A traição de Bernie Sanders: a Luta pelo Socialismo continua!

A capitulação de Bernie Sanders traz consequências horríveis, mas oferece um rica escola de aprendizados para os milhares de ativistas jovens e trabalhadores que despertaram para a política.

30 de julho de 2016

Com a coroação de Hillary Clinton na Convenção Nacional Democrata (CND) na Filadélfia, o ciclo eleitoral de 2016 parece haver dado uma volta completa. Ela começou como a principal candidata há doze meses, e agora é a candidata oficial do partido. No entanto, o que ocorreu durante os últimos meses não foi um círculo, mas uma espiral contraditória de desenvolvimento. O rio da luta política estadunidense transbordou e, embora a capitulação de Sanders inevitavelmente vá levar a um refluxo temporário da maré, seu curso mudou para sempre.

Muitos seguidores de Sanders estão compreensivelmente desapontados e furiosos. Uma oportunidade verdadeiramente histórica foi perdida. Mas há lições muito positivas a se tirar desta experiência, e há muitas razões para ter otimismo quanto ao futuro da revolução socialista nos EUA. Em primeiro lugar, devemos ter em mente a visão de longo prazo. É um fato inegável que o interesse pelo socialismo chegou ao grande público. O significado deste desenvolvimento, particularmente em um país que foi submetido a décadas de histeria anticomunista, não deve ser subestimado.

Não esqueçamos que, há apenas dois ciclos presidenciais, as promessas abstratas de “esperança” e de “mudanças em que podemos acreditar” de Barack Obama foram suficientes para instalá-lo na Casa Branca. Mas, enquanto a crise capitalista se aprofundava e se prolongava, os problemas enfrentados pelos trabalhadores estadunidenses somente pioraram. O resultado final foi Occupy Wall Street, que introduziu a ideia dos “99% frente aos 1%” – uma formulação muito nítida de “nós contra eles”. Black Lives Matter colocou o racismo e a brutalidade policial na frente e no centro da questão, mais uma vez uma perspectiva de “nós contra eles” sobre a forma como a sociedade está estruturada. Em seguida, veio Bernie Sanders, que reuniu milhões de pessoas com sua eletrizante convocação para uma “revolução política contra a classe dos bilionários” – uma clara referência às classes e à revolução. Em suma, a velocidade com que a perspectiva de milhões de estadunidenses se deslocou à esquerda é quase de tirar o fôlego. Contudo, nem todos os trabalhadores estadunidenses se moveram à esquerda. Confrontados com a crise e a instabilidade, milhões foram atraídos pelo populismo de direita de Donald Trump. Como podemos explicar este fato?

Polarização em um vácuo político

Durante o período de recuperação prolongada que se seguiu à II Guerra Mundial, a uma camada de trabalhadores qualificados, em particular, trabalhadores brancos, foram concedidas mais migalhas do que ao restante dos trabalhadores, como parte de uma política consciente de “dividir e conquistar” a classe trabalhadora ao longo de linhas raciais. O “Sonho Americano” parecia ser uma realidade para milhões. A qualidade de vida à disposição dos trabalhadores fabris com educação secundária levaria a maioria dos trabalhadores de colarinho branco de hoje à inveja: acesso generalizado à educação superior para seus filhos, uma rede de seguridade social, generosos benefícios de assistência de saúde, pensões e férias pagas. As lutas de classe dos anos 1930 e 1940 se perderam na memória; o Macarthismo e as políticas covardes do Partido Comunista levaram ao expurgo da esquerda nos sindicatos; as fileiras baixaram a guarda com base na melhora gradual dos salários e das condições de trabalho; e os líderes sindicais derivaram ainda mais à direita, de fato fundindo-se com o Partido Democrata capitalista.

A crise econômica global de 1974 assinalou o final deste período anômalo. Durante os últimos 40 anos, os ganhos duramente conquistados no passado reverteram e os sindicatos foram numericamente dizimados. Embora a produtividade do trabalhador tenha duplicado desde os anos 1970, o poder de compra estagnou ou declinou para a maioria dos trabalhadores, os custos dos cuidados de saúde e educacionais dispararam e a ideia das férias de Verão e de uma aposentadoria confortável está totalmente fora do alcance para a maioria dos trabalhadores e da juventude estadunidense.

