Egito: Milhões nas ruas assinalam o início do fim para Morsiu

Publicamos abaixo um artigo escrito no dia 30 de junho analisando os acontecimentos que antecederam a derrubada de Morsi. Sua leitura é importante para se compreender o que veio a ocorrer depois e os dias atuais da revolução egípcia. Em seguida publicaremos outro texto abordando diretamente a queda de Morsi e analisando todo o processo revolucionário que se desenvolve no Egito.

Mais uma vez o povo do Egito se levantou contra a ditadura, a pobreza e a corrupção. Ontem, 30 de junho, milhões de pessoas inundaram as ruas de todas as grandes cidades que se estendem desde as áreas rurais do Alto Egito, através dos centros industriais do Delta do Nilo e de todos os caminhos que levam às regiões do norte do país. Mohammed Morsi e a Irmandade Muçulmana, elogiados no Ocidente como salvadores do capitalismo egípcio, foram completamente desarmados pela revolução. Seu destino está agora nas mãos do movimento que tem todas as possibilidades de varrê-los para o lado.

Antecipando a jornada de ações de ontem, os protestos já tinham irrompido no Cairo, em Alexandria e em várias governadorias egípcias, incluindo Daqahliya, Sharqiya e Zagazig. Várias sedes da Irmandade Muçulmana e de seu braço político, o Partido da Liberdade e da Justiça, no Delta do Nilo e em Alexandria, foram incendiadas e saqueadas enquanto os contínuos confrontos entre os apoiadores de Morsi e os revolucionários ocasionavam várias mortes e centenas de feridos.

Nas primeiras horas da manhã do dia 30 de junho milhares de egípcios se reuniram em praças e na frente dos edifícios públicos de todo o país. Os manifestantes em Gharbiya bloquearam as portas de vários prédios dos conselhos municipais [equivalentes às Câmaras Municipais no Brasil – Nota do Tradutor] e levantaram cartazes onde se lia: “fechado por ordem da revolução”.

Mas no transcorrer do dia – tomando todos de surpresa – o movimento adquiriu proporções gigantescas, muito além de qualquer coisa antes testemunhada desde o início da revolução. No Cairo, a Praça Tahrir e todas as vias que nela desembocavam estavam completamente apinhadas de gente. A mesma quantidade de gente podia-se ver em Heliópolis, no entorno do palácio presidencial, como uma inundação humana que cobria de forma extraordinária o amplo bulevar além do que os olhos podiam alcançar.

As passeatas vinham de todos os cantos da cidade em fluxo aparentemente interminável. Em diversos locais de Gizé, uma passeata liderada pelo candidato presidencial Nasserista, Handeen Sabahi, e pelo líder da recém-formada Federação Independente Egípcia dos Sindicatos, Kamal Abou Eita – congregavam dezenas de milhares de pessoas.

A passeata se mesclou com outra liderada pelo líder da oposição liberal, Mohamed El Baradei, na Praça Al-Nahda, no final da rua.

Ao passar pela delegacia de polícia de Dokki, os manifestantes foram saudados por policiais de baixa patente que portavam bandeiras em apoio, sendo que alguns empunhavam cartazes dirigidos ao presidente com uma só e simples mensagem: “vá embora!”.

Os Ultras Ahlawy, torcedores barra-brava do Al-Ahly Club [clube de futebol local – Nota do Tradutor], baseado no Cairo, participaram fortemente do protesto usando suas canções de guerra e lasers verdes para elevar ainda mais a atmosfera.

As palavras de ordem cantadas eram principalmente contra a Irmandade Muçulmana, em defesa da Revolução e pela derrubada do regime. Os dois mais populares cânticos eram: “vá embora!” e a palavra de ordem do levantamento de 25 de janeiro contra Mubarak: “O povo exige a queda do regime!”.

Havia pessoas de todos os quadrantes da vida: de donas de casa a trabalhadores e estudantes, de ateus e seculares a muçulmanas totalmente veladas, homens e mulheres, jovens e velhos. Marchando em direção a Tahrir ou ao palácio presidencial, muitos manifestantes paravam para apertar as mãos e tirar fotos juntos aos soldados que guardam prédios importantes. Pelo menos seis altos responsáveis da polícia estiveram no palanque da Praça Tahrir em apoio aos manifestantes, como afirmou uma testemunha do fato à agência Reuters. De acordo com a BBC, a polícia se juntou aos manifestantes em Alexandria, alguns deles com seus veículos policiais.

