A moderna Senzala capitalista. EUA têm mais negros atrás das grades do que escravos no século XIX

O encarceramento em massa que motivou a construção positivista do ‘perfil do criminoso’ identificado na figura dos pobres, negros e imigrantes, serviu à construção do sistema penal desde a origem do capitalismo. A ideia da ‘reeducação’ se mostrou falida quando as primeiras penitenciárias foram instaladas, aglomerando a grande massa de trabalhadores e desmascarando o verdadeiro papel do sistema penal capitalista: produzir a criminalidade e dominar a grande massa de trabalhadores. O processo de instrumentalização do sistema penal, entretanto, avança nos países onde o capitalismo encontra-se em sua fase mais avançada.

O encarceramento em massa que motivou a construção positivista do ‘perfil do criminoso’ identificado na figura dos pobres, negros e imigrantes, serviu à construção do sistema penal desde a origem do capitalismo. A ideia da ‘reeducação’ se mostrou falida quando as primeiras penitenciárias foram instaladas, aglomerando a grande massa de trabalhadores e desmascarando o verdadeiro papel do sistema penal capitalista: produzir a criminalidade e dominar a grande massa de trabalhadores. O processo de instrumentalização do sistema penal, entretanto, avança nos países onde o capitalismo encontra-se em sua fase mais avançada.

Nos EUA, quando Barack Obama assume a presidência da república, muitos sociólogos, no mínimo desavisados, exaltavam a situação alegando que, o primeiro presidente negro motivaria uma nova conjuntura social à população negra do país. Porém, pesquisas realizadas pelas Universidades de Ohio, Oxford e o African American Reference Sources, revelam que a maioria esmagadora da massa carcerária nos EUA é negra. E mais: que os EUA concentram atualmente mais negros dentro das grades que escravos no século XIX.  Além disso, o número de presos e mortos diariamente dobrou após a posse de Obama e a população pobre cuja imensa maioria é negra, ocupa os piores índices sociais (saúde, educação,emprego) do país em 25  anos.

Em 1850, com a escravidão, uma criança negra tinha mais chances de ser criada pelos pais do que atualmente com o governo imperialista norte americano. A senzala capitalista nos EUA estagnou todos os índices e, desde 1990 o número de jovens negros que conseguem concluir o ensino médio paralisou, enquanto milhares de jovens são criminalizados e lançados ao limbo, somados os mais elevados índices de desemprego. A criminalização em massa, planejada para atingir os trabalhadores aumenta a pobreza e promove a precarização dos serviços públicos essenciais como alimentação e transporte, afetando especialmente os negros. Recentemente, ativistas de movimentos declaram no Jornal LA Progresive: “Em 2013, vimos o fechamento de centenas de escolas de ensino fundamental em bairros majoritariamente negros. Onde essas crianças vão estudar? É um círculo vicioso que promove a pobreza, distribui leis que criminalizam a pobreza e levam as comunidades de cor para prisão”.

As pesquisas apontam ainda, que o maior crescimento da população carcerária ocorreu nas áreas mais pobres e rurais do país, onde majoritariamente se concentram os trabalhadores negros. Em 2005, enquanto a população carcerária crescia na Dakota do Sul em 11%, na Montana em 10,9% e Kentucky em 10,4%, bairros típicos da burguesia não somavam 2%.

Estes índices mostram que o sistema penal serve de lixeira ao grande exército industrial de reserva que vegeta a beira da podridão capitalista para sobreviver, já que este extrato da classe trabalhadora é sujeita a exploração da força do trabalho nas piores condições. E assim, o estado burguês, reproduzindo a relação de domínio de classe e a mando dos capitalistas, fabrica a criminalidade (condicionando, inclusive milhares à reincidência) e torna o sistema penal um negócio altamente lucrativo para os capitalistas de plantão. No Manifesto Comunista Marx já dizia: “A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes.”