A crise econômica de 2008 marcou um ponto crítico de inflexão na história do capitalismo mundial. A confiança no sistema foi gravemente abalada. Milhões de empregos foram perdidos, milhões de casas foram hipotecadas – e Wall Street ficou mais rica do que nunca. Tomou sete anos para que o número de trabalhadores empregados alcançasse o nível anterior à crise, e isto não inclui os milhões de pessoas que entraram na força de trabalho desde então. O PIB foi em média de apenas 2,4% durante os últimos dez anos, o que seria normalmente considerado como “recessão do crescimento”. O pouco crescimento produzido beneficiou quase que exclusivamente aos ricos. Os 1% mais ricos do mundo – dos quais uma grande proporção reside nos EUA – têm mais riquezas do que os outros 99% da população. Este é um fato; não é um exagero. Longe de oferecer um caminho a seguir, os líderes sindicais se tornaram um obstáculo objetivo ao desenvolvimento da luta de classes, lançando todas as suas forças no movimento para evitar o desencadeamento do poder colossal da classe trabalhadora estadunidense.

No transcurso do século passado, a classe dominante estadunidense, auxiliada pela burocracia sindical, teve êxito em bloquear a formação de um partido de massas da classe trabalhadora. De fato, os EUA são o único país industrializado avançado onde os trabalhadores nunca tiveram uma expressão política própria de massas. Depois de anos de crise, os trabalhadores estadunidenses voltaram-se para a eleição presidencial de 2016 como uma saída para expressar suas frustrações. Em um país onde dois partidos capitalistas dominaram a vida política durante um século e meio, é natural que os trabalhadores se virassem primeiro para estas instituições em busca de uma saída. Mas estes partidos não podem oferecer uma solução. Tanto os Republicanos quanto os Democratas representam os capitalistas, uma classe podre e em decomposição que não tem mais um papel progressista histórico a desempenhar na sociedade. A profunda instabilidade do sistema deu lugar a profundas divisões dentro da classe dominante, que já não é mais capaz de governar à maneira antiga, e que não tem a menor ideia do que fazer. Todas as medidas que eles tomarem para restabelecer o equilíbrio econômico somente exacerbarão o desequilíbrio político e social, e vice-versa.

Neste vazio se introduziram dois atrevidos candidatos com combativas mensagens antissistema. Tanto Trump quanto Sanders representam “acidentes históricos” que, de maneiras diferentes, canalizaram o desejo ardente da classe trabalhadora de lutar contra os patrões e seus políticos corruptos. Eles aproveitaram com êxito as reservas reprimidas de descontentamento, tão profundas estas que até mesmo os Marxistas não puderam prever o quão longe suas campanhas iriam.

À medida que o Sonho Americano se desvanece na memória, e sem nenhuma reação conduzida pelos líderes sindicais, muitos trabalhadores caíram vítimas do racismo, misoginia e xenofobia camuflados de antissistema por demagogos do tipo Donald Trump. No entanto, antes de reduzir setores inteiros da classe trabalhadora estadunidense a racistas e sexistas incorrigíveis, é importante entender que a essência do conservadorismo entre os trabalhadores estadunidenses está no desejo desesperado de se agarrar à pouca estabilidade que permanece em um mundo que parece ter enlouquecido. Diante de forças colossais e confusas que estão além de seu controle, há o desejo visceral de encontrar algo firme e imutável a se agarrar. Isto pode assumir muitas formas, incluindo identidade regional, religiosa, sexual, racial e até mesmo sindical, e que frequentemente não se superpõem.

Embora não haja nenhuma desculpa para o racismo e sexismo de muitos trabalhadores, que devem ser combatidos energicamente, a verdadeira chave para se entender a popularidade de Trump reside em sua mensagem antissistema. Dada uma alternativa combativa e independente da classe trabalhadora, muitos seguidores de Trump na realidade poderiam ser ganhos para o socialismo. Na base de melhoras concretas e tangíveis na qualidade de vida, que somente o socialismo pode oferecer, com o tempo seu pragmatismo os levaria a ver as ideias e medidas socialistas como um “bom senso comum”.

