Crônicas políticas: Os Heróis e os sofridos

O Presidente que sofreu a miséria, que nasceu da miséria, enxerga hoje como seus heróis homens e mulheres muito diferentes daqueles que viveram e vivem a vida que ele um dia viveu como operário.

Presidente Lula tem uma característica singular: consegue, freqüentemente, através de imagens fortes, passar de um assunto a outro, quando o assunto antigo não mais lhe interessa. Assim, passado menos de uma semana da visita de Bush ao Brasil, que rendeu vigorosas manifestações antiimperialistas, quanto até o seu partido o PT participou e convocou as manifestações, Lula tenta mudar a imagem de capacho de Bush e resolve discutir o heroísmo.

Mas, o Presidente que sofreu a miséria, que nasceu da miséria, enxerga hoje como seus heróis homens e mulheres muito diferentes daqueles que viveram e vivem a vida que ele um dia viveu como operário. Enquanto que o Salário Mínimo que é sua responsabilidade direta é hoje de R$ 350 e em abril será de R$ 380, Lula lamenta o salário dos Ministros:

“Quando eu fico vendo os ministros, que ganhavam muito bem [na iniciativa privada], virem ganhar R$ 7.000, R$ 8.000, eu falo: esses são heróis. Alguns pagam para serem ministros, essa é a pura verdade. E eu digo isso de cátedra, porque eu digo sempre: eu sou o único que não posso reclamar do meu salário de R$ 8.000 porque não tem nenhum torneiro mecânico no Brasil ganhando R$ 8.000 por mês.

Os Ministros pagam para serem Ministros? E a maioria dos trabalhadores que ganha de 1 a dois salários mínimos, faz o que? Morre para ser trabalhador? Mas é o destino daqueles que se descolam da classe trabalhadora, presta atenção ao choro de miséria de quem está ganhando 8 mil por mês, de quem tem carro com motorista e apartamento funcional e esquece a miséria, a labuta, a vida difícil de quem mora num morro, numa favela, que sobrevive (se sobrevive) com o salário mínimo e ainda é achacado pelo ladrão, vê o filho pequeno sofrer com a fome ou a falta de um remédio, vê o filho adolescente ser cooptado pelo tráfico porque não tem emprego e a filha adolescente ser seduzida pela prostituição. Sim, esta vida difícil não pode ser qualificada de herói, não é uma vida heróica naquele sentido grego de que eram os filhos de deuses e homens, pairando entre a humanidade e os céus, cheios de boa vontade e sentimentos para ajudar os homens.

Neste sentido a fala de Lula tem razão ao dizer que eles “pagam para serem Ministros”. Coitadinhos! Aliás, Lula não lembra que também nomeou estes pobres coitados para participarem de algum conselho de alguma estatal e receberem mais 4, 5 ou 12 mil por mês de “jettom” para participarem de uma reunião…Lula esquece que estes pobres coitados, muitas vezes, ajudam também alguns outros “heróis” da burguesia a fazerem seus negócios e as vezes são presenteados com contas nas Bahamas (que conta na Suíça é coisa démodé…), sociedades em programas de TV (ops, parece que quem ganhou isso foi o filho do Lula) ou até alguma fazendinha perdida no pantanal ou uma participação em negócios.

Que o diga o ex-ministro José Dirceu que hoje vive de consultorias…

Mas Lula não ficou nisto:

“Os usineiros de cana, que dez anos atrás eram tidos como bandidos do agronegócio, estão virando heróis nacionais e mundiais, porque todo mundo está de olho no álcool”

Enquanto no campo sofrem e morrem milhares de trabalhadores sem-terra, transportados em caminhões que nem gado, com crianças perdendo dedos, mãos e até braços pelo uso descuidado de foices, com homens e mulheres morrendo de exaustão pela imposição de uma jornada e ritmo de trabalho duro demais, quem são os heróis, senão aqueles que sobem sobre os cadáveres de homens e mulheres, sobre o sofrimento de crianças e velhos? Muito distantes dos heróis gregos, mais perto do mito de Drácula, estes sanguessugas modernos viraram “heróis”. Sim, Lula foi muito longe, muito alto, muito distante deste pobre povo que o elegeu. Como dizia aquele personagem de TV: “o povo, tadinho do povo”. Mas este povo, o povo trabalhador, mostra que não está disposto a ser o “coadjuvante” deste novo time de heróis em que se misturam burocratas de Brasília e usineiros, mas ocupa plenamente o seu lugar na história. Assim, as greves e manifestações que todos pensavam mortas e enterradas ressurgem e categorias que há tempo não se moviam, agora se movem. Primeiro, greve na construção civil, depois greve dos motoristas de ônibus de BH e agora os lixeiros prometem uma greve em SP. Ah, sim, os novos “heróis” olham a tudo complacentes, esperando seus novos salários, suas novas mesas e secretárias, enquanto que o povo vai a luta.

A nossa tarefa, enquanto esquerda marxista, é explicar pacientemente que os operários tem que se organizar para poder por fim a todos estes “heróis”. Não só os que Lula citou, mas a todos que se lambuzam com as delicias e sujeiras do Congresso, do Judiciário e de outros Palácios do Planalto Central, das torres altas das sedes de bancos e empresas da Avenida Paulista. A classe operária observa que no mundo inteiro o numero dos “heróis”, dos milionários que se mantém com o sangue e a miséria do proletariado. E sabe que vai acertar suas contas com eles, como há noventa anos o proletariado russo acertou a conta com os heróis do tzarismo.

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