Foto: Socialist Revolution

Karl Marx está vivo e cheio de saúde

Há dois séculos, nascia uma criança cujo nome faria com que as classes dominantes do mundo temessem uma revolução comunista. E, no entanto, apesar de seus esforços centenários para desacreditá-lo, zombar dele e distorce-lo, o espectro de Karl Marx continua a assombrá-los. A razão é simples: Marx tinha razão! Mais do que nunca, seus livros, panfletos, discursos, notas e cartas proporcionam uma riqueza incomparável de ferramentas ideológicas e práticas para a classe trabalhadora em sua luta por um mundo melhor.

Tome-se, por exemplo, o “Manifesto Comunista”, publicado pela primeira vez há 170 anos enquanto as revoluções explodiam por toda a Europa. Cada linha está impregnada de significados à medida em que Marx, e seu amigo e colaborador de toda a vida Engels, nos guiam através da gênese e difusão do capitalismo por todo o planeta. Numa prosa musculosa, mas sem perder o lirismo, eles esboçam as contradições internas que com o tempo levarão à derrubada revolucionária do sistema por seus próprios “coveiros”, a classe trabalhadora, dos quais dependem seus lucros.

“Tudo o que é sólido…”

Em suas páginas há uma extraordinária antecipação de um mundo que só era discernível em suas linhas gerais quando apareceu pela primeira na imprensa. Composto em uma era revolucionária de ferrovias e telégrafos, alguns podem questionar sua aplicabilidade a um mundo de viagens espaciais e de internet. Mas em todos os aspectos fundamentais o capitalismo e as relações de classe descritas no “Manifesto” continuam os mesmos hoje como quando Marx começou a desvendar o funcionamento interno do sistema.

No Manifesto Comunista, Marx e Engels revelaram as dinâmicas essenciais e as contradições do sistema capitalista. Imagem: domínio público

Ao aproveitar o poder analítico e interpretativo da dialética materialista e depois de ler vorazmente os escritos econômicos e científicos mais avançados disponíveis em seus dias, Marx revelou a dinâmica e as contradições essenciais de um sistema impulsionado pela busca incessante de lucros:

“O revolucionamento permanente da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época da burguesia de todas as outras. Todas as relações fixas e enferrujadas, com seu cortejo de veneráveis preconceitos e opiniões, são dissolvidas; todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem cristalizar. Tudo o que é sólido se desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado e os homens são por fim obrigados a encarar sobriamente suas reais condições de vida e suas ligações recíprocas.

Os meios de produção e de troca, sobre cuja base a burguesia se formou, foram gerados na sociedade feudal. Em certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as condições sob as quais a sociedade feudal produzia e trocava a organização feudal da agricultura e da manufatura, em uma palavra, as relações feudais de propriedade não eram mais compatíveis com as forças produtivas já desenvolvidas. Tolhiam a produção em vez de fomentá-la. Transformaram-se em outros tantos grilhões. Tinham que ser rompidas e foram rompidas.”

Uma vez que o capitalismo se tornou o modo de produção dominante no planeta, sua trajetória era muito clara:

“As forças produtivas à disposição da sociedade já não servem mais para a promoção das condições de propriedade burguesas; pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para essas condições, e são por elas tolhidas; e logo que superam essas barreiras lançam na desordem toda a sociedade burguesa; põem em risco a existência da propriedade burguesa. As condições burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conter a riqueza criada por elas.”

Desigualdade

Da Casa Branca ao Vaticano, tudo o que um dia foi considerado “sagrado” foi profanado na medida em que um pilar após outro da dominação burguesa perde seu poder sobre as mentes das massas. Com um motor econômico e uma superestrutura política “não mais compatíveis com as forças produtivas já desenvolvidas”, uma profunda crise de confiança e descontentamento está se infiltrando em todos os poros da sociedade uma vez que tudo empurra inexoravelmente na direção do despedaçamento do próprio capitalismo, que se transformou há muito em um obstáculo para o progresso humano.

Três norte-americanos neste momento possuem mais riqueza que os 50% mais pobres. Foto: Masaru Kamikura

Em sua época de declínio terminal, “a incerteza e a agitação eternas” do sistema produzem um efeito distorcido sobre as relações humanas, a socialização e a saúde física e mental. The Independent informou recentemente que:

“Seis de cada dez millenials afirmam estar passando por uma crise de “quarto trimestre” [de acordo com a terminologia dos millenials, um período da vida que varia entre os vinte e os trinta anos de idade – NDT], segundo um novo estudo. Muitos de nós estamos familiarizados com a questão da crise da meia-idade – uma pessoa de meia-idade que está se sentindo sufocada pela rotina e que reage entregando-se a um comportamento errático, seja para tomar decisões espontâneas em sua carreira ou para comprar uma moto. Mas, agora, parece que cada vez mais de nós estamos avaliando nossa existência muito mais precocemente.”

E continuam aconselhando as pessoas a “1. Pare de se comparar aos outros. 2) Dê um passo atrás e identifique as causas”.

Em um momento em que três indivíduos estadunidenses detêm mais riqueza do que a metade mais pobre de seus compatriotas é surpreendente que dezenas de milhões de nós estejamos “avaliando nossa existência” e dando “um passo atrás para identificar as causas” da crise infindável e da instabilidade, das montanhas impagáveis da dívida e do trabalho precário?

Pesquisa recente da Fox News constatou que 36% dos estadunidenses disseram que seria uma “boa coisa” para o país “afastar-se do capitalismo para mais socialismo”, bem acima dos 23% registrados em 2009. Que mais estadunidenses estejam abertos ao socialismo uma década depois da chamada recuperação do que no auge da crise diz muito.