Está muito claro que dois anos de intensa atividade revolucionária das massas causaram um impacto no aparato do estado. No início deste ano houve uma greve nacional da polícia, que protestava por estar sendo usada para reprimir o povo. Houve também informes de que estava sendo formado um sindicato dos policiais, em particular pelos elementos mais jovens da força.

Informando de Alexandria, onde centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas, Ahram Online’s Yasmine Fathi informou que toda a área tomada pelos protestos estava “apinhada, as pessoas não podiam mais se mover”. E milhares seguidos de milhares ainda estavam chegando à área, informou ela.

Um jovem manifestante, Wael Nabil, disse à mesma fonte em Alexandria que ele estava disposto a permanecer em protesto até Morsi ir embora, mesmo que isto significasse esperar um ano inteiro.

“Mubarak nos reprimiu, mas, pelo menos, manteve os serviços funcionando; não cortou a eletricidade, a água e a gasolina, como agora”.

“Nada mudou; meu salário não aumentou. Minha esposa está grávida e como vou prover o meu filho?” Acrescentou Nabil.

No bastião proletário industrial de Mahalla, centenas de milhares se reuniram na Praça Al-Shoun. O conhecido ativista da classe trabalhadora, Kamal El-Fayoumi, disse a Ahram Online’s, logo no início do dia, que:

“A Irmandade Muçulmana não se atreve a organizar protestos em Mahalla. O povo da cidade votou contra a constituição e o presidente Morsi e rejeita a presença do grupo no poder.

“Espero em torno de um milhão de pessoas para tomar as ruas de Mahalla esta tarde.

“Somente 10% dos trabalhadores da empresa estatal de Mahalla, Misr Spinning and Weaving Company, estão trabalhando hoje, os demais estão protestando.

“O presidente Mohamed Morsi Mubarak fracassou na realização de qualquer uma de suas promessas eleitorais.

“Mahalla contribuiu pesadamente para remover Mubarak do poder, e faremos a mesma coisa com Morsi”.

Mais tarde ele acrescentou que voltará à cidade industrial de Mahalla amanhã (segunda-feira) e que “se o regime não for derrubado em seguida, iremos aderir a uma “sentada” [manifestação permanente – Nota do Tradutor] e convocar a desobediência civil”.

Entre outras palavras de ordem cantadas na Praça Al-Shoun, em Mahalla, tivemos “Abdel-Nasser já disse antes, não se deve confiar na Irmandade Muçulmana”, um cântico famoso que se refere ao antigo presidente nacionalista de esquerda Gamal Abdel-Nasser, cujo legado está tendo um surto de popularidade no Egito.

Situações similares foram testemunhadas na vizinha Mansoura, na governadoria de Sharqiya e em Suez.

Em Damietta, no norte do Egito, Hatem El-Bayaa, da Aliança Popular Socialista, informou que os manifestantes na cidade, estimados em vários milhares, tomaram a sede da governadoria e os escritórios das autoridades locais da educação. Em coordenação com os empregados dentro dos escritórios da governadoria, manifestantes anti-Morsi estavam planejando ocupar outros prédios governamentais para impedir a entrada em seu escritório do recém-nomeado governador de Damietta, Tarek Fathallah Khedr. Com a mesma disposição, sete prédios dos conselhos urbanos (câmaras de vereadores) foram fechados pelos manifestantes na governadoria de Menoufiya.

Estes exemplos revelam o ânimo insurrecional que está se intensificando, com as massas não se limitando a protestos nas ruas, mas avançando ações diretas contra as instituições do poder estatal.

De acordo com o ministério do interior, havia três milhões de pessoas nas ruas, enquanto oficiais anônimos do exército falavam de um número em torno de 14 milhões. Embora estes números não possam ser confirmados, fica claro que este é um dos maiores protestos na história do Egito. Em termos de escala, estes protestos cobriram até mesmo mais terreno que a revolução em 2011, porque adquiriu um caráter de massa através de todo o Egito, enquanto que, em 2011, a esmagadora maioria das pessoas se reunia basicamente na Praça Tahrir.

