Destroços do prédio que desabou em São Paulo, no Largo do Paissandu. Foto: Rovena Rosa/ Agencia Brasil

Desabamento de prédio ocupado em São Paulo reacende a necessidade da luta por moradia

Prédio de 24 andares desaba no centro de São Paulo devido a um incêndio, no último 1º de maio, deixando dezenas de famílias desabrigadas.

Inaugurado em 1966, o edifício foi tombado em 1992 como bem de interesse histórico, mas foi totalmente abandonado em 2001. O prédio nas posses da União foi provisoriamente cedido à Prefeitura ano passado, mas foi deixado de lado para uso social. Era ocupado pelo movimento de direito à moradia Luta por Moradia Digna (LMD).

A tragédia instaurada (e anunciada em certa medida), reacendeu o papel que a luta pela moradia exerce no momento atual da luta de classes. Não se pretende esgotar o tema, mas colocar as questões mais relevantes.

Breve apanhado sobre a situação hoje

Mesmo com o Plano Municipal de Habitação (PMH) de 2016 dizendo que a capital paulista tem déficit habitacional de mais de 369 mil moradias, com 133 imóveis ocupados por toda a cidade – segundo a Secretária Municipal da Habitação – as declarações de João Doria, Márcio França e Bruno Covas (atual governador e prefeito, respectivamente), foram as mais cínicas possíveis. Enquanto Márcio França e Bruno Covas responsabilizaram os próprios moradores pelo que ocorreu, Marcio França chegou a declarar que o Ministério Público deveria parar de barrar pedidos de reintegração de posse violenta. Já o ex-“Prefake” Doria declarou que tratava-se de uma ocupação promovida por “facções criminosas”. Válido lembrar que Doria congelou 51% do orçamento previsto para a habitação e sua única política para moradia foi o “aluguel social” que pouco faria para resolver o problema, pois apenas mil famílias seriam atendidas. Na verdade mirava apenas reacender o setor imobiliário. Eis a burguesia mostrando sua face.

É de conhecimento geral que grande parte da classe trabalhadora mora na periferia de São Paulo devido a anarquia capitalista nas relações de compra e venda das habitações e na localização das fábricas, assim como lojas e demais locais de trabalho. Isto torna também a mobilidade pública (transporte público) caótica, entregue aos interesses do capital com grande deslocamento populacional ao centro.

Embora a cidade de São Paulo como um todo tenha um déficit habitacional e em outras áreas em geral, o centro muitas vezes é visto como um lugar melhor para se viver, pois em relação aos demais bairros possui uma infraestrutura urbana melhor desenvolvida tais como água, rede completa de luz , esgoto, acesso aos equipamentos públicos de saúde, educação e cultura; maiores e melhores possibilidades de emprego, além do acesso facilitado ao transporte público.

Entretanto, com a crise generalizada do capitalismo, fazendo com que governos burgueses invistam cada vez menos em políticas públicas, com cortes orçamentários em diversos níveis, manter o mesmo patamar de antes torna-se difícil. E a sanha é cada vez maior em ganhar em cima da especulação imobiliária. Prova disso foi a chamada “Revitalização da Cracolândia”. Já em 2005, Serra e Kassab apresentaram o projeto de valorização e atração de negócios para a região Luz, o “Nova Luz”. A gestão Kassab utilizou a violência policial para realizar desocupações forçadas e dispersão das pessoas em situação de rua que ali viviam. Em 2017, foi a vez de Doria “acabar com a Cracolândia” por meio de forte truculência policial.

Não param de surgir projetos de “revitalização” da área, forçando com que a população no geral se veja obrigada a morar na periferia devido aos elevados custos em moradia ou a ocuparem prédios abandonados, estes muitas vezes sob tutela do Estado.

Mesmo essa especulação imobiliária atinge seu limite. A Lei de Zoneamento do município, por exemplo, apresenta as diretrizes e regulamentos para a ocupação do território urbano. A última Lei de Zoneamento é de 2016 e o Plano Diretor Estratégico (PDE) é de 2014, visando “estimular o mercado”. Mas, mesmo sendo tão recente, a prefeitura pediu a revisão da tal lei com o argumentando que ela teria sido promulgada em momento frutífero para o mercado imobiliário, mas que agora estaria em crise. Fica claro que a prefeitura não está interessada em construir casas para a população, mas fomentar e ganhar subsidiando a especulação imobiliária na cidade.

Muito além da “gentrificação”: o problema da falta de moradia é o sistema

É válido lembrar que em 2008 eclodiu a crise justamente devido ao estouro da bolha imobiliária, começando lá nos EUA. O processo basicamente consiste em que o mercado financeiro norte-americano concedeu por anos seguidos empréstimos em quantidade e valores acima do que o mercado era capaz de assimilar.

