Itália: trabalhador assassinado em linha de piquete na frente do armazém da GLS em Piacenza

Na quarta-feira à noite um trabalhador italiano de 53 anos de idade foi atropelado e morto por um caminhão, enquanto participava de uma linha de piquete. De acordo com testemunhas, os gerentes incitaram o condutor do veículo a lançá-lo contra o piquete.

Acontecimentos dramáticos foram presenciados na quarta-feira à noite na frente da empresa de entregas GLS, em Piacenza, no Norte da Itália. Um trabalhador egípcio de 53 anos de idade, Abd Elsalam Ahmed Eldanf, enquanto participava de uma linha de piquete, foi atropelado e morto por um caminhão e, de acordo com testemunhas, os gerentes incitaram o condutor do caminhão a lançá-lo contra o piquete.

Tudo isto vem no contexto de uma luta constante dos trabalhadores do setor de logística (entrega de encomendas) na Itália. Como em todos os países, as condições de trabalho têm se tornada cada vez mais precárias, com os direitos dos trabalhadores sendo reduzidos e muitos deles tendo que trabalhar como “independentes” ou mesmo ilegalmente na economia paralela.

No entanto, na Itália, os trabalhadores do setor de logística estão reagindo, tendo que se organizar não somente contra os patrões, como também, às vezes, contra os sindicatos oficiais (CGIL, CISL e UIL), cujos líderes sempre estão muito dispostos a ceder no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. Neste contexto de ruptura, as bases, e sindicatos como o Sicobas e USB, organizaram lutas numa tentativa de deter a ofensiva dos patrões.

[Vídeo do protesto poucas horas antes do assassinato]

Em 2014, os sindicatos oficiais chegaram a um acordo com os patrões do setor que permitiu uma maior flexibilização do trabalho. Tradicionalmente, neste setor, os trabalhadores não trabalham diretamente para a empresa, mas são subcontratados através de cooperativas externas e empresas menores. Uma das reivindicações das bases sindicais era o fim deste sistema e contratação direta dos trabalhadores pelas empresas para as quais realmente trabalham.

No final de 2014, uma série de greves foram organizadas para apoiar estas reivindicações, mas os patrões se utilizaram de manobras dilatórias para evitar ter de entrarem em negociações sérias. Em seguida, houve uma greve inesperada organizada pelos carregadores do armazém da GLS, em dezembro. Eles bloquearam os armazéns da GLS em Roma. Bolonha, Piacenza, Verona e Pádua. Confrontados com esta ação enérgica dos carregadores, a GLS concordou com um novo acordo, o que melhorou o acordo assinado com os sindicatos oficiais.

Uma das reivindicações colocadas pelos trabalhadores era que, quando se concedesse a uma nova empresa um contrato de trabalho para prestação de serviços a empresas como a GLS, a empresa entrante devia assumir os trabalhadores da empresa anterior, que já trabalhavam lá. Era uma demanda para garantir a este grupo de trabalhadores um emprego estável, e a GLS aceitou. Dentro de poucas semanas, outras das principais empresas do setor de logística foram forçadas a aceitar o mesmo acordo, que foi assinado em fevereiro/2015.

Antecipando os acontecimentos, vemos a administração da GLS tentando renegar aquele acordo. Eles, claramente, planejavam voltar a fevereiro/2015, com a ideia de fazer concessões somente para ter os trabalhadores de volta ao trabalho e, em seguida, se preparar para obter de volta o que haviam concedido.

Na quarta-feira, 14 de setembro, representantes de um dos sindicatos da base, o USB, estiveram negociando com a administração em um bar fora do armazém da GLS na pequena cidade de Montale, na província de Piacenza. Estavam em um bar porque os gerentes não permitiriam os representantes do sindicato no armazém. No transcorrer das discussões, ficou claro que os patrões estavam renegando tudo o que haviam acordado no ano passado.

