Dilapidação do patrimônio da extinta RFFSA

“Polícia Federal apreende sucata da rede ferroviária”. Esta foi a principal chamada do Jornal Nacional-Rede Globo no dia 26/11.

A matéria informava sobre a dilapidação e roubo de patrimônio da extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal) praticados por operadoras privadas do sistema de transporte ferroviário do Brasil. Neste caso, a investigação da Polícia Federal se concentrou em várias cidades do estado de São Paulo, e apontou o envolvimento da empresa América Latina Logística (ALL), a maior concessionária de ferrovias do país.

Segundo informações da PF, que investiga um esquema de apropriação do patrimônio público que movimentaria milhões de reais com a participação de várias empresas, estima-se que, nos últimos dois anos, 210 locomotivas elétricas foram destruídas e mais de 3 mil vagões viraram matéria-prima para a siderúrgica.

As locomotivas elétricas operavam no transporte de comboios ferroviários de passageiros e cargas da extinta “Ferrovias Paulistas” (FEPASA), que foi incorporada pela RFFSA em 1996, no acordo firmado entre o então governador de São Paulo, Mário Covas, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (ambos do PSDB) para a privatização do BANESPA.

É bom lembrar que a dilapidação do patrimônio da extinta RFFSA não começou agora. Teve início em março de 1996 quando foi efetuado o leilão da Malha Oeste, que liga Bauru-SP a Corumbá-MS, divisa com a Bolívia.

A RFFSA foi privatizada sem que houvesse a constituição do marco regulatório, o que só foi constituído em 1998, após o Tribunal de Contas da União (TCU) ter recebido denúncia apresentada pela Federação Nacional Independente de Trabalhadores Sobre Trilhos – CUT, e emitido parecer favorável a decretação da caducidade dos contratos.

Para não aplicar a orientação do TCU, Fernando Henrique editou medida provisória colocando a RFFSA em liquidação, o que legalmente impedia a empresa de assumir o controle das malhas privatizadas. De afogadilho criou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sem que a mesma dispusse de recursos humanos e materiais para assumir as responsabilidades da RFFSA, entre outras, a de fiscalizar o uso do patrimônio concedido ou arrendado.

De 1998 a 2007, quando a RFFSA foi definitivamente extinta por medida provisória editada pelo governo Lula, foram nove anos de verdadeira farra com o patrimônio público. O alvo principal neste período foram os imóveis. Centenas de imóveis residenciais (a maioria em zonas nobres) de grandes centros urbanos e de alto valor, fazendas, foram literalmente roubados por quadrilhas organizadas e grandes escritórios de advocacia que preparavam a parte legal.

Outra forma de dilapidar o patrimônio da extinta RFFSA vem se dando com o oferecimento de grandes imóveis, como estações ferroviárias para garantirem dívidas trabalhistas, civis e criminais, como ocorreu na cidade de Bauru-SP, onde a Estação Central, a terceira maior do país, foi penhorada para pagamento de dívida trabalhista.

Das operadoras privadas, a que de forma ostensiva vem se apropriando do patrimônio da extinta RFFSA é a América latina Logística, Holding que controla as ferrovias nos Estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

Pelo contrato de concessão, as operadoras privadas deveriam devolver à União os bens operacionais arrendados para que pudessem operar: (linhas, locomotivas, vagões, prédios de oficinas e escritórios, máquinas operatrizes, etc.), o que será impossível frente à absoluta falta de fiscalização e de acompanhamento por parte do governo federal.

O mais grave: a América Latina Logística é o Fundo de Investimentos BRZ ALL, cujos cotistas em sua maioria esmagadora são os fundos públicos de pensão como Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), Forluz (Cemig), Postalis (Correios), Valia (Vale do Rio Doce), Sabesprev (Sabesp) e Previ (Banco do Brasil), fundos que operam com dinheiro público de empresas estatais, ou seja: é o estado patrocinando a destruição do patrimônio público!

O governo Lula teve a oportunidade, os meios legais e políticos para no seu primeiro mandato revogar a privatização da RFFSA e implantar um Plano Nacional de Transporte, que pudesse com medidas de curto, médio e longo prazos inverter a matriz de transporte, tanto para carga quanto para passageiros.

Fez exatamente o contrário. Apoiou o Plano Nacional de Revitalização das Ferrovias, proposto pelo ex-todo-poderoso chefe da Casa Cível José Dirceu, que foi construído de comum acordo com as corporações e bancos que controlam as operadoras privadas em jantar patrocinado pelo Jornal O Globo no início de 2005. Tal projeto foi consolidado com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), que vem liberando milhões de reais para investimentos privados em ferrovias, que vem se constituindo em meros corredores de exportação de produtos agro-minerais.

Com a crise econômica, o cenário para o país neste setor de infra-estrutura se complica, tendo em vista que são necessários grandes aportes de recursos financeiros, de retorno incerto e, se ocorrerem, ocorrerão a longuíssimo prazo. Como a estrutura de transporte ferroviário está nas mãos de operadores privados, os mesmos vislumbram uma grande oportunidade de receberem dinheiro público a juros baixos, e aumentarem, mesmo que momentaneamente, seus lucros.

A única saída é a que foi adotada pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que assinou este mês o decreto de reestatização dos serviços de trens de cargas. A presidente anunciou sua posição sobre o assunto na província nortenha de Tucumán, onde presidiu a reinauguração da malha ferroviária de Tafí Viejo, que havia sido desativada pelos operadores privados. Na ocasião, divulgou o decreto 1771 do governo nacional que transfere para a administração estatal a Ferrocarril Belgrano de Cargas, até agora nas mãos de uma holding formada por três empresas locais, uma chinesa e três sindicatos. E Cristina Kirchener não é nenhuma socialista.

É isso que o povo brasileiro, os trabalhadores e a juventude exigem do governo Lula. A reestatização imediata das ferrovias no Brasil, colocando o controle, a operação e a gestão sob responsabilidade direta do Ministério dos Transportes.

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