Assim, o sistema prisional atende às necessidades de produção do imperialismo, não apenas transformando ‘crimes’ em mercadorias como explorando a força de trabalho da imensa massa carcerária em condições que superam qualquer sistema de exploração, inclusive o escravagismo que torturou, escravizou e explorou seres humanos os empurrando à inanição. 

Nos EUA, um dos fundadores da CCA (Corrections Corporation of América), responsável pela privatização de dezenas de penitenciárias declarou sem qualquer cerimônia: “A nossa companhia foi fundada no princípio que poderíamos, sim, vender prisões. Da mesma forma como se vendem carros, imóveis ou hambúrgueres”. A venda de prisões pelo sistema prisional privatizado e concentrado nas mãos de grandes monopólios registrou recordes consecutivos de lucro nos últimos anos e é o segundo negócio mais rentável aos capitalistas, rendendo bilionárias ações nas bolsas de valores ( cerca de 4 bilhões de dólares).  Com a política da privatização, o encarceramento em massa nos EUA teve um crescimento de mais de 500% – valor que representa 2,2 milhões de pessoas nas prisões norte-americanas, abrigando 25% da população carcerária do mundo. Em Lumpkin- Geórgia, o maior complexo penitenciário da CCA, por exemplo, recebe 200 dólares por cada preso todos os dias, e assegura um lucro anual de 50 milhões de dólares.  Com esta política, o imperialismo norte americano concentra o maior número de bilionários do mundo que acumula mais de 1,25 trilhões de dólares ao ano, riqueza extraída à custa da exploração e da condenação de milhares de trabalhadores.

Em 1980 para atender às exigências do imperialismo, os EUA gastaram cerca de 300 bilhões de dólares para expandir o sistema penitenciário e criminalizar a população pobre, negra e os imigrantes. As massas carcerárias rendem altos dividendos, pois a maioria dos presos que trabalham nas penitenciárias privadas (e não importa quantas horas) recebem um dólar pelo dia trabalhado.

A privatização dos presídios no Brasil

No Brasil o processo de criminalização dos trabalhadores avança a passos largos e o trabalho no cárcere já é uma realidade em muitas unidades prisionais existentes e regra para as que estão sendo construídas. A imagem que se passa aqui é a de que o trabalho diminui as chances de reincidência no crime. Em Juiz de Fora /MG, uma grife famosa liderada pela empresa Doisélles lucra absurdamente com a exploração da mão de obra dos presidiários[1] que produzem peças artesanais de tricô com alto valor de mercado, fazendo parte das coleções badaladas da marca que veste artistas famosos em todo país.

A imprensa burguesa ‘louva’ a bondade da empresária Raquell Guimarães que “gerencia os negócios” da referida empresa, invocando a privatização como a solução aos problemas de violência e segurança pública. No entanto, esta suposta “bondade” esconde a face mais cruel da sociedade capitalista, a exploração inescrupulosa de uma mão de obra majoritariamente negra, farta, barata e em processo de expansão. O que leva uma empresa capitalista a agir em qualquer instância de atuação é a busca pelo lucro. Quanto lucram as empresas que exploram a mão de obra carcerária no Brasil? Quanto lucra a “louvável” empresária que abriu um mercado altamente lucrativo e seletivo? O Estado burguês não pode responder estas questões, pois é ele quem sustenta a ganância e a exploração sem precedentes dos capitalistas.

A política de encarceramento em massa revela uma superestrutura própria da sociedade capitalista, em que a simbiose entre Estado, leis (sistema penal), ideologia (criminalização dos trabalhadores, perfil do criminoso e racismo), funciona no sentido de perpetuar a exploração inerente às relações de produção capitalista e evidentemente, mantém a lógica de quem explora e de quem é explorado. Todo esse aparato de criminalização dos trabalhadores, sobretudo dos negros, expõe uma triste evidência: o imperialismo mundial cada vez mais buscará confirmar a mutualidade fábrica/cárcere já criticada pelo criminalista e militante Cirino dos Santos que dizia:  “a fábrica é construída sob a forma de cárcere, ou inversamente, o cárcere assume a forma de fábrica, configurando o ideal de exploração capitalista”[2], pois realiza outra predição da criminologia crítica onde “os detidos devem ser trabalhadores; os trabalhadores devem ser detidos”[3].