O equilíbrio de forças

Ao ver a tempestade se formando, a Irmandade Muçulmana tentou mobilizar suas próprias forças durante a semana passada. Em várias ocasiões, conseguiram reunir multidões de dezenas de milhares, no máximo se aproximando da casa das centenas de milhares. As forças islâmicas organizaram uma sentada na Mesquita Rabaa Al-Adawiya, na cidade de Nasr do Cairo, na sexta-feira, e lá permaneceram até o comício de massas no domingo. Eles protagonizaram comício semelhante na última semana, com um número de centenas de milhares de pessoas.

Suas manifestações foram muito bem organizadas e protegidas por um anel de guardas usando equipamentos de proteção e carregando porretes. Supunha-se que isto tinha somente “objetivos defensivos”, mas logo se comprovou ser uma fraude quando vários manifestantes foram atacados por bandidos islâmicos vestindo este uniforme.

O fato de que Morsi pudesse mobilizar algumas forças mostra que eles ainda têm um núcleo de apoiadores. Mas o tamanho de seus comícios empalidece em comparação com os milhões que vieram contra eles ontem. Deve-se enfatizar o fato de que a Irmandade usou todo o poder do aparato do estado para assegurar uma grande afluência.

Como afirmou um leitor de Guardian:

“O que os repórteres de Guardian falharam em mostrar é isto. Havia talvez 20 mil ou mais apoiadores em Misr Gadidah, mas eles representam as bases rurais mais teimosas e que já experimentaram de tudo neste país e atendem hoje aos incentivos em dinheiro e comida para aparecerem. Comparem estes protestos com os da Praça Tahrir, com os do Ministério da Defesa, de Tanta, Alexandria, Suez, Manoufeya, Mahalla e outros locais que consistiam de pessoas de suas respectivas áreas que não foram pagas com doces e que não eram organizadas por qualquer partido ou seita religiosa. Tahrir está cheia às quatro horas da tarde sob temperaturas acima dos 30o C. Imaginem a multidão mais tarde na noite de hoje quando estiver mais frio”. 

A situação das massas

Depois de mais de um ano com a Irmandade Muçulmana no poder a maioria dos egípcios começam a entender que nada de fundamental mudou na sociedade. A natureza antidemocrática do regime continua. O velho aparato do estado permanece firmemente no lugar e os responsáveis pela morte de centenas de mártires da revolução não foram levados a julgamento. A corrupção e o nepotismo medram – embora agora delas também levem vantagem a parte mais barbuda da classe dominante [refere-se às longas barbas dos burgueses islâmicos – Nota do Tradutor].

Milhares de ativistas ainda se encontram na prisão. Manifestações pacíficas são suprimidas todos os dias e ataques sectários estão aumentando. Somente na última semana quatro muçulmanos xiitas foram assassinados por uma turba da Irmandade e de Salafistas extremistas. Isto foi seguido por todo um período de agitação anti-xiita patrocinado por conhecidos clérigos salafistas. Embora Morsi tenha denunciado o linchamento, não fez mais nada a respeito disto. Isto também mostra como Morsi está se tornando crescentemente dependente da tendência extremista salafistas, enquanto se enfraqueceu cada vez mais no curso do ano passado. Grande número de ministros e vice-ministros se demitiu do seu governo ficando apenas os elementos mais extremistas.  

Ao mesmo tempo, a situação econômica está oprimindo como uma pesada rocha a vida das massas. Desemprego, fome e pobreza aumentam rapidamente. Hoje, o desemprego é de mais de 30%; era de 9% em 2010. Os dados mais recentes mostram que um quarto da população está vivendo na pobreza e este número está crescendo.

Em uma recente pesquisa, quando da pergunta sobre sua satisfação com o governo Morsi, as respostas foram incriminadoras. Sobre a questão da satisfação com o governo garantindo direitos e liberdades: satisfeitos, 27%; não satisfeitos, 72%. Sobre a questão da satisfação com o governo criando oportunidades econômicas: satisfeitos, 25%; não satisfeitos, 74%. Sobre a questão da satisfação com o governo garantindo a segurança pública e a manutenção da ordem: satisfeitos, 26%; não satisfeitos, 74%. Sobre a questão da satisfação com o governo apoiando os serviços que ajudem a prover cuidados médicos à família, educação etc.: satisfeitos, 26%; insatisfeitos, 74%.

