Trabalhadores do Portal R7 em paralisação após anúncio de aumento da jornada de trabalho sem reajuste salarial Foto: Divulgação

Greves de jornalistas: por que esses movimentos são de extrema resistência e coragem?

Jornalistas da EBC, Portal R7, Correio Popular e Diário de São Paulo encaram de frente a luta contra retirada de direitos e expõem a opressão das empresas de mídia no Brasil

Cresceram nos últimos meses os movimentos grevistas de jornalistas pelo Brasil. E cresceram também as retaliações dos patrões contra essas fagulhas de resistência. Entre as paralisações recentes, tivemos a greve dos profissionais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a paralisação dos jornalistas do portal de notícias R7, dos funcionários da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) de Campinas e o movimento dos jornalistas do Diário de S.Paulo. São trabalhadores com uma organização sindical frágil, de uma categoria historicamente desunida, que estão enfrentando esse monstro, que é o monopólio dos meios de comunicação, com uma disposição e coragem que ultrapassam as direções dos sindicatos.

No portal de notícias R7, da Record, em São Paulo, cerca de 35 profissionais das equipes de notícias, entretenimento, esportes, home e mídias sociais paralisaram as atividades e se reuniram em frente à emissora. As paralisações ocorreram no dia 30 de novembro e 1 de dezembro de 2017, após a direção da empresa anunciar por email, sem qualquer reunião com os trabalhadores, o aumento da  jornada de trabalho, mudando a escala de plantão de 3×1 (folga três fins de semana e trabalha um) para 2×1 sem aumento de salário. Mesmo diante de uma redação vazia e da carta divulgada pelos jornalistas na paralisação, a diretoria da Record, de forma totalmente intransigente, como todas as empresas de mídia desse porte, não aceitou receber os representantes do Sindicato dos Jornalistas e desligou imediatamente seis profissionais envolvidos no protesto. No dia 15 de dezembro a diretoria convocou os trabalhadores para anunciar que o aumento do número de plantões está mantido e demitiu mais 20 jornalistas e um estagiário, também envolvidos na paralisação, sob a velha e cínica justificativa de reestruturação da equipe e atacando diretamente o direito de greve dos trabalhadores.

Em Campinas, maior cidade do interior paulista, os jornalistas do Correio Popular também fizeram paralisação em novembro exigindo o pagamento de dois meses de salários atrasados, do salário de maio, de seis meses de vales-refeição e alimentação, além da quitação de pendências relativas às férias e à primeira parcela do 13º de 2017. Em carta aberta publicada no dia 29 de novembro os grevistas chamam a atenção para a falta de reconhecimento da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) pela dedicação e empenho dos trabalhadores em manter o jornal há 90 anos. Um trecho da carta destaca que “são os jornalistas, gráficos e administrativos que mantêm a credibilidade das mídias publicadas pelo grupo, e não os donos da RAC que exploram e desrespeitam seus trabalhadores e trabalhadoras.”

No Diário de São Paulo os jornalistas permaneceram em greve durante 17 dias em outubro, devido à falta de pagamento da empresa desde o mês de agosto. Após a pressão, os trabalhadores conquistaram o pagamento imediato dos salários atrasados, garantia de pagamento integral dos dias de paralisação, a garantia de emprego e salários dos jornalistas grevistas, a regularização dos três anos de atraso no pagamento do FGTS a partir de janeiro e multa de 10% em caso de descumprimento do acordo por parte da empresa.

E no setor público, os jornalistas da EBC aprovaram a greve em assembleia nacional nos estados de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Maranhão, com 262 votos a favor. A decisão foi tomada após oito rodadas de negociação com a Direção da EBC, que manteve a oferta de 0% de reajuste e a retirada de diversos direitos conquistados em acordo coletivo anterior, como: vale cesta-alimentação, vale-cultura e outras conquistas. Os jornalistas fizeram greve por 11 dias, e o movimento chegou ao fim com a proposta de manutenção da maioria das cláusulas já garantidas no Acordo Coletivo, porém sem o reajuste salarial.

O desmonte da Comunicação Pública

Forte adesão de trabalhadores na greve da EBC no DF, RJ, SP e MA. Foto: Divulgação

A conjuntura de ataques aos profissionais da EBC não é à toa. A comunicação pública tem uma importância política tão grande que foi um dos primeiros alvos de Temer após o impeachment de Dilma, com a aprovação da Medida Provisória 744/16, extinguindo o Conselho Curador da EBC, um dos principais mecanismos de autonomia da empresa em relação ao governo federal. Na ocasião, o mandato do jornalista Ricardo Melo como Presidente da EBC foi interrompido e o novo interventor de Temer, Laerte de Lima Rimoli, foi nomeado em seu lugar.

