A saúde como mercadoria: A face da hostilidade burguesa e racista é quem rejeita os médicos cubanos

O racismo tem uma origem histórica e reporta à defesa de uma ideologia capitalista reacionária que cumpre uma função definida pelo sistema econômico. Nos tortuosos caminhos travados pela burguesia em busca do acúmulo de capital, o racismo criou raízes e se moldou para servir ao domínio e exploração da maioria.

O racismo tem uma origem histórica e reporta à defesa de uma ideologia capitalista reacionária que cumpre uma função definida pelo sistema econômico. Nos tortuosos caminhos travados pela burguesia em busca do acúmulo de capital, o racismo criou raízes e se moldou para servir ao domínio e exploração da maioria.

A hostilidade com a qual os médicos cubanos foram recebidos por grupos de médicos brasileiros, os quais representam uma fração da burguesia, revela que racismo e luta de classes andam lado a lado. Afinal todas as manifestações de racismo e xenofobia têm uma razão objetiva, como a flagrante declaração da jornalista Micheline Borges do Rio Grande do Norte[1], que causou revolta nas redes sociais ao publicar um depoimento dizendo: “essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica. Médico, geralmente, tem postura e se impõe a partir da aparência”. O racismo tem uma origem histórica e reporta à defesa de uma ideologia capitalista reacionária que cumpre uma função definida pelo sistema econômico. Nos tortuosos caminhos travados pela burguesia em busca do acúmulo de capital, o racismo criou raízes e se moldou para servir ao domínio e exploração da maioria.

Em 1939, o grupo de médicos “Aliança Eugênica”, que representava os interesses da classe dominante e que, detinha o controle de muitos conselhos sanitários, pregava que as endemias brasileiras resultavam da qualidade da “raça brasileira” dizendo que o “tipo nacional” vindo da mistura de brancos, negros e índios estaria condenado à preguiça e à debilidade física e mental. No panfleto de difusão do grupo, o médico João Batista de Lacerda (Diretor do Museu Nacional do Brasil) afirmava em alto e ‘bom’ tom:

Vemos o papel importantíssimo do elemento imigratório branco, influindo poderosamente na redução de negros e mestiços de nossa população. Este fator de arianização não concorre somente para o aumento numérico do contingente branco puro, mas não cruzando com os mestiços concorre para a limpeza da raça com a diluição do coeficiente do sangue inferior e, portanto, para a queda de muitas doenças que nos assaltam”.[2]

O racismo se instrumentalizava na precária saúde pública brasileira para que os pouquíssimos profissionais atendessem exclusivamente os mais ricos. Enquanto isso, a febre amarela matava mais de 10 mil por ano (1850-1859) e a varíola mais de 5 mil (1870-1899), restando somente à população pobre recorrer aos curandeiros que atendiam nos vilarejos. Enquanto as verbas destinadas para saúde na década de 50 não ultrapassavam 1,2% do PIB, o índice de mortalidade geral chegava a 13,2%. O índice crescente de mortalidade dos trabalhadores tornou-se um problema para a burguesia que perdia mão-de-obra barata, prejudicando a economia capitalista.

Além disso, era preciso ‘mascarar’ a imagem do Brasil, que estava taxado como ‘região bárbara’ e sintonizá-lo com a ‘civilização’ dos países desenvolvidos aos moldes do capitalismo. Portanto, o sistema econômico exigia uma política mínima de saúde pública para que a massa de trabalhadores, que expressava a própria fonte geradora de riqueza do capitalismo, tivesse as condições de sobrevivência para dispor à própria força de trabalho e garantir assim, a expansão da produção que enriquecia a burguesia. As míseras políticas públicas para erradicação das doenças que assolavam a população pobre foram implantadas prioritariamente, nas regiões metropolitanas onde estavam instalados os grandes portos que movimentavam as exportações do país e concentravam maior número de trabalhadores, como Rio de Janeiro, Santos, Recife, Salvador e outros.  Estas políticas, dialeticamente, vieram também como resultado das lutas dos trabalhadores que combatiam para que não morressem extenuados pelo trabalho, pela fome, miséria e doenças, muitas das quais relacionadas à falta de saneamento básico. Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária necessitava de melhorias urbanas para lucrar e acumular, expandindo-se para áreas alagadiças e insalubres próximas aos centros das metrópoles nascentes.

A partir das necessidades e exigências do sistema capitalista que crescia com a exploração da classe trabalhadora, o Estado foi obrigado a implantar o sistema de saúde pública no Brasil.

Na década de 40, os proprietários de casas de saúde pressionavam o governo para interromper os planos de construção de hospitais públicos, exigindo doações e empréstimos a juros baixos para criação de grandes redes de clínicas de hospitais privados. E o estado, evidentemente, atendeu ao interesse privado destinando verbas oficiais que sustentavam inúmeros monopólios hospitalares (como no Maranhão em 1960, onde uma única família detinha oito hospitais obtidos com empréstimos federais).

Depois, o governo, mesmo com a implantação do SUS, não conseguiu assegurar melhores condições de vida à população, tampouco conseguiu universalizar o acesso à saúde gratuita e de qualidade, o que se tornou letra morta na Constituição Federal de 1988.

A saúde é uma mercadoria rentável, e diante da previsão de morte, milhares de trabalhadores pagam caríssimo para prorrogar um último suspiro. 

Em 1980, a indústria farmacêutica somava 379 sedes de laboratórios no país garantindo lucro de 79,3% na venda dos medicamentos, enquanto no exterior a média era de 65 sedes com lucro de 20,7%. Entre 1965 e 1975, pelo menos 25 companhias brasileiras foram compradas por grupos com sede nos Estados Unidos e na Europa.

Para ‘maquiar’ a situação, em 1971 o governo brasileiro criou a Central de Medicamentos (Ceme) para produzir remédios essenciais à população, embora ciente de que seria impossível quebrar o domínio do mercado pelos grandes grupos farmacêuticos multinacionais. A produção de drogas para assegurar o lucro exorbitante, já em 1976, contava com cerca de cinco mil remédios considerados supérfluos, e os preços subiam sem qualquer controle estatal.

O Estado burguês não consegue ‘domar’ o monstro que criou

 A incapacidade histórica do sistema capitalista em garantir saúde pública, gratuita e de qualidade para todos os brasileiros, impõe que a classe trabalhadora deva entrar em cena para acabar com este sistema pela via revolucionária.

O racismo que rejeita profissionais cubanos por retratarem a aparência de milhares de trabalhadores negros, revela sua face capitalista. Afinal, não é somente a cor da pele dos médicos cubanos que incomoda os capitalistas. É a medicina preventiva que o Estado brasileiro abandonou para que as indústrias farmacêuticas lucrem exaustivamente; é a intocável formação acadêmica elitizada que afunila para que filhos de trabalhadores e ’empregadas domésticas’ tomem outros rumos; é a medicina fragmentada que atende à iniciativa privada e sustenta o corporativismo de grupos que representam a classe dominante. É o que acontece quando a saúde vira mercadoria. A xenofobia da burguesia é contra o socialismo e a tudo o que é mais humano e agora se revela na repulsa aos médicos cubanos que tentarão remediar e saúde brasileira ‘escravizada’ pelo cruel capitalismo, é certo. A cura para a saúde pública no Brasil não virá através de ‘programas’ governamentais que não imponham qualquer risco às verdadeiras estruturas, pois as raízes de todas as mazelas estão sustentadas no capitalismo.

*Vera é da Coordenação Nacional do Movimento Negro Socialista