Diante de tal intransigência, os representantes do sindicato saíram e pediram aos trabalhadores, que já estavam reunidos na porta do armazém, para bloquear a entrada e saída de qualquer caminhão. Foi quando os dramáticos acontecimentos se desenrolaram.

Quando os gerentes viram a linha de piquete composta por cerca de 30 trabalhadores, chamaram os condutores dos caminhões para forçar o caminho. Um dos condutores acelerou sobre a linha de piquete e atingiu dois trabalhadores, arrastando um deles por vários metros e o matando.

O motorista sequer tentou a manobra usual de se mover vagarosamente através da linha de piquete para ver se ele dispersava: ele simplesmente se lançou sobre eles a uma velocidade de cerca de 50 km por hora. De acordo com testemunhas oculares no local, um dos gerentes gritava “vá em frente, vá em frente”, incitando o motorista a arremeter sobre os trabalhadores. O irmão do trabalhador assassinado, Elsaved Eldanf, assinalou que, “O gerente do armazém da GLS incitou o motorista do caminhão a atropelar os trabalhadores que tinham organizado a linha de piquete”.

[O irmão de Abd Elsalam Ahmed Eldanf explica o que aconteceu]

De acordo com as mesmas testemunhas, a polícia que assistia aos acontecimentos nada fez para deter isto, somente intervindo para prender o motorista depois do acontecimento e quando ele estava enfrentando a ira dos que formavam o piquete. O Ministério Público afirma agora que, quando aconteceu o incidente, não havia nenhum piquete e nenhum trabalhador protestando. O motorista foi libertado e todo o incidente foi declarado como “acidente de tráfego”. Mas há vídeos que mostram que o protesto estava acontecendo durante horas; há um vídeo que foi feito pelo menos há uma hora ou uma hora e meia antes do assassinato. Vários trabalhadores declararam o que aconteceu realmente. Este foi, segundo eles, um assassinato a sangue frio.

Abd Elsalam Ahmed Eldanf era pai de cinco filhos. Ele próprio não era um trabalhador eventual, e tinha um contrato permanente. Ele estava lutando pelos outros, para que eles também pudessem ter algum emprego estável. Agora, está morto. Mas a luta da qual ele fazia parte continua. O armazém da GLS em Piacenza permanece bloqueado pelos piquetes e, por toda a Itália, ações de greve e protestos estão sendo organizados em muitos locais de trabalho pelos trabalhadores de todos os sindicatos, incluindo os sindicatos oficiais, como a CGIL e até mesmo a CISL, em particular os sindicatos dos trabalhadores do metal dentro destas confederações sindicais. Para amanhã, sábado, 17 de setembro, está sendo organizada uma manifestação em Piacenza.

A trágica morte de Abd Elsalam Ahmed Eldanf é um indicativo da nova situação em que entramos, uma situação de luta de classes amarga. Os patrões estão empurrando os trabalhadores na Itália de volta às condições dos anos 1950, mas há um limite para os trabalhadores e a resistência dos trabalhadores do setor de logística é uma indicação da mudança de humor. Abd Elsalam Ahmed Eldanf está morto, mas vai estar presente onde quer que os trabalhadores lutem por seus direitos e reajam.

[Protesto em Piacenza]

O conselho editorial de “In Defence of Marxism”, a página web da Corrente Marxista Internacional, expressa sua total solidariedade com os trabalhadores da GLS e envia condolências a sua família. A SCR [a CMI na Itália] estará participando na manifestação de amanhã em Piacenza e, ontem, lançou uma convocação assinada por uma série de delegados sindicais do setor de logística.

Londres, 16 de setembro/2016

[NOTA: GLS, General Logistics Systems B. V., é uma empresa conjunta de propriedade holandesa e britânica. É uma subsidiária da Royal Mail]


Artigo publicado originalmente em 16 de setembro de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Italy: Worker killed on picket line outside GLS depot in Piacenza“.

Tradução Fabiano Leite.