Quanto a “comparar-se aos outros”, Marx explicou em “Trabalho Assalariado e Capital”, que a posição de cada um na sociedade é, de fato, medida socialmente:

“Uma casa pode ser grande ou pequena; sempre que as casas vizinhas sejam igualmente pequenas, satisfaz todas as exigências sociais de uma casa, mas, se ao lado de uma casa pequena surge um palácio, a que até então era casa encolhe até se ver convertida em uma choça. A casa pequena indica agora que seu morador não tem exigências ou as tem muito reduzidas; e, por mais que, no transcurso da civilização, sua casa ganhe em altura, se o palácio vizinho continua crescendo na mesma ou inclusive em maior proporção, o habitante da casa relativamente pequena irá se sentindo cada vez mais inquieto, mais descontente, mais agoniado entre suas quatro paredes.”

Os capitalistas e seus apologistas afirmam descaradamente que podem aumentar a riqueza e a felicidade para todos enquanto exploram e oprimem impiedosamente a maioria. Mas até mesmo Jeff Bezos, Bill Gates, Mark Zuckerberg, Warren Buffet e os irmãos Koch não podem enquadrar o círculo. Bilhões de seres humanos sentem intuitivamente a desconexão entre o que é potencial e o que é real e estão desesperados por uma solução. Os inspiradores movimentos de massa que estamos testemunhando nos anos recentes são exatamente uma expressão disso e há muitos mais por vir. Desde que a classe trabalhadora construa a necessária liderança revolucionária, veremos eventualmente uma revolução socialista bem-sucedida em um país ou outro – que se espalhará rapidamente por todo o mundo.

Socialismo agora

Felizmente para os que têm sorte de viver hoje, um mundo socialista não é um sonho impossível. Como Marx explicou em “Uma Contribuição à Crítica da Economia Política”:

“A humanidade, portanto, inevitavelmente estabelece para si mesma as tarefas que é capaz de resolver, uma vez que um exame mais detalhado sempre mostrará que o problema em si só surge quando as condições materiais para sua solução já estão presentes ou pelo menos em curso de formação.”

Durante as décadas desde que essas linhas foram escritas, as condições materiais para o socialismo amadureceram em um grau que nem mesmo Marx poderia ter imaginado. O capitalismo teve centenas de anos para mostrar o que pode – e o que não pode – fazer. O que pode fazer é condenar bilhões de pessoas à miséria, à ignorância e ao trabalho penoso e sem sentido enquanto acumula uma enorme riqueza em poucas mãos. O que não pode fazer é proporcionar a todos empregos de qualidade, alimentação, moradia, saúde e educação. Nem pode permitir que todos e cada um de nós atinja nosso pleno potencial. Marx estava certo porque foi o primeiro a apontar que o capitalismo nem sempre existiu e não existirá para sempre, que desenvolveu dentro de si os meios pelos quais uma nova forma de sociedade pode ser construída e que o caminho a seguir é uma revolução socialista.

Hoje, bilhões de seres humanos estão desesperados por uma solução que acabe com a exploração e a desigualdade que reina sobre suas vidas. Foto: Socialist Revolution

Seu corpo físico pode estar morto, mas suas ideias estão muito vivas. De um tema a outro, sua penetrante perspicácia e aguçada sagacidade são um farol de claridade e confiança no proletariado e no futuro socialista. Ele não apenas revolucionou a filosofia, também revolucionou a classe trabalhadora internacional e ofereceu um verdadeiro caminho para a libertação humana. Até o final de seus dias, Marx se manteve comprometido com essa perspectiva. Em seus últimos escritos reiterou a visão otimista de sua juventude:

“O reino da liberdade na verdade só começa quando cessa o trabalho determinado pela necessidade e pelas considerações mundanas; assim, pela própria natureza das coisas, está além da esfera da produção material real… A liberdade nesse campo somente pode consistir no homem socializado, nos produtores associados, regulando racionalmente seu intercâmbio com a natureza, colocando-a sob seu controle comum, em vez de ser governado por ela e pelas forças cegas da natureza; e lograr isso com o menor gasto de energia e nas condições mais favoráveis e dignas de sua natureza humana. Mas, contudo, continua sendo um reino da necessidade. Além dela começa aquele desenvolvimento da energia humana que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade, que, no entanto, somente pode florescer com esse reino da necessidade como sua base. A redução da jornada de trabalho é o seu pré-requisito básico.”

Estamos em um novo ponto de virada na história da humanidade. A escolha à nossa frente não é “o socialismo ou a continuação indefinida do status quo”, e sim “o socialismo em nosso tempo de vida ou o fim da espécie humana como a conhecemos”. Porém, não há espaço para o pessimismo. A classe trabalhadora tem um enorme poder em suas mãos. Combinada a uma liderança perspicaz disposta a transcender as restrições artificiais do sistema, a revolução socialista pode ser uma realidade mais cedo do que a maioria das pessoas imagina – se começarmos a construí-la agora.

A Corrente Marxista Internacional (CMI) coloca literalmente o “marxismo” no centro das ideias e atividades. Estamos decididos a lutar junto com a classe trabalhadora para terminar o serviço iniciado por Marx e Engels. A nova geração de revolucionários deve se aprofundar em suas ideias e em seu trabalho. Não é suficiente ler “sobre” Marx ou ler esta ou aquela citação isolada. Não há melhor momento para submergir na incrível riqueza do marxismo, que é a experiência sintetizada da classe trabalhadora e um guia de ação para a revolução socialista. Por que não começar com o “Manifesto Comunista”? Por que não entrar em contato com a CMI para uma discussão? Afinal, “Os proletários não têm nada a perder além de suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”

Artigo publicado em 5 de setembro de 2018, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Karl Marx is alive and kicking!

Tradução de Fabiano Leite.