Além disso, o próprio governo americano incentivou as condições para concessão de empréstimos imobiliários. Os bancos revendiam estas mesmas concessões aos especuladores pelo mundo e de acordo com os limites de empréstimos com os respectivos patrimônios dos compradores. Acontece que o mercado tem limite e as condições dos trabalhadores não acompanhou nesse ínterim. Daí para o endividamento foi um pulo: os trabalhadores se viram endividados, sem conseguir pagar seus imóveis e sendo forçados a hipotecarem/entregarem suas casas. Como o sistema econômico mundial no capitalismo é internacional, a crise também atingiu o Brasil, forçando o governo na época com Lula e direção do PT a entregar recursos públicos para salvar os banqueiros e especuladores. Dinheiro que deveria ser revertido para construção de mais escolas, hospitais e moradia foi entregue de bandeja aos banqueiros. Mesmo programas como o “Minha Casa Minha Vida” se mostraram ineficientes, pois eles mais alimentavam a sanha das empreiteiras com dinheiro público do que a necessidade da classe trabalhadora por mais moradias. Mostra uma entrevista a Carta Capital de 2014 que entre 2008 e 2010 aumentou em praticamente 1,5 milhão a carência de moradias no Brasil, mesmo com financiamento do governo.

Dialeticamente a toda essa demanda de anos por moradias devido ao déficit habitacional, cresce o número de setores que vão do lumpemproletariado ao proletariado assalariado associando-se em movimentos sociais de moradia, tendo o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com maior destaque, dirigido por Guilherme Boulos. O movimento por moradia de modo geral ganhou muita repercussão e adeptos, ainda que se tenha dificuldades de colocar de modo claro a luta por habitação por meio de métodos que massifiquem o movimento arrastando-se para a toda classe trabalhadora. Não se coloca de maneira evidente a necessidade de a estatização de todas as grandes construtoras, a começar pelas envolvidas nos escândalos de corrupção (como a Odebrecht, envolvida na Lava-Jato, por exemplo) e ruptura do pagamento da dívida e o direcionamento dos recursos a todos os serviços públicos, incluindo moradias dignas.

A solução para a questão da moradia é colocada muitas vezes por diversos grupos e ativistas no sentido de apenas garantir a classe trabalhadora em comprar imóveis a preços mais baratos. Investe-se na ideia de que regiões centrais estão encarecidas devido aos especuladores, o que faz com a população corra em direção às regiões periféricas da cidade e do entorno (a chamada “gentrificação”), e, por tal motivo, devemos lutar apenas contra o aumento dos aluguéis e por casas mais baratas. O problema vai além disso, pois estamos falando de pelo menos 133 locais ocupados em toda São Paulo, isso quer dizer que pessoas não estão conseguindo pagar aluguel – o que não é difícil de imaginar com um salário de pouco mais de R$954 – e se veem forçadas a ocupar prédios abandonados para não ter de morar na rua. Não há como garantir que o trabalhador tenha direito a uma casa e usufruir plenamente dela se seu salário é pouco, deixando parte do seu já baixo salário nas mãos do proprietário dos meios de produção, concentrando o lucro que ficou nas mãos deste último.

A importância da perspectiva marxista para a luta por moradia

A questão sobre moradia é antiga e já foi desenvolvida diversas vezes por Marx e Engels. Em “Sobre a questão da moradia”, escrita por Engels no final do século XIX ele coloca: “O capital não quer eliminar a escassez de moradia, mesmo que possa.

O papel dos trabalhadores conscientes é apresentar a demanda por moradias e explicar que a política atual não é capaz de resolver o problema da habitação, que é necessário uma total ruptura com este sistema que nada tem a nos oferecer.

Na atual situação política onde há uma crise orgânica e profunda do capitalismo, as direções reformistas não conseguem garantir os mesmos níveis de antes em diversas áreas sociais, tais como educação, saúde, transporte e moradia, além de garantir postos de trabalho. A luta de classes se intensifica, há resistência e disposição da base – tal como foi a vitória dos servidores e professores em São Paulo contra o SAMPAPREV recentemente – e é preciso tirar conclusões maduras de luta.

Por isso, nossa luta deve ser pela regularização de todos os assentamentos precários espalhados pelo centro e pela cidade (estendendo-se obviamente a toda demanda nas cidades brasileiras), implantação de saneamento básico e toda a infraestrutura urbana necessária (transporte, esgoto, água e luz) e garantia de habitação a todos os imóveis ocupados. Além disso, é necessária a expropriação dos meios de produção convergindo na construção de casas gerido pelo Estado, sob controle dos próprios trabalhadores e atendendo a uma planificação geral também sob controle dos trabalhadores, na perspectiva da construção de uma sociedade socialista.