Polarização social e política

Sob os golpes de martelo da crise capitalista, o chamado “centro” da política estadunidense se desintegrou e o espectro político, historicamente estreito, foi despedaçado. Desempenhando-se como a esquerda na política estadunidense, a campanha de Bernie Sanders, de início praticamente despercebida, explodiu no cenário principal. Objetivamente falando, Sanders é moderadamente reformista no melhor dos casos. Suas propostas não pretendem interferir na propriedade privada capitalista de nenhuma maneira ou forma. Mas, no contexto dos EUA, sua feroz retórica anti-Wall Street tocou no nervo sensível. O fato de que milhões de estadunidenses – e não somente a juventude – agora dizem que poderiam votar por um socialista ou até mesmo por um comunista marca uma mudança de maré na situação.

Embora nunca antes tenha sido membro do Partido Democrata, Sanders se decidiu contra uma campanha independente e, em vez disso, engatou sua campanha na máquina da DNC. Explicamos no devido tempo que acreditávamos ter sido este um erro crucial, uma vez que fomentaria ilusões irrealizáveis no Partido Democrata pró-capitalista como um veículo de mudanças sociais fundamentais. Apesar de que uma campanha independente iria receber menos atenção dos meios de comunicação, poderia assentar as bases para algo viável fora dos dois partidos principais.

Quando Bernie anunciou pela primeira vez sua candidatura, suas chances de chegar de alguma forma perto da nomeação eram iguais a de um cubo de gelo no inferno. Mas ele estava no lugar certo e na hora certa, e sua campanha decolou como um foguete, dando um susto infernal a Clinton e ao Establishment do DNC. Ele ganhou primárias e cáucuses¹ em 23 estados, um total de 13 milhões de votos, e recebeu 1.900 delegados para a Convenção Nacional Democrática. Centenas de milhares de pessoas participaram de seus comícios. Clinton e o Partido Democrata ficaram gravemente abalados e a política estadunidense foi transformada para sempre. Contudo, sua tentativa de reformar o Partido Democrata a partir de dentro tomou uma paulada na cara quando ele se dobrou à pressão e endossou Clinton, a candidata presidencial Democrata mais amplamente desprezada na história recente. Isto confirma mais uma vez que o Partido Democrata é o “cemitério dos movimentos progressistas”. A capitulação de Bernie lhes deu um breve momento para respirar, mas o dano ao partido foi feito, e as costuras afrouxarão quanto mais rápido os acontecimentos continuarem a estressar o capitalismo estadunidense nos anos vindouros.

À direita do espectro político, a caricatura cultural de “O Donald” foi catapultada do âmbito dos reality shows da TV e da canalha da luta livre às portas do mais poderoso cargo público do mundo. Em 1999, Trump disse ao Wall Street Journal: “Sim, estou considerando uma carreira para presidente… Ao contrário dos candidatos dos dois partidos principais, minha candidatura não representa um exercício de promoção profissional. Não sou um político profissional tratando de arrematar o seu currículo. Estou considerando uma carreira somente porque estou convencido de que os principais partidos perderam o seu caminho. Os Republicanos são prisioneiros de sua ala direita. Os Democratas são prisioneiros de sua ala esquerda. Não ouvi ninguém falar em nome dos trabalhadores e trabalhadoras no centro”.

Mas também ele abandonou sua postura independente e levou sua mensagem demagógica ao coração do Partido Republicano. Ao contrário de Bernie, ele realmente teve êxito em ganhar a nomeação. No processo, ele despedaçou o moderno Partido Republicano e, se não terminar o trabalho de demolição, Ted Cruz ficará encantado em lhe ajudar.

Bernie e o DNC

Com candidatos como George W. Bush, John McCain e Sarah Palin, a Convenção Nacional Republicana foi durante muito tempo o alvo de protestos de massas. Contudo, já transcorreram muitas décadas desde que tantos manifestantes desceram à Convenção Nacional Democrata para protestar contra ela a partir da esquerda. Milhares de delegados e seguidores de Bernie correram para Filadélfia para pressioná-lo a retirar seu apoio a Clinton, e a concorrer, tanto contra ela quanto contra Trump, como um terceiro partido independente. Depois de salgar e botar Hillary no espeto durante a campanha eleitoral, expondo-a como o candidato preferido das grandes empresas, como poderia ele seguir adiante com sua promessa de apoiá-la?

