publicado na revista América Socialista nº. 10, lançada pela Esquerda Marxista e disponível para venda na Livraria Marxista (N.T.).

[5] Partido Acción Nacional (Partido da Ação Nacional), de direita, fundado em 1939 (N.T.).

[6] Partido de la Revolución Democrática (Partido da Revolução Democrática), de centro-esquerda, surgido da fusão de pequenos partidos de centro e esquerda juntamente com membros saídos do PRI (N.T.).

[7] Vídeo no Youtube em reposta a declarações políticas feitas por Enrique Peña Nieto na mídia burguesa acerca de manifestações estudantis em 2012 (N.T.).

[8] Para saber mais acerca dos movimentos estudantis no México em 1968, leia o artigo México: o movimento estudantil de 1968 na revista América Socialista nº 12, lançada pela Esquerda Marxista e disponível para venda na Livraria Marxista (N.T.).

Artigo publicado pelo La Izquierda Socialista, seção mexicana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “México: Rebelión estudiantil contra la represión y el autoritarismo”, em 5 de setembro de 2018.

Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira