Egito: Por qual caminho devem avançar os socialistas revolucionários? – Parte 2

Na segunda parte deste artigo, vamos examinar as contradições do capitalismo egípcio que o tornam incapaz de resolver as tarefas mais básicas com as quais ele se enfrenta. Só uma revolução socialista pode resolver as tarefas da revolução. Mas como podemos conectar a luta pelo socialismo com o dia-a-dia das lutas das massas?

Ler a primeira parte deste artigo em: https://marxismo.org.br/?q=content/egito-por-qual-caminho-devem-avancar-os-socialistas-revolucionarios-primeira-parte

 

Democracia e socialismo

Sem uma nítida posição de classe é impossível avançar. Observando do ponto de vista do avanço da revolução, a eleição para presidente foi a luta política mais importante. Os camaradas Socialistas Revolucionários (SR) demonstraram que eles não estavam preparados para as tarefas que estavam diante deles e, portanto, ficaram isolados de toda uma camada de trabalhadores e jovens que na época estavam entrando no campo da política organizada.

O enorme crescimento da tendência de Sabahi é um reflexo das possibilidades que estavam presentes. Estas oportunidades vão acontecer novamente, mas, a fim de aproveitá-las, uma correta postura de classe é necessária. Não é suficiente ser capaz de dizer quem devemos apoiar ou não, na verdade isso é apenas o ABC da questão. O que os marxistas devem ser capazes de fazer é apresentar um programa coerente que toma como ponto de partida a situação concreta na qual a revolução se encontra.

Infelizmente, mais uma vez, devemos dizer que o camarada Naguib não vê muito longe quando se trata de desenvolver um programa desse tipo. Em sua crítica dirigida à Irmandade e aos liberais, Naguib aponta que:

É inimaginável que uma revolução nesta escala possa simplesmente ser contida por uma transição democrática limitada e superficial, sem mudanças mais profundas em termos de redistribuição de riqueza e poder no país. Esta é a raiz da crise da Irmandade. Os protestos sobre a constituição não são apenas para defender a democracia, mas também refletem a raiva das pessoas na medida em que as expectativas que a Irmandade tinha fomentado estão sendo frustradas. As pessoas esperavam que os salários subissem e que a vida iria melhorar e isso não aconteceu “( Egypt: the Muslim brotherhood under pressure , “Egito: a Irmandade Muçulmana sob pressão”).

Além do fato de que nós não acreditamos que o tamanho de uma revolução nos diga muito sobre o seu curso e caráter, concordamos plenamente com o camarada que a revolução não era “apenas” em defesa da democracia. Os principais fatores subjacentes que provocaram a revolução foram a pobreza, o desemprego, a corrupção, bem como a sufocante ditadura de Mubarak.

Nem o SCAF e nem a Irmandade Muçulmana foram capazes de resolver esses problemas e, portanto, as massas, por meio da ação direta, estão tentando resolver os problemas por conta própria. Em 2012, aconteceram mais de 3.400 greves no Egito, das quais 2.400 ocorreram após a eleição de Morsi como presidente. Isto deve ser comparado com as cerca de 1.200 greves no ano anterior, que já tinha sido um recorde histórico.

Assim a questão permanece. Como podemos dar conta da questão do pão?

O camarada Naguib dá a seguinte explicação:

O problema para a Irmandade e para os liberais é que eles não podem sequer começar a tomar medidas básicas para aliviar o impacto da crise sobre as pessoas comuns, sem romper seu acordo com o exército e as grandes empresas. Esse caminho populista está fechado porque o mundo mudou. [Quando a economia mundial estava crescendo] durante os anos 1950 e 1960, havia oportunidades para as políticas reformistas e populistas que não existem hoje. Sem uma genuína tributação progressiva, eles não podem gastar dinheiro em hospitais, escolas, habitação ou para criar novos empregos. Eles estão até mesmo recusando-se a renacionalizar os monopólios corruptos que estavam diretamente ligados à Mubarak.

As pessoas seguem perguntando: ‘Onde vamos arranjar o dinheiro?’ Não há falta de dinheiro no Egito: temos cerca de mil famílias de bilionários. Não há nenhuma maneira de alcançar mesmo um pequeno grau de justiça social sem fazer essas pessoas pagarem.“( Egypt: the Muslim brotherhood under pressure , “Egito: a Irmandade Muçulmana sob pressão”).

Então, o que nós entendemos dessa explicação é que os liberais e a Irmandade não podem “aliviar o impacto da crise” porque eles têm um acordo com o exército e as grandes empresas, que eles não estão dispostos a romper. O caminho populista está fechado porque há uma crise mundial (Nós realmente não sabemos o que o camarada quer dizer, mas dentro do contexto podemos assumir que ele quer dizer que qualquer caminho que deixa intocada a fortuna dos ricos é inviável. Embora devamos acrescentar que este nunca foi o caso, e este caminho não era viável nem mesmo nos anos 50 e 60). E assim, o único caminho a seguir para ser capaz de “gastar dinheiro em hospitais, escolas, habitação” e para a criação “de novos postos de trabalho” é a tributação progressiva – ou seja, o ‘Impostos sobre os ricos!’ Esse é um slogan com o qual a organização irmã dos SR na Grã-Bretanha (o SWP, Socialist Workers Party, Partido Socialista dos Trabalhadores) também é muito afeiçoada. Ah, e não podemos esquecer, que também devemos defender a re-nacionalização das poucas empresas de Mubarak que os tribunais egípcios tinham re-nacionalizado, decisão à qual a Irmandade se opôs.

Antes de explicar as nossas posições sobre essas demandas, vamos olhar para a situação real da economia, que é a questão mais urgente hoje no Egito.

De acordo com o ‘Financial Times’, o crescimento do PIB em 2012 foi de 1,9 por cento, enquanto que, nos anos imediatamente anteriores ao levante das massas, oscilou entre 4 a 7 por cento. O total das reservas cambiais é o mais baixo dos últimos 15 anos e há inclusive a possibilidade de um colapso total da economia no futuro próximo.

De acordo com o Ministério do Planejamento, o déficit orçamentário para 2012 deverá atingir 10 por cento do PIB até o final do exercício financeiro em junho. Alguns bancos privados estimam que o número real seja cerca de 12 a 13%.

Apenas durante o segundo semestre de 2012, US$ 5 bilhões (dólares) em investimentos estrangeiros deixaram o país. O turismo em 2012 arrecadou US $ 10 bilhões, um avanço em relação ao ano anterior, mas ainda abaixo de 2010, quando a receita foi de US $ 12,5 bilhões. A indústria também foi atingida. Na Zona de Investimento de Port Said, onde estão empregados 35.000 trabalhadores, cerca de 4.000 trabalhadores foram demitidos no ano passado, e cerca de 10 por cento das fábricas tiveram que fechar as portas.

O que isso significa para as massas? Os números oficiais mais recentes mostram que o desemprego subiu para 13 por cento no último trimestre de 2012. Em comparação, o desemprego na véspera da revolta de 2011, que derrubou Hosni Mubarak da presidência, era de 8,9 por cento. De acordo com dados do governo, entre as pessoas com menos de 30 anos, que correspondem a 74 por cento da população, o FMI situa o desemprego em 25 por cento.

Como é tradição no Egito, esses números são uma falsa representação da realidade – que é, com certeza, muito pior – mas a tendência que revelam é muito real. Desde o início da revolução, houve um aumento acentuado e constante do desemprego.

Como podemos ver o cenário econômico não parece ser brilhante. Agora, para resolver este problema, o nosso camarada propõe que taxemos os ricos – nós assumimos que isso significa taxar os capitalistas. Para ver qual o efeito desta medida realmente só temos que viajar alguns milhares de quilômetros até o norte da França. Aqui, o recém-eleito presidente François Hollande chegou ao poder com um programa semelhante ao que nossos camaradas estão propondo: taxar os ricos, expandir os gastos com serviços públicos e estimular a economia, ou seja, “criar novos empregos”.

Mas o efeito imediato da tentativa de Hollande de implementar estas medidas foi a debandada de vários capitalistas importantes para locais economicamente seguros onde as suas poupanças e o dinheiro guardado no bolso estariam salvos. No final, o resultado foi um aprofundamento da dívida do Estado francês e a necessidade de um enorme pacote de cortes de gastos.

O problema na forma como o nosso camarada coloca a questão é que o dilema entre diferentes políticas parece ser apenas uma questão de vontade. A Irmandade Muçulmana (IM), ele sugere, executa as políticas neoliberais apenas porque ela prefere fazer assim. Se ela não quiser fazer assim, e se simplesmente rompesse seu acordo com o exército e as grandes empresas ela poderia taxar os ricos e construir um estado de bem-estar, bem como criar postos de trabalho.

Para começar, os líderes da Irmandade Muçulmana são eles mesmos capitalistas. Portanto, eles estão na política para defender os interesses desse setor da classe dominante que representam (um setor que sob Mubarak não tinha acesso direto ao poder político). E pensar que os líderes da IM podem agir de qualquer outra maneira é extremamente ingênuo. Toda a sua demagogia, e isso é tudo o que é, pura demagogia, é destinada a conquistar o apoio das camadas mais pobres da sociedade, com a intenção de obter o apoio eleitoral, para que possam realizar políticas que beneficiam a sua classe. Eles estão em uma aliança com o exército e as grandes empresas porque isso também faz parte da sua classe. Eles não estão interessados ​​em “aliviar o impacto da crise sobre as pessoas comuns“, mesmo que isso fosse possível.

Mas o problema é que o capitalismo como um todo e como um sistema global está em crise. Esta crise, em essência, é uma crise de superprodução, que em última análise é causada pela incapacidade dos trabalhadores de comprar de volta o produto integral de seu trabalho. Na economia mundial de hoje, isso se reflete em excesso de capacidade de produção em massa. Na indústria de automóveis chinesa, por exemplo, até o final de 2011 havia 6.000.000 unidades excedentes. Isso é o dobro do número de carros vendidos na Alemanha em 2012. Em geral, o conjunto da indústria chinesa, de acordo com o FMI, está trabalhando apenas com 60 por cento de sua capacidade potencial.

Na Europa, a situação não é muito melhor. De acordo com o ‘Financial Times’, a utilização da capacidade nas fábricas de automóveis europeias está sendo operada em uma média de 66 por cento, com excesso de capacidade totalizando 10 milhões de unidades – o equivalente a 26 fábricas de automóveis.

A mesma tendência pode ser observada em todas as indústrias. E é por isso que a burguesia em geral não está investindo na expansão da produção e, portanto, não está criando novos empregos.

Marx explicou esse processo no Manifesto Comunista:

A sociedade burguesa moderna, com suas relações de produção, de troca e de propriedade, uma sociedade que conjurou meios tão gigantescos de produção e de troca, é como o feiticeiro que já não é capaz de controlar os poderes infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas condições de produção, contra as relações de propriedade que são as condições da existência da burguesia e de seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, por seu retorno periódico, colocam a existência de toda a sociedade burguesa em julgamento, cada vez mais ameaçador. Nessas crises, grande parte não só dos produtos existentes, mas também das forças produtivas anteriormente criadas, são destruídos periodicamente. Nessas crises, irrompe uma epidemia que, em todas as épocas anteriores, teria parecido um absurdo – a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea,  como se a fome ou uma guerra de extermínio houvessem lhe cortado o fornecimento de todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados; e por quê? Porque há demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas à disposição da sociedade não mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa, pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para essas condições, são sufocadas por essas condições, e assim logo que ultrapassam esses entraves, elas trazem desordem em toda a sociedade burguesa e ameaçam a existência da propriedade burguesa. As condições da sociedade burguesa tornam-se demasiado estreitas para conter as riquezas criadas por elas. E como é que a burguesia consegue vencer essas crises? Por um lado, pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas e, por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. Ou seja, pavimentando o caminho para crises mais extensas e mais destruidoras e diminuindo os meios que poderiam evitar novas crises”.

A questão da política burguesa é, de fato, não uma escolha, mas um imperativo sob o capitalismo. Claro que quanto mais a crise constrange a sociedade, menos espaço há para manobras. A Irmandade Muçulmana e os liberais executam políticas burguesas, em primeiro lugar, porque eles próprios são burgueses, ou são os representantes diretos de setores da burguesia. Mas, em segundo lugar, e mais importante nesta fase, porque não há outra saída para eles. A fim de manter o capitalismo egípcio à tona, o que eles deveriam fazer senão atacar as condições de vida dos trabalhadores? A “utopia” turca da qual eles falam não é possível hoje no Egito, onde há uma crise profunda. Na verdade, mesmo na Turquia, a crise tem se aprofundado e agora está pressionando o governo a fazer cortes nos gastos sociais.

É certo que o impulso para a crise no Egito nasceu da instabilidade política dos últimos anos, mas também é verdade que ela teria chegado mais cedo ou mais tarde. O Egito, assim como todos os outros países, é dominado pelo mercado mundial e não pode colocar-se fora deste sistema.

Aumentar os impostos no Egito não teria qualquer efeito sobre isso, a não ser colocar o capitalismo egípcio em uma posição ainda mais fraca que levaria a uma fuga ainda maior de capital e investimentos. A realização de obras públicas não resolveria o problema, já que o dinheiro para essas obras deve vir dos cofres públicos que teriam que conseguir o dinheiro ou dos trabalhadores ou dos capitalistas, o que mais uma vez nos traz de volta à estaca zero.

Por que os capitalistas egípcios investiriam na indústria de automóvel, por exemplo, se há 35-40 por cento de excesso de capacidade produtiva no mercado mundial atualmente? Ainda por cima, as vendas no mercado interno caíram 29 por cento desde 2010.

Então, o que faria os fabricantes de automóveis egípcios investirem mais? Digamos, por exemplo, que as vendas de automóveis subissem devido a um programa público de expansão de meios de transporte. Isso em primeiro lugar teria que “preencher” o excesso de capacidade já existente e, em segundo lugar, o setor automobilístico voltaria a ser atingido pelo aumento dos impostos que o governo teria de apresentar para financiar seus gastos. Isto representaria uma alternativa entre ‘A’, mais impostos sobre os trabalhadores, resultando em queda nas vendas de carros, e ‘B’, tributação dos capitalistas que significaria menor lucro e menor incentivo ao investimento em geral e, portanto, resultando em aumento do desemprego e, portanto, mais uma vez menor demanda.

Expropriar a burguesia

O problema é que a burguesia não poderia encontrar uma saída rápida da crise atual, mesmo se sua existência dependesse disso. Observe o mundo atualmente – a crise está desencadeando movimentos revolucionários de massa em todos os continentes e a burguesia só pode sentar e ver como isso acontece.

O principal problema com o Capitalismo é que ele é um sistema anárquico que não pode ser controlado por ninguém. Apesar do fato de que está à disposição da humanidade uma imensa capacidade produtiva, junto com um exército de desempregados – muitos deles altamente qualificados – que estão prontos para trabalhar com uma riqueza de recursos tecnológicos para aliviar todos os grandes problemas da sociedade, a maior parte da humanidade vive em condições bárbaras ou semibárbaras, enquanto a capacidade produtiva é de tantas maneiras desperdiçada.

O próprio camarada meio que de passagem propõe a nacionalização de setores da economia. Nós pensamos que esta é uma proposta muito boa. Mas isso isoladamente também não pode resolver o problema, porque resultaria imediatamente em uma grande fuga de capitais que deixaria a economia paralisada. A fim de resolver o problema da economia, a riqueza dos governantes, que são os capitalistas, deve ser expropriada e colocada sob o controle democrático da classe trabalhadora. Em um país como o Egito, isto significaria a nacionalização de todos os bancos e companhias de seguros, todas as grandes indústrias e os meios de comunicação.

Pelo estabelecimento de uma economia planificada, um plano maciço de industrialização poderia ser colocado em prática utilizando os recursos ociosos e os milhões de desempregados egípcios. Os lucros que então desapareceriam dos bolsos das grandes empresas poderiam ser usados para reinvestir na área da saúde, educação e elevar radicalmente os padrões de vida. Todas as outras medidas, sem expropriar a burguesia, deixariam seu sistema intacto e isto significaria que a sociedade ainda iria se desenvolver de acordo com as leis daquele sistema.

Conectando as lutas

Toda a questão da democracia está intimamente ligada a essa questão da economia. O camarada Naguib, em seu artigo, retrata a revolução democrática e a revolução socialista como dois eventos distintos. Mas o que é a democracia para um trabalhador? É exatamente o direito de exigir um padrão de vida mais elevado. Uma exigência que, como vimos, não pode ser satisfeita sob o atual sistema e que, portanto, em última análise, exige da classe trabalhadora que ela avançe para além do âmbito do sistema atual.

Mas é igualmente importante compreender que as ditaduras que governaram o Egito e o resto do mundo árabe não foram estabelecidas por acaso. Eles são exatamente uma expressão da incapacidade do sistema para oferecer uma qualidade de vida tolerável e da consequente necessidade de manter as massas subjugadas pela força.

Vejamos a situação atual no Egito. No contexto da crise mundial do capitalismo, com o desemprego e a pobreza em ascensão e com a confiança da vitória revolucionária inicial, os trabalhadores estão em movimento para garantir melhores condições, salários, etc. Nunca houve tantas greves como agora. Mas os capitalistas, tentando proteger seus lucros e seu lugar na concorrência com outros capitalistas, são atingidos por isso. Se eles pudessem, eles dariam algumas concessões, a fim de tentar comprar a paz social, mas, devido à crise, eles não são capazes de fazer isso.

Assim, mais cedo ou mais tarde, eles vão querer usar seu Estado para garantir um ambiente tranquilo para seus negócios e forçar os trabalhadores a de novo aceitarem os seus padrões de vida sempre em queda. Mas quanto mais os Estado intervém para estabilizar a economia, mais a sociedade irá radicalizar-se e preparar-se para sua própria superação revolucionária, o que mais uma vez obrigará a intensificar a repressão.

Hoje, a burguesia egípcia está severamente enfraquecida pela crise. Um deles, Alaa Arafa, que é um grande exportador de vestuário, queixou-se ao ‘Financial Times’: “O que estamos descobrindo é que os clientes estão temerosos de vir aqui. Se eles ainda estão dispostos a assumir o risco de atrasos na entrega por causa das greves nos portos ou de outros trabalhadores, eles então exigem uma vantagem na forma de uma recompensa financeira”. Ele disse ao jornal que o volume de negócios está cerca de 20% menor do que era antes da revolução.

Seria errado pensar que não há muitas pessoas como o Sr. Arafa que estão pressionando o governo. Elas estão exigindo que o governo aja e reprima as greves e os protestos, a fim de garantir um “ambiente de negócios estável“.

Então, aqui vemos novamente que a repressão e a tentativa de avançar para uma ditadura não está enraizada nas escolhas que a Irmandade faz, e sim, mais do que qualquer outra coisa, no quadro estreito que o sistema que eles defendem deixa para manobras. Obviamente não estamos afirmando que haverá um forte regime ditatorial imediatamente. Neste momento, as massas estão muito fortes e a burguesia muito fraca. Mas essa é a razão pela qual qualquer governo burguês gravita nessa direção. Assim, a luta pela democracia e as reivindicações democráticas estão completamente ligadas à luta pelo socialismo.

Nós, marxistas e revolucionários, devemos, antes de tudo, dizer a verdade. Não podemos semear ilusões no sistema capitalista e alimentar a ideia utópica de que a democracia plena pode ser mantida hoje, sem romper com o sistema. É nosso dever como marxistas e revolucionários corajosamente explicar, aos trabalhadores e jovens que querem a democracia, que a única maneira de alcançar uma verdadeira democracia será tomando o poder.

Como nos aproximamos dos trabalhadores e da juventude?

É importante a adoção de um programa socialista e revolucionário claro e ter ideias claras, mas como é que vamos apresentar este programa e as ideias? Para os trabalhadores que não leram o Manifesto do Partido Comunista ou sequer ouviram falar de Karl Marx, ser abordado por nós isoladamente o slogan da “revolução socialista” pode ser muito estranho. Ao mesmo tempo, não podemos esconder o fato de que o sistema precisa ser mudado.

Infelizmente, lendo as principais resoluções e artigos dos SR, não encontramos uma solução para este problema. Parece que temos que fazer um grande esforço para encontrar qualquer menção da necessidade de romper com o sistema capitalista. E quando afinal isto é mencionado assume um caráter muito abstrato e distante.

Na resolução escrita em 26 de janeiro denominada “O ano em que as máscaras caíram: os egípcios contra a aliança da Irmandade, dos militares e do capital” (The year the masks fell: Egyptians against the alliance of the Brotherhood, military and capital, em árabe), os camaradas lançaram os seguintes slogans:

Por isso, apelamos à juventude revolucionária da Frente para lutar pela limpeza de suas fileiras. Participem conosco e todos os revolucionários na construção de uma verdadeira frente revolucionária que pode atingir os objetivos da revolução: pão, liberdade, justiça social e dignidade humana. Juntem-se ao trabalho nas fábricas, nas ruas, nos bairros e nos sindicatos independentes para priorizar os interesses sociais de milhões de pobres e de trabalhadores de baixa renda, manuais e dos escritórios, dos camponeses, e de todos aqueles que trabalham por um salário. Eles derrubaram Mubarak e irão derrubar qualquer regime que estiver em seu caminho.

Glória aos mártires e aos feridos!

Todo o poder e riqueza para o povo!

Assim, as reinvindicações lançadas neste importante dia de ação, quando as massas em Port Said, Ismailia e Mahalla estavam nas ruas eram apenas: limpem a Frente de Salvação Nacional [dos “felool”, pessoas ligadas ao antigo regime de Mubarak], construam uma frente revolucionária [o que quer que isso signifique], trabalhem nas fábricas, nas ruas, nos bairros e nos sindicatos independentes para priorizar os interesses sociais das massas trabalhadoras, todo o poder e riqueza para o povo.

Claro que somos simpáticos aos objetivos dos camaradas, mas a mensagem correta não está sendo transmitida. Exceto para a demanda correta de limpeza da FSN, não há uma única demanda concreta entre aquelas lançadas acima, em um dia em que centenas de milhares de pessoas estão nas ruas nas principais áreas industriais do país. Em vez de chamar uma greve geral contra as medidas da Irmandade, os camaradas estão pedindo para as pessoas “trabalharem” para “priorizar os interesses” dos trabalhadores e dos pobres (?!). E no final eles chamam “todo o poder e riqueza para o povo” – uma declaração que não quer dizer nada, embora a ideia por trás dela pareça correta.

A coisa mais importante no desenvolvimento de um slogan, a partir de uma perspectiva marxista, é elevar a consciência de classe e através da experiência das massas aproximá-la do programa do partido. Isto é feito tomando como ponto de partida as lutas concretas e conectando-as à questão da revolução socialista.

No Programa de Transição, Trotsky explicou:

“… É necessário ajudar as massas no processo da luta diária para encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve incluir um sistema de reivindicações transitórias, decorrentes das condições atuais e da consciência atual de largas camadas da classe operária e levando, invariavelmente, a uma conclusão final: a conquista do poder pelo proletariado.

“A Social Democracia Clássica, funcionando em uma época progressiva do capitalismo, dividiu seu programa em duas partes independentes uma da outra: o programa mínimo, que se limitava a reformas no quadro da sociedade burguesa, e o programa máximo, que prometia substituição do socialismo para o capitalismo num futuro indefinido. Entre o programa mínimo e máximo não existia uma ponte. E, de fato, a social-democracia não tem necessidade de tal ponte, uma vez que a palavra socialismo é usada apenas para as palestras nos feriados. O Comintern decidiu seguir o caminho da social-democracia em uma época de capitalismo decadente: quando, em geral, não pode haver discussão de reformas sociais sistemáticas e de melhoria das condições de vida das massas, quando cada demanda séria do proletariado e até mesmo cada demanda séria da pequena burguesia, inevitavelmente, vai além dos limites da propriedade capitalista e do Estado burguês “.

Os bolcheviques seguiram este método, em 1917, quando tomaram o poder. Passo a passo, por meio da sua participação em cada luta dos trabalhadores, os bolcheviques generalizaram as lutas e conectaram as suas demandas com a questão do poder.

“Terra, Pão e Paz” é um slogan bem conhecido, mas foi em todas as ocasiões colocado junto ao “Todo o Poder aos Sovietes”. Ou seja, os bolcheviques explicaram pacientemente aos trabalhadores e jovens que apoiavam as suas principais reivindicações democráticas, mas que estas só poderiam ser alcançadas se os trabalhadores tomassem o poder.

Essa também é a nossa tarefa hoje no Egito. Os principais problemas da revolução são Pão e Liberdade, isto é, democracia e melhor qualidade de vida. Estas são duas exigências reformistas no sentido de que ambas são, em teoria, possíveis sob um sistema capitalista. Mas o que devemos explicar em cada esquina da revolução é que elas não podem ser atingidas sem que os trabalhadores tomem o poder em suas mãos.

Se o movimento de greve se desenvolve, devemos em um determinado ponto apresentar a demanda da estatização das fábricas sob controle operário.

Quando os reformistas defendem a re-nacionalização das velhas empresas estatais, nós também defendemos e então reinvindicamos a renacionalização completa de todos os setores privatizados sob controle dos trabalhadores, como um primeiro passo para a expropriação total da burguesia.

Se os direitos democráticos que a revolução conquistou estão em perigo, devemos explicar como apenas uma completa ruptura com o capitalismo pode garantir uma sociedade livre e democrática.

Se o movimento está sob ataque de bandidos, é preciso apresentar a demanda para o movimento formar comitês de defesa como um primeiro passo para a formação de uma milícia popular.

Em cada luta devemos tomar como ponto de partida a situação real e concreta na base do movimento e vinculá-la com a questão do poder e a questão da propriedade. Se pacientemente explicarmos essas ideias de uma forma amigável, os trabalhadores e a juventude, sob as marteladas dos grandes eventos, chegarão às mesmas conclusões que nós e irão unir-se a nossa bandeira na luta contra a burguesia.

Mas se formos muito abstratos ou muito tímidos, não vamos ganhar os ouvidos daqueles que estão lutando nas ruas. Eles estão procurando por ideias radicais, mas apenas ideias radicais que se encaixam com o mundo real em que vivem e não uma utopia imaginária.

Por uma Organização Revolucionária

Esperamos que a discussão acima sirva para esclarecer algumas das principais questões relacionadas com a revolução egípcia e as tarefas dos socialistas revolucionários.

Mas, como Trotsky disse uma vez, as ideias sem organização são como uma faca sem corte. Nós não somos marxistas porque as ideias do marxismo são interessantes, mas porque são as únicas ideias que podem explicar a sociedade capitalista e mostrar um caminho para sair do impasse. Estas ideias são absolutamente necessárias para levar a revolução egípcia para a vitória.