Desapontadas com o governo da Irmandade Muçulmana e empurradas à beira do precipício pelas dificuldades econômicas, as massas de trabalhadores, pobres, jovens e mesmo grandes setores da classe média, vieram no domingo dar voz a sua ira e indignação. Um dos participantes em Tahrir disse:

“Meu irmão morreu na Rua Mohamed Mahmoud durante os 18 dias, ele tinha apenas 25 anos de idade, seu nome era Mostafa. Se eu tivesse dinheiro, iria embora do país e viajaria para o estrangeiro porque aqui não há trabalho, apesar de eu ser graduado. Os egípcios estão atualmente vivendo em extrema pobreza. Não foi feita nenhuma justiça pela morte de meu irmão. Não é isto que a revolução queria. Penso que Morsi vive em outro mundo, ele tomou decisões impopulares e continua a falar coisas impopulares como elogiar a mesma força policial que foi responsável pela morte de meu irmão”.

Em outro local de Praça Tahrir, Khayria, uma dona de casa de 37 anos de idade da cidade de Sheikh Zayed, aqui com seu marido, um taxista, estava carregando no colo sua filha de três anos de idade. Ela disse a Ahram Online que ela desejava a saída imediata de Morsi e que o exército tomasse o controle, porque Morsi ensanguentou o país.

“Vemos tantas pessoas nas ruas comendo lixo e tantas pessoas que ficam em casa porque não conseguem encontrar trabalho”, Khayria acrescentou, enfatizando que ela está indo para Tahrir para “lutar até o último alento”.

Desconfiança em relação aos líderes

O primeiro movimento importante contra o governo Morsi começou em dezembro do ano passado, mas devido à ausência de liderança veio abaixo. Os supostos líderes da oposição não tinham nenhuma alternativa a apresentar e nenhum plano para levar o movimento à frente. Aterrorizados com a perspectiva de perder o controle do movimento, eles se recusaram a convocar uma greve geral ou a apresentar um plano confiável de batalha. Em vez disso, eles apelaram pela convocação de comícios e de mais discussões com Morsi, enquanto formavam a Frente de Salvação Nacional junto com Amr Moussa, um político com raízes diretas no velho regime.

Em última análise esta estagnação e ausência de perspectivas levou o movimento abaixo e abriu um período de cansaço e retirada durante a primavera quando não ocorreram protestos de maior porte – embora muitas pequenas e isoladas greves e manifestações ocorressem. Enquanto o principal problema da sociedade permanecia, a maior parte da população não via alternativa para se reunir. De fato, houve uma reação contra toda a classe política.

Expressando este sentimento, no domingo, uma professora disse a Ahram Online que ela não gostava de nenhum dos candidatos presidenciais que concorreram no ano passado, tais como Amr Moussa e Mohamed El Baradei, “não acho que algum deles esteja apto para a posição, ela tem de ser de alguém de fora de qualquer movimento político”.

Isto também ficou claro na recente pesquisa entre cinco mil egípcios realizada pela Independent Media Review and Analisys. Quando perguntou sobre a credibilidade das figuras políticas, todos eles, Morsi inclusive, ficaram abaixo de 30%, enquanto Aboul Fottou, o islâmico liberal chegou aos 30%.

Os únicos políticos que obtiveram altos índices foram Gamal Abdel Nasser e Anwar Al Sadat (com 73% e 79%, respectivamente) nenhum deles vivo. A única pessoa viva a ganhar um índice de alta credibilidade foi Bassem Youssef, que atua como anfitrião em um famoso programa de sátira política similar ao americano Daily show com Jon Stewart.

Entre as forças da esquerda a situação não é melhor. Como já explicamos, a liderança dos Socialistas Revolucionários, que é o maior grupo com uma grande base na juventude, adotou a criminosa posição durante as eleições do ano passado de dar apoio a Mohamed Morsi no segundo turno.

Naquele momento, Sameh Naguib, um líder do grupo escreveu:

“A vitória de Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana, é uma grande conquista ao empurrar para trás esta contrarrevolução e para empurrar para trás este golpe de estado. Por enquanto, esta é uma vitória real das massas egípcias e uma vitória real para a revolução egípcia.

“Pode-se não ver isto na superfície das coisas. Muitas pessoas, especialmente no Ocidente, e também aqui, têm uma atitude islamofóbica que não lhes permite ver a natureza da Irmandade Muçulmana…”.