Toda essa situação confere um gás a mais ao processo de reprodução da sociedade capitalista e do antagonismo de classes. Mas, todavia, o encarceramento em massa propõe uma alternativa nova: no início a reprodução ideal ao sistema capitalista era àquela que possibilitava que os trabalhadores do amanhã fossem os filhos dos trabalhadores do presente, (evidenciada pela própria denominação, proletário: aquele que tem prole); nos dias de hoje, porém, a reprodução social, assentada ainda fundamentalmente na questão de classe, ganha o componente do cárcere uma vez que a infância e a juventude pobre, cujos pais são, em algum momento, presos/ trabalhadores ou trabalhadores/presos estarão expostos à criminalidade imposta pelo Estado burguês e deverão ser os trabalhadores/presos do amanhã.

O combate ao racialismo como tarefa revolucionária

Conforme a política de encarceramento em massa fica cada vez mais evidente provoca reação dos militantes de diversos movimentos sociais, entre eles as várias divisões do movimento negro. Isso tem seu lado positivo, mas revela algumas confusões. A principal delas diz respeito às práticas que buscam a emancipação do povo negro dentro dos limites da sociedade burguesa. A verdadeira emancipação do povo negro não se dará pelo simples fim do declarado racismo (que é uma realidade e deve ser sim combatido). Nem tão pouco, pela simples elevação econômica de extratos da população negra, formando uma espécie de casta entre a população negra, a partir de políticas afirmativas por exemplo. O combate ao racismo só terá êxito e a verdadeira emancipação só será atingida com a completa transformação das estruturas sociais que permitem a exploração econômica. Por isso, mais do que nunca a militância do movimento negro deve ser uma militância socialista. Somente o fim da exploração capitalista é capaz de garantir a verdadeira igualdade. Acabar com o racismo é acabar com o mecanismo elementar de todas as formas de dominação, a saber, a propriedade privada.

Marx em sua crítica a Bruno Bauer em a Questão Judáica alerta que a verdadeira emancipação do povo judeu não se daria pela via da emancipação religiosa, por decreto dos Estados Nacionais Burgueses, como afirma Bauer, mas sim, a partir da emancipação humana como um todo. Um estado de coisas que só seria possível pela via da tomada do poder por parte de todos aqueles que de alguma forma sofrem as consequências da exploração capitalista. Dessa forma, afirma que somente a revolução social liderada pelos trabalhadores poderia por fim, primeiramente à infraestrutura econômica que permite a exploração capitalista e como consequência a toda superestrutura de dominação representada por esse sistema que busca produzir minorias facilitando a opressão e dificultando a organização dos trabalhadores como forma de manutenção da dominação burguesa.

Essa reflexão de Marx deve servir de paralelo e orientação para a militância dos diversos movimentos. Ela deixa claro que somente pelo questionamento e combate do sistema de classes típico do capitalismo é que haverá uma verdadeira emancipação da população negra e o consequente fim de todas as formas de racismo. Será somente através da construção de uma sociedade sem classes que não teremos mais opressores e oprimidos do qual o racismo é uma de suas faces. Há, porém, outra orientação ainda mais imperativa: aquela que demonstra a necessidade de união de todos os trabalhadores do mundo (negros, brancos, judeus, árabes). Portanto, nosso combate é revolucionário e nossa bandeira de luta está travada no mesmo chão dos trabalhadores, conduzida pela célebre frase do Manifesto Comunista: “Trabalhadores do mundo uni-vos!”

*Gabriel e Vera são militantes do Movimento Negro Socialista