Acreditamos que os socialistas revolucionários reúnem alguns dos mais talentosos jovens e dedicados revolucionários no Egito, mas também acreditamos que, devido aos erros da liderança, a organização tem ficado marginalizada dentro da revolução e enfrenta a possibilidade de desaparecer no esquecimento completo.

É necessário ter uma discussão honesta com uma avaliação do processo revolucionário e das posições que foram tomadas. E é necessário corrigir imediatamente os erros que foram cometidos.

Neste contexto, uma campanha deve ser travada para a educação dos ativistas nos clássicos do Marxismo, com base nos escritos de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Apenas com uma plataforma ideológica correta pode um verdadeiro partido revolucionário ser construído.

É necessário fazer isso através de reuniões semanais regulares nas células que englobam todos os membros. Até onde estamos informados hoje existem apenas reuniões esporádicas para os membros da base, enquanto todas as decisões e principais discussões são tomadas em níveis mais elevados.

Também fomos informados que os agrupamentos existentes são divididos em alas de trabalhadores e alas de estudantes. Claro que, muitas vezes, é mais prático ter células de trabalhadores em fábricas e células de estudantes nas universidades. Mas isso não deve ser estruturado além do ponto em que estaremos falando basicamente sobre duas organizações separadas. E em qualquer caso, os jovens que são ganhos nas universidades devem ser orientados para as fábricas e bairros operários.

Todas estas questões estão ligadas e, no final, formam um retrato que explica por que a organização está indo na direção atual. E, claramente, não ajuda que a organização, tanto quanto sabemos, nunca teve um congresso ou uma entidade representativa para discutir a avaliação do processo e o caminho a seguir.

Esta é uma situação absolutamente inaceitável. Dois anos após a queda de Mubarak, não há desculpa para não ter um congresso democrático. A atual liderança nunca foi adequadamente confirmada como responsável por suas decisões e, assim, nunca teve de defender adequadamente as decisões que tomou. Isto é muito importante, especialmente quando elas tiveram tantas graves implicações sobre o estado da organização e na sua posição no campo revolucionário.

Um congresso deve ser chamado imediatamente para discutir as questões prementes com as quais muitos membros estão corretamente preocupados.

Só há um caminho

É claro que a situação mudou no Egito. Especialmente após os ataques brutais dos últimos meses, o clima mudou completamente. Uma atitude séria está se desenvolvendo entre os ativistas da revolução para as questões de teoria que pareciam irrelevantes antes.

Mas os golpes pesados ​​que a revolução sofreu são uma convocação para abrir os olhos. A revolução não é brincadeira, e o preço dos erros é pago com sangue. Mas não podemos nos dar ao luxo de passar o tempo gemendo e chorando. Devemos canalizar nossa raiva para o estudo das nossas experiências e as experiências do passado – de modo a não cometer os mesmos erros novamente.

Se nós não aprendermos com os nossos erros, estamos condenados a repeti-los novamente. Isso faria com que os erros fossem imperdoáveis​​. Mas se aprendermos com eles, podemos transformar esses retrocessos temporários em um prelúdio para uma grande ofensiva. Essa é a melhor maneira de honrar a vida daqueles que tombaram.

Hoje, as massas do Egito estão aprendendo com a velocidade da luz sobre a natureza da Irmandade Muçulmana, a natureza do capitalismo e a natureza da democracia burguesa. Os jovens, especialmente, estão à procura de ideias que podem dar uma compreensão mais profunda da situação.

A situação está posta sob medida para as ideias do marxismo. Se as estudarmos e sobre esta base corrigirmos os erros que foram feitos, o terreno será fértil para que possamos alcançar primeiro os ouvidos dos melhores elementos dos trabalhadores e da juventude e a partir daí armar as massas revolucionárias mais amplas com as nossas ideias.

O que é exigido de nós, não é exigido por qualquer indivíduo, mas pela própria história: que trabalhemos corretamente para o nascimento de um novo mundo que substitua o sistema apodrecido do capitalismo, que está fechando todos os poros da sociedade humana.

Tradução: Ruy Penna