Hoje está claro que a Irmandade Muçulmana representa a pura contrarrevolução capitalista e nada mais. Se os líderes dos Socialistas Revolucionários tivessem explicado isto naquele momento, seguindo o exemplo dos Bolcheviques na Rússia entre fevereiro e outubro de 1917, poderiam ter crescido massivamente no ano passado e estariam agora aptos a desempenhar um papel decisivo. Mas sua posição somente serviu para isolá-los do movimento porque vai diretamente contra a realidade com que se defrontam hoje.

Tamarod

Nenhuma das principais forças políticas no Egito mostrou um caminho a seguir para a revolução ou o apresentou com uma verdadeira alternativa política. É sintomático que a iniciativa para o dia de ação não tenha surgido de qualquer dos grupos políticos estabelecidos, mas a partir de uma organização enraizada nos cidadãos comuns, composta de ativistas normais e correntes de todo o Egito. A organização Tamarod (Rebelde) iniciou uma campanha de assinaturas para a revogação do presidente Morsi. Seu alvo original era 15 milhões de assinaturas antes do protesto de 30 de junho – que foi o primeiro aniversário da eleição de Morsi. Mas no final eles coletaram 22 milhões de assinaturas. Em contraste, Morsi somente recebeu 13 milhões de votos no segundo turno das eleições no ano passado, enquanto somente recebeu cinco milhões no primeiro turno (de um total de 50 milhões de eleitores registrados).

Isto também serve para mostrar a hipocrisia de Morsi quando alega que tem “legitimidade democrática”, uma vez que foi “eleito pela maioria dos egípcios”. Certamente, os apoiadores de Morsi hoje são bem menos que os cinco milhões de votos que ele recebeu no primeiro turno das eleições presidenciais.

O regime em crise

A legitimidade do governo de Morsi foi revogada, nem legal nem eleitoralmente, mas nas ruas onde os milhões que apoiam a revolução fizeram uma poderosa demonstração de força.

Enquanto adotava em geral uma atitude muito arrogante em relação às demandas das ruas, estava claro que Morsi se encontrava sob pressão. Embora tenha se recusado a fazer qualquer concessão séria, ele disse que, “hoje, apresento uma auditoria de meu primeiro ano, com total transparência, junto com um mapa da estrada. Algumas coisas foram conquistadas e outras, não. Cometi erros em vários assuntos”. Ao mesmo tempo, contudo, informou-se que um avião estava no palácio pronto para evacuar o presidente, se necessário. Mesmo o líder do partido salafista Nour, mais em contato com a situação, exortou Morsi a fazer concessões para evitar um banho de sangue.

Como já explicamos muitas vezes antes, os Islâmicos nunca poderiam resolver qualquer um dos problemas da revolução porque os principais problemas, como a pobreza e o desemprego, estão enraizados no sistema capitalista e não são particulares ao Egito. A Irmandade Muçulmana sendo defensora do sistema iria eventualmente, como nós previmos, confrontar a revolução. O que estamos testemunhando não é somente o início do fim para Mohamed Morsi, como também para o Islã político que está sendo exposto como nada mais que um movimento burguês reacionário. 

A pressão vinda de baixo está causando divisões no topo. Ao longo das mobilizações, houve várias apelos para o exército intervir e tomar o poder. Mas, enquanto o topo do exército, até a semana passada, estava se recusando a fazer isto e disse que só iria intervir para garantir a ordem – inicialmente, uma advertência contra a revolução – o tom mudou nos dias que antecederam ao 30 de junho.

Uma fonte militar disse ao Guardian nesta quinta-feira que o exército não queria intervir. Mas afirmou que, se os protestos de domingo foram tão generalizados e prolongados como aqueles que dirigiram o levante de 2011 no Egito, e se eclodissem lutas sérias entre os apoiadores de Morsi e seus oponentes, então o exército pode considerar os protestos como uma representação mais legítima da vontade do povo do que as eleições que levaram Morsi ao poder há um ano – e que, portanto, interviria para facilitar uma transição de poder para um governo interino tecnocrático.

Enquanto estas linhas estavam sendo escritas, o exército emitiu um comunicado dizendo que “as forças armadas estão dando a todas as forças políticas 48 horas como uma última oportunidade para a solução dos problemas em curso, ou então as forças armadas terão de anunciar um novo roteiro para o futuro, e irá impor certas medidas com a ajuda de todas as facções, incluindo a juventude, sem excluir ninguém”.