Jogando gasolina no fogo antissistema, na véspera da convenção, Wikileaks divulgou 20 mil e-mails internos da CND, mostrando claramente que, longe de facilitar primárias e cáucuses imparciais do partido, a máquina do Partido Democrata estava totalmente por trás de Clinton desde o próprio início, e fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar que Sanders ganhasse. Apesar de tudo isto, Sanders aparentemente ainda acreditava que, se ele vendesse sua alma política, poderia de alguma forma ganhar alavancagem em um partido controlado por Wall Street e por um exército de burocratas cínicos. Ele pendurou suas esperanças na nova plataforma do Partido Democrata, a que ele repetidamente se referia como a “mais progressista” na história do partido. No entanto, como as promessas de campanha, a plataforma de um partido burguês não tem nenhum peso, visto que não são vinculantes para os funcionários eleitos e são arquivadas sem cerimônia logo que a eleição acaba e “o mundo real” do bipartidarismo político retorna. No final, Sanders foi reduzido a desempenhar o papel de “Flautista de Hamelin” atraindo seus seguidores às mandíbulas dos Democratas.

Mas seus apoiadores não estavam inclinados a ceder tão facilmente. Antes da abertura da convenção que foi cuidadosamente encenada, grandes multidões marcharam por Filadélfia cantando: “Bernie beats Trump! ” [Bernie ganha de Trump], “Claro que não, CND, não vamos votar em Hillary! ”, e até mesmo “Claro que não, CND, partido da burguesia!”. Sanders passou as horas prévias à formalização de sua capitulação tentando minimizar o contragolpe, enviando mensagens aos seus seguidores e instando-os a não “participarem de qualquer tipo de protesto na sala de convenções”. Quando finalmente enfrentou seus delegados durante o avanço do processo de nomeação oficial, estes aplaudiram entusiasticamente a notícia de que Debbie Wasserman Schultz, a odiada arquiteta das maquinações anti-Sanders no partido, estava se demitindo como presidente do CND. Mas quando ele os instou a votar por Clinton, afirmando com tristeza que este é o “mundo real”, foi recebido com um prolongado coro de vaias. No entanto, eles ainda tinham esperança de que ele iria mudar de rumo no último momento e romperam em gritos de “Queremos Bernie! ”.

Do lado de fora do centro de convenções, durante o discurso de Bernie aos seus delegados a confusão se transformou em incredulidade e logo em fúria: “ele é um vendido f**do! ”. Embora a notícia tenha demorado um pouco para se infiltrar na multidão, muitos começaram a converter seus sinais em relação a “Bernie” de positivo para negativo.   

Ao longo da convenção, os oradores favoráveis a Clinton eram recebidos com vaias e seus apelos por unidade partidária eram recebidos com gritos de “merda!”, “Queremos Bernie!”, “Não está à venda!” e “Hillary nunca!”. Quando Sanders disse na convenção plena que “Nossa tarefa é fazer duas coisas – derrotar Donald Trump e eleger Hillary Clinton. (…) é fácil vaiar, mas é mais difícil olhar os seus filhos nos olhos se estiverem vivendo sob uma presidência de Trump. (…) Estou orgulhoso de estar com Hillary”, um coro em massa de vaias o acompanhou, e muitos tinhas lágrimas nos olhos enquanto observavam seu herói político chafurdar na imundície e no cinismo da farsa da CND.

Quando chegou o momento de finalizar a nomeação, Sanders apresentou uma moção de se suspender as regras processuais, pedindo à convenção para nomear Clinton por aclamação geral. Aturdidos com esta traição final, centenas de delegados de Sanders, muitos deles em lágrimas, começaram a abandonar o local. Como delegado, Miguel Angel Zuniga de Los Angeles explicou, “Foram comprados. (…) O mundo está nos olhando e o que veem é que qualquer um com poder ou dinheiro pode ser nosso presidente”. O delegado Luis Eric Aguilar, de Illinois, que portava um cartaz que dizia “Os delegados de Hillary agiram como partidários de Trump”, expressou o seu descontentamento: “Tudo o que aprendemos na campanha de Bernie é tudo o que se opõe a Hillary. Eles são os que têm dinheiro, apoiados por empresas e bancos. Nós somos apoiados por milhões de pessoas em toda a nação”.

Em torno ao centro de convenções começaram a aparecer letreiros como “#DemExit” e “Bernie nos traiu”. Foi organizado um ato de cancelamento em massa do registro do Partido Democrata em frente à Câmara Municipal de Filadélfia. Em conversas com apoiadores de Bernie, muitos deles disseram aos membros da CMI de forma categórica que nunca mais trocariam “gato por lebre” ou votariam pelos Democratas.

Dentro da sala de convenções, simpáticos liberais como Al Franken, Cory Booker e Elizabeth Warren amarravam-se a si mesmos e as suas credenciais “progressistas” ao Titanic que é a campanha de Clinton. Sarah Silverman declarou indignada que o “Bernie ou Nada” dos delegados “estava sendo ridículo”. O que é ridículo é supor que as pessoas votariam por Clinton quando estão em desacordo com ela e querem algo mais. A antiga Secretária de Estado Madeleine Albright – que de forma infame disse que há um local especial no inferno para mulheres que não votam em Hillary – fez caso omisso das credenciais abertamente imperialistas de Clinton. As centenas de assentos vazios antes ocupados pelos delegados de Sanders foram ocupados com pessoas recrutadas e pagas através de um anúncio em Craigslist, para manter a sala cheia para as câmeras de TV. Até mesmo a pequena vitória da renúncia de Debbie Wasserman Schultz foi de curta duração, uma vez que Hillary estapeou a cara dos apoiadores de Sanders ao promovê-la a “co-presidente honorária” de sua campanha. Neste contexto, a “histórica nomeação da primeira mulher candidato presidencial de um partido importante” soou ocamente para milhões de mulheres cujos instintos de classe as tinha atraído para o lado de Sanders.

Depois de arrastar os seus apoiadores aos chutes e gritos para o odioso e corrupto pântano do Partido Democrata, Sanders anunciou que estava deixando os Democratas no final das contas, e retornando ao Senado como independente. Para muitos, isto somente acrescentou insultos à injúria. Outros mantinham a esperança de que ele ainda pode servir como ponto de referência no futuro. Somente o tempo dirá como tudo isto terminará. O que é claro é que Sanders estava em uma posição única. Ele poderia ter movido o dedo mindinho e mudado o curso da história dos EUA para sempre. Poderia ter levado milhões de jovens e trabalhadores radicalizados para fora do Partido Democrata e formado um novo partido com uma base de massas que poderia facilmente desafiar Democratas e Republicanos e fazê-los ter que correr atrás do prejuízo. 65% dos eleitores do Milênio queriam que ele rejeitasse Clinton e concorresse como independente. 50% de todos os eleitores estadunidenses consideram-se independentes, uma maioria que poderia ganhar realmente a presidência neste ciclo eleitoral. Muitas pesquisas mostram que Sanders tinha as melhores chances de derrotar Trump. Até mesmo Donald Trump entendeu o significado da capitulação de Bernie. Em um comício na Carolina do Norte ele disse que Sanders estava “perdendo o seu legado. (…) Ele é apenas um tipo de desertor”. Buscando cinicamente tocar os sentimentos antissistema dos apoiadores de Sanders, ele tuitou: “Embora Bernie tenha desistido totalmente de sua luta pelo povo, congratulamo-nos com todos os eleitores que querem um melhor futuro para nossos trabalhadores”.

Sanders reivindica o socialista estadunidense Eugene Debs como uma de suas inspirações políticas. Debs, em uma resposta esmagadora ao argumento do mal menor, declarou de forma precisa que é “melhor votar pelo que você quer e não consegue, que votar pelo que você não quer e consegue”. Mas quando chegou a hora da verdade, Sanders não utilizou suas armas. No fim, manteve sua palavra de apoiar Clinton, mas não a sua palavra aos milhões que o queriam liderando a luta contra Wall Street e seus políticos.

Bernie despertou um gigante – milhões de trabalhadores e jovens que estavam dispostos a iniciar uma nova era na política estadunidense. Uma explicação para sua derrocada é a falta de confiança em seus seguidores e sua benevolência em lutar até o fim pela “revolução política contra a classe bilionária”. Sem uma análise de classe, sem a compreensão de que, uma vez organizada e mobilizada, a classe trabalhadora é a força social mais poderosa do planeta, ele cedeu às pressões das negociatas políticas do topo. Mas outra explicação possível é que ele próprio ficou aterrorizado com as forças que desatou, e sob a pressão implacável da classe dominante, ele utilizou sua influência restante para amortecer o fogo antes que ficasse fora de controle. Varrer para o lado os mais velhos partidos da política estadunidense, que são a instituição fundamental do domínio capitalista nos EUA e em todo o mundo, não fazia parte do script. De qualquer forma, esta é uma lição clara de traição que é inerente ao reformismo, particularmente do reformismo de esquerda. Como Tsipras na Grécia ou Hollande na França, os que não rompem com o sistema capitalista inevitavelmente terminarão realizando as mesmas políticas dos principais partidos capitalistas.

Perspectivas para as eleições de 2016

Quem será o próximo ocupante da Casa Branca? A razão, a lógica e muitas pesquisas de opinião indicam que os EUA em breve terão sua primeira mulher presidente. Mas a razão, a lógica e as pesquisas de opinião não se aplicam em tempos como estes. Outras pesquisas mostram Trump emparelhado ou mesmo à frente. Dizem que uma semana é uma eternidade na política – e há muitas semanas entre agora e novembro. Portanto, é impossível de se dizer com certeza, mas podemos afirmar categoricamente que é uma contenda em que a classe trabalhadora perderá. Nenhum dos candidatos representa o interesse da maioria da classe trabalhadora, uma conclusão que já foi tirada por milhões de pessoas. Outros milhões de pessoas aprenderão da forma mais dura através da amarga experiência da próxima presidência.

Trump representa a essência destilada das míopes arrogância e demagogia capitalista. Ele é um representante por excelência do “nexo cru do dinheiro” das relações humanas e sociais a que se refere Marx em O Manifesto Comunista. Ele representa um mundo em que a mentira, a fraude, o engano, os empurrões e os acordos são considerados as mais altas das virtudes. Nenhum trabalhador com consciência de classe quer Trump como próximo chefe do executivo. Mas devemos ser claros: se Trump ganhar, será por culpa da chamada política do “mal menor” dos dirigentes sindicais por não oferecerem uma alternativa, e sim, também de Bernie Sanders. A questão chave não é “como podemos deter Trump em 2016?”, e sim “como podemos dar um fim ao capitalismo, que oferece Trumps e Clintons ao mundo?”. Esta é a pergunta que os partidários de “Bernie ou Nada” devem se fazer.        

Muitas pessoas têm ilusões sinceras a respeito de Clinton. Em um país impregnado do veneno do sexismo, a nomeação da primeira candidata mulher por um dos principais partidos é vista como um passo à frente por muitas pessoas. Elas querem derrotar Trump, e sinceramente acreditam que ela é mais “elegível”. Mas devemos ter em mente que apesar do impacto da campanha anti-Wall Street de Sanders, milhões de pessoas ainda não chegaram à conclusão de que o próprio sistema deve ser atacado. Muitos outros que chegaram a esta conclusão estão hesitantes em sair dos limites seguros do nome familiar e das políticas que ela proporciona.

Muitas pessoas detestam Clinton, mas vão votar por ela a fim de deter Trump. No entanto, o jogo do mal menor tem seus limites. A outra cara dessa estratégia é a eventual vitória do maior mal. O mal menor também é usado para intimidar e marginalizar os que entendem que uma revolução vai requerer muito mais do que meramente eleger o “melhor” ou o “pior” candidato. Estamos lutando por uma mudança fundamental nas relações econômicas e políticas, e não por mudanças cosméticas no topo. Para isto necessitamos não somente de números, mas de educação política, organização e ativismo.