Sob a gestão de Rimoli, a EBC deixou de ser uma emissora de caráter público para se transformar em um veículo estatal subordinado aos interesses do governo Temer. Dezenas de funcionários foram demitidos e iniciou-se uma prática de censura dentro da empresa, envolvendo o assédio a jornalistas e radialistas concursados, proibição aos cinegrafistas e editores de usar determinadas imagens, perseguições e censura de matérias jornalísticas sobre movimentos sociais, como a cobertura do #15M, Dia Nacional de Paralisações contra a reforma da previdência e trabalhista, no qual os jornalistas da EBC receberam a ordem de desviar o foco da cobertura para as consequências sobre o trânsito, conforme denúncia feita por uma carta aberta dos trabalhadores da EBC.

A rotina de opressão invisível nos bastidores das redações

No setor privado, radialistas, repórteres, redatores, cinegrafistas, fotógrafos, editores, produtores e outros profissionais envolvidos na cadeia produtiva da mídia estão sofrendo, assim como os demais trabalhadores brasileiros, as consequências da reforma trabalhista, que trouxe mais demissões e precarização das relações de trabalho. Porém, para os jornalistas, enfrenta-se mais do que perdas salariais e direitos, mas uma conjuntura de acirramento da luta de classes e de aumento de ataques à um fazer jornalístico livre. Nesse sentido, avança a censura nas redações e as pressões políticas contra a autonomia intelectual do profissional.

Além de serem escassas, as ofertas de emprego para atuar como jornalista carregam uma lista de maldades que são encaradas no mercado com naturalidade, como se já fizessem parte da profissão, como os baixos salários, plantões de fins de semana e feriados, longas jornadas de trabalho ininterruptas, assédio moral e sexual, precarização dos direitos trabalhistas, exposição à diversos tipos de censura e violência, demissões em massa e outras pressões que o mercado impõe.

A exploração e o assédio aos direitos do trabalhador são tão naturalizadas na profissão que existem jargões como “passaralho” e “pescoção”, comuns no vocabulário do jornalista. O primeiro remete a uma revoada de pássaros e é utilizado para denominar as demissões em massa que ocorrem de tempos em tempos nas redações, cujo exemplo mais recente ocorreu no Grupo Abril, que demitiu mais de 120 funcionários no dia 13 de dezembro, entre eles cerca de 12 jornalistas, e ainda propôs o parcelamento das verbas rescisórias. “Pescoção” é o nome que se dá às jornadas ilegais de mais de 12 horas seguidas (horas extras não remuneradas) que ocorrem em algumas redações para fechamento das edições de sábado e domingo.

Para quem é da área, é comum ouvir que o jornalismo é um “amor não correspondido”, romantizando a degradação dos direitos e da remuneração do jornalista, como se o trabalhador tivesse a obrigação de abrir mão da sua dignidade por paixão à profissão, como se fosse romântico trabalhar por uma remuneração indigna, com longas horas extras não remuneradas.

Somado a isso há ainda um contexto de glamourização da profissão, que ajuda a invisibilizar a rotina de opressão ao trabalhador. O jornalista, operário da notícia, é alienado de sua consciência de classe pelo sistema e em troca lhe é oferecido status, credenciais e um lugar na sociedade do espetáculo. Mas status não paga a conta do supermercado e a realidade da maioria dos jornalistas acaba sendo a frustração, o abandono da profissão e a degradação da saúde física e emocional do trabalhador, levando ao abuso de álcool e ansiolíticos, conforme pesquisa da Unicamp feita pelo professor José Roberto Heloani, que desde 2002 investiga os problemas de saúde no ambiente de trabalho do jornalista.

Frilas, Pejotização e o Repórter Multiexplorado

Entre os absurdos praticados no mercado está o fato das “latifundiárias da mídia” possuírem uma propriedade cruzada dos meios de comunicação, que é quando um mesmo grupo controla emissoras de rádio, TV, jornais, revistas e portais na internet. Com isso, essas holdings se aproveitam dessa condição para unificar funções que antes eram desempenhadas por múltiplos profissionais, “convergindo” os processos de trabalho e sobrecarregando o trabalhador.

O discurso da “redação convergente” é trazido pelas empresas com base no avanço da tecnologia, mas serve, na realidade, para aumentar a lucratividade dos empresários da comunicação, diminuindo postos de trabalho e fazendo um jornalista acumular funções que antes eram desempenhadas por vários profissionais. Isso já reflete até mesmo no contexto da formação dos jornalistas na faculdade. A academia reproduz a exigência do estudante se tornar um “repórter multimídia”, apurando, produzindo e editando diversos tipos de conteúdo ao mesmo tempo (fotografia, som, texto, vídeo) para múltiplas plataformas.

Outra invenção do capital para aumentar os lucros no mercado de jornalismo é a figura do “frila fixo”, uma prática que vai se acirrar agora no contexto da reforma trabalhista, mas que já é comum no mercado de comunicação há muitos anos. Sem registro em carteira, nem benefícios trabalhistas, ao jornalista somente é dada a opção de trabalhar como colaborador freelancer PJ (Pessoa Jurídica), porém cumpre jornadas e deveres de um profissional contratado, como subordinação e horário fixo. Alguns postos de trabalho, como dos fotojornalistas, por exemplo, já foram substituídos completamente por profissionais freelancers, que trabalham sem contrato, com cargas horárias que ultrapassam as 12 horas diárias, trabalhando com equipamento próprio e totalmente desamparado em termos de direitos trabalhistas e segurança.  

Brasil é o 10º país do mundo mais perigoso para a imprensa

Figurando sempre na lista das profissões mais estressantes, com piores condições de trabalho e os salários mais baixos, o repórter de jornal é um profissional que está na linha de frente da violência urbana e rural, lidando com diversas situações de risco sem nenhuma garantia de segurança. E caso se trate de um jornalista freelancer, sem vínculo trabalhista oficial, a sensação de desamparo é ainda maior. No município do Rio de Janeiro, em que os jornalistas colocam sua vida em risco todos os dias diante da violência que assola a cidade, o piso salarial dos profissionais de jornais e revistas é de R$1.680, com direito a recorrentes casos de atrasos de salários e descumprimento aos direitos trabalhistas mais básicos.

De acordo com Relatório de Liberdade de Imprensa divulgado em 2017 pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entre os principais agressores de jornalistas estão policiais militares, guardas municipais e agentes de segurança. O relatório traz o registro de assassinatos, agressões, ataques, ameaças, atentados, intimidações, ofensas e outros tipos de violência sofridas por repórteres no exercício da profissão.

Além disso, o assédio sexual é um outro tipo de violência que atinge especialmente as mulheres, que hoje representam 64% dos profissionais de jornalismo. Uma pesquisa divulgada pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) revelou que uma em cada duas mulheres jornalistas sofreu assédio sexual, abuso psicológico, assédio online e outras formas de violência de gênero enquanto trabalhava. As jornalistas são obrigadas a conviver cotidianamente com diferentes tipos de assédio sem nenhum amparo. Conforme mostra a pesquisa, o assédio é tão naturalizado nas redações que a maioria delas não possui uma política clara para combater esse tipo de abuso nem fornece qualquer mecanismo para denunciá-los.

Monopólios e concentração de propriedade da mídia brasileira

A concentração da mídia no Brasil é um elemento central desse sistema de opressão. Conforme apontou o “Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil” (Media Ownership Monitor/Brasil – MOM), realizado pelas ONGs Repórteres Sem Fronteiras e a Intervozes, apenas cinco grupos empresariais ou seus proprietários individuais concentram mais da metade dos veículos de mídia no Brasil. Segundo o estudo, o país está em situação pior em termos de concentração de propriedade de mídia do que países como o Peru, Sérvia, Gana e Turquia. No segmento de TV, mais de 70% da audiência nacional é concentrada em quatro grandes redes, das quais a Rede Globo detém mais da metade da audiência.

É importante ressaltar também que os negócios dessas gigantes vão além da comunicação. Os proprietários da mídia no Brasil possuem fundações privadas no setor de educação e mantêm negócios ativos nos setores financeiro, de agronegócios, imobiliário, de energia e empresas farmacêuticas. Em resumo, são os grandes empresários, aqueles que se beneficiam diretamente das contrarreformas trabalhista e da previdência os mesmos que detém os monopólios da comunicação midiática no Brasil.

E, para fechar a matemática dos magnatas da mídia brasileira, as ligações políticas e religiosas também são comuns nesse cenário, como, por exemplo, a TV Gazeta Alagoas (afiliada da Rede Globo), o jornal Gazeta de Alagoas e a emissora de rádio FM Gazeta 94, que são lideradas pelo ex-presidente e agora senador Fernando Collor de Mello (PTC) e o jornal Diário do Pará e a TV Tapajós (afiliada da Globo no Pará) que pertencem ao senador Jader Barbalho (PMDB) e sua família.

Todo apoio à mobilização dos jornalistas e trabalhadores da comunicação

Por todo esse contexto de opressão e concentração da propriedade privada, esses movimentos grevistas – que surgem inclusive de jornalistas da iniciativa privada, que estão no olho do furacão dessas gigantes da mídia – são a expressão máxima da coragem, da resistência e da disposição de uma categoria oprimida cotidianamente e que, muitas vezes, não tem respaldo para denunciar devido à sua histórica desarticulação política e à fragilidade de sua representação sindical.

Esses movimentos grevistas, partindo de uma categoria que não tem tradição de organização, são exemplos de que em condições muito adversas os trabalhadores podem ultrapassar suas direções conciliadoras e burocratizadas, mobilizando-se de forma autônoma contra os ataques dos patrões. Porém a luta organizada é o único caminho para garantir e conquistar direitos. Está clara a necessidade da construção de luta sindical ampla e fortalecida, que represente os anseios desses trabalhadores por melhores salários e melhores condições de trabalho, e que siga até o fim nas negociações, evitando demissões em massa em retaliação às greves e paralisações. É necessário compreender o lugar central que a imprensa ocupa na luta do movimento operário e oferecer todo apoio à luta desses trabalhadores, ajudando-os a avançar em sua consciência de classe e a construir organizações fortes para resistir.