O exército egípcio tem uma longa tradição de envolvimento na política. Mas nem sempre como uma força contrarrevolucionária. As massas no Egito e, especialmente, os soldados e os oficiais de baixa patente lembram muito bem que foi o golpe de estado de um oficial que liderou a revolução de 1952 que derrubou o odiado rei Farouk. O exército não está isolado das pressões da sociedade, ele reflete as mesmas pressões. Sentindo o chão tremer sob os pés, os generais do exército estão cobrindo suas apostas de forma a não parecerem despojados sem um exército. A reação do topo do exército – que está completamente entrelaçado com a classe dominante do Egito – realmente revela a força arrebatadora da revolução e a fraqueza da burguesia.

Nessas condições, a intervenção dos generais do exército seria destinada a impedir que a revolução avançasse ainda mais, oferecendo algum tipo de caminho constitucional para a crise revolucionária, talvez colocando um governo interino, que incluísse alguma figuras da oposição liberal e burguesa, enquanto seriam convocadas eleições antecipadas. A última coisa que os generais do exército queriam é que as massas revolucionárias derrubassem Morsi por suas próprias forças. Este é o sentido de sua declaração. O que eles estão dizendo a Morsi é: se você não pode controlar as massas, por favor, afaste-se para o lado e não piore a situação, ou então vamos intervir.

O movimento deve avançar

Ontem, 30 de junho, o Comitê de Coordenação aprovou uma resolução dizendo: “Agradecemos ao povo egípcio que se revoltou em número de milhões por um Egito livre, livre do fascismo, da tirania e da injustiça”, enquanto, ao mesmo tempo, denunciava Morsi. “A presidência divulgou uma declaração nos menosprezando e desprezando nossas legítimas demandas e nossos milhões de homens marcham por todas as praças do Egito”.

O Comitê prometeu “apoiar o povo e suas justas reivindicações” e apela por mais ações por “todos os meios democráticos de manifestação, sentadas, greves e cercos de todas as instituições estatais, e exigimos o julgamento de todos os responsáveis por torturas, mortes e anúncios em editais incitando ações contra o povo e os apelos ao terrorismo, convocados pela Irmandade Muçulmana”.

Somos totalmente a favor desta resolução. Na verdade, já em muitas cidades as pessoas ocuparam os escritórios do governador impedindo-os de funcionar.

Assim como na revolução de 2011, uma greve geral é decisiva, a fim de derrubar o regime. Para coordenar isto, devem ser formados comitês de ação em cada fábrica e bairro e conectados em nível regional e nacional.

A pressão está aumentando na sociedade egípcia e a revolução está de volta com força total. Isso também deve ser uma lição para todos aqueles céticos que haviam declarado a revolução morta e estavam reclamando que a revolução tinha dado lugar ao poder islâmico e à sombria reação. Na base deste argumento encontra-se a falta de confiança na capacidade das massas trabalhadoras de tirar conclusões revolucionárias avançadas a partir de sua própria experiência.

Na verdade, o protesto de ontem serve para revelar o nível avançado das massas e o baixo nível de compreensão dos chamados líderes. A cada passo da revolução não foram os líderes, mas as bases que empurraram a revolução para a frente, enquanto os líderes agiam como pesos mortos atados aos pés da revolução. O fato de que o movimento atual está enraizado nas fileiras do movimento é uma prova concreta disso.

As massas só podem confiar em suas próprias forças. Nem os generais do exército nem a Irmandade ou qualquer uma das outras forças burguesas podem resolver qualquer um dos problemas prementes dos trabalhadores e pobres do Egito, porque representam o mesmo sistema capitalista que é a causa de seu sofrimento. Só tomando o poder em suas próprias mãos e liberando-se das amarras da sociedade capitalista poderá o verdadeiro potencial da sociedade egípcia ser alcançado.

Abaixo Morsi!

Nenhuma confiança no comando do exército!

Nenhuma confiança nos homens do antigo governo!

Confiar somente nas próprias forças!

Estabelecer comitês de ação e organizar uma greve geral para derrubar o governo!

Todo o poder aos operários revolucionários e jovens!

 

Traduzido por Fabiano Adalberto