A mesma decepção que se seguiu à eleição de Obama vai redobrar se Clinton ganhar. Mesmo que ela “bata” Trump em novembro, os problemas que deram origem à popularidade deste último não podem ser resolvidos dentro do capitalismo. Mas Clinton não conhece outros parâmetros. Outra crise econômica está à vista e a reação dos trabalhadores não será de choque e paralisia como em 2008, mas de ira e de mobilização de massas. E, se ela fracassar em derrotar Trump, acordos políticos no Congresso não serão suficientes para deter seus ataques. Greves em massa, protestos e manifestações, ocupações de fábricas, de locais de trabalho e campus universitários, greves gerais e, finalmente, a revolução estarão na agenda se quisermos detê-lo e aos de sua laia.

Antes de apoiar Clinton, Sanders recusou uma oferta de Jill Stein para concorrer como candidato do Partido Verde. Como ela ecoa muitas das posições progressistas de Sanders, o interesse na sua candidatura aumentou desde sua capitulação e ela certamente ganhará muitos de seus eleitores. Mas o Partido Verde não tem nem o nome reconhecido, nem o alcance nacional, nem o entusiasmo de massa que Sanders desperdiçou, e é improvável que o partido produza um impacto significativo em novembro. No entanto, na ausência de uma alternativa, nunca devemos dizer nunca. Somente o tempo e os acontecimentos vão falar, e os Marxistas acompanharão de perto este e outros esforços para aproveitar a energia da campanha de Sanders.

A luta pelo socialismo está apenas começando

Milhões de adeptos de Sanders se encontram em estado de choque e muitos sofrem de um profundo sentimento de traição. Mas não há necessidade de abatimento ou desilusão. A verdadeira surpresa foi que sua campanha foi muito longe. Embora a perspectiva de um novo partido de massas da classe trabalhadora tenha sido novamente adiada, os acontecimentos dos meses recentes são prova de que o potencial para uma revolução socialista nos EUA não está tão longe como a maioria das pessoas teria imaginado. Isto nos deve encher de grande entusiasmo e otimismo com relação ao futuro. Bloqueados nesta frente política, outras avenidas políticas inevitavelmente se abrirão, e, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, será criado um partido socialista de massas. E embora o nível das greves permaneça historicamente baixo, os trabalhadores finalmente realizarão um grande avanço em seus esforços de luta coletiva contra os patrões, o que desencadeará um novo período de greves e dará lugar ao surgimento de novos líderes e sindicatos.

“A escola dos Democratas” de Obama foi um período contraditório e complicado. Por uma variedade de razões, foi-lhe concedida uma lua de mel prolongada. Mas quem ganhar as próximas eleições quase certamente terá um período de graça extremamente curto ou inexistente, pelo menos entre as camadas mais avançadas dos trabalhadores e da juventude. Isto abrirá grandes oportunidades para os Marxistas. Nossas perspectivas políticas foram confirmadas e isto levou ao aumento do interesse por nossa organização. Muitos de nossos leitores podem estar menos inclinados de participar de um grupo relativamente pequeno, enquanto o movimento de Bernie parecia oferecer um caminho a seguir. Esta porta agora está fechada. Se você encara com seriedade a luta por uma revolução socialista, nós o convidamos a se juntar à CMI para ajudar a construir as forças do Marxismo revolucionário em todos os locais de trabalho, bairros e campus universitários. Acontecimentos dramáticos estão no horizonte. E não é hora de se ficar passivamente à margem da história. Não há melhor tempo que agora para se unir à luta por um mundo melhor.

Notas:

¹ Cáucuses: Nos Estados Unidos designa-se por caucus o sistema de eleger delegados em dois estados (Iowa e Nevada), na fase das eleições primárias (ou preliminares), na qual cada partido decide quem será o candidato desse partido à presidência dos Estados Unidos.

Artigo publicado originalmente em 31 de julho de 2016, no site seção norte-americana da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Bernie’s Betrayal: The Fight for Socialism Continues!.

Tradução de Fabiano Leite.