A crise grega: a profunda radicalização à esquerda (Parte 6)

Continuação da análise sobre a situação da Grécia e de sua crise econômica e social em desenvolvimento.

Ο ΣΥΡΙΖΑ-ΕΚΜ για την παραγωγική ανασυγκρότηση της Θράκης

Durante décadas o principal partido da classe trabalhadora grega foi o PASOK, fundado em 1974 imediatamente após a queda da junta militar. Ganhou 13,5% dos votos nas primeiras eleições realizadas naquele ano, obtendo sete anos depois uma vitória esmagadora com 48% dos votos e formando o primeiro governo de esquerda na história da Grécia. A ascensão do PASOK entre 1974 e 1981 foi a expressão clara de uma radicalização à esquerda da sociedade grega.

Esta radicalização à esquerda esteve baseada na agitação revolucionária que começou com o movimento estudantil e os acontecimentos na Escola Politécnica em Atenas, em novembro de 1973; no colapso da Junta em julho de 1974, depois da grande crise nacional provocada pelo fracasso do aventureiro golpe de estado que os coronéis gregos organizaram em Chipre; na súbita e forte desaceleração da economia e na retórica muito radical de esquerda de Andreas Papandreou, o fundador do partido, e na explosão geral da luta de classes.

Isto deflagrou um período prolongado de radicalização até a eleição do primeiro governo do PASOK em 1981. Parecia às massas que Andreas Papandreou estava propondo uma transformação socialista radical da Grécia. Ele era o que em termos marxistas é definido como um “centrista”, ou seja, ele vacilava, em palavras pelo menos, entre o marxismo e o reformismo, refletindo as pressões opostas de duas classes, a classe trabalhadora e a burguesia.

Uma vez no governo, contudo, o partido entrou em um longo processo de social-democratização, com o abandono de sua retórica anterior. Kostas Simitis, líder do partido entre 1996 e 2004, era visto como o Tony Blair grego, e, de fato, expressava a mesma tendência política, uma tendência burguesa que estava usando o principal partido da classe trabalhadora para avançar a agenda da burguesia.

O PASOK foi capaz de se estabelecer como uma das principais forças políticas na Grécia graças a sua forte base dentro da classe trabalhadora que nele tinha procurado um partido para defender suas aspirações por maior justiça social e melhores condições de vida e de trabalho. À medida em que se deslocou à direita – perdendo, no processo, muito de sua base ativa – foi capaz de aferrar-se a sua base eleitoral devido à relativa estabilidade da situação econômica, especialmente com o retorno ao significativo crescimento pós-1994. Nestas condições, o PASOK ganhou três eleições consecutivas, em 1993, 1996 e 2000 (com 47%, 41,5% e 44%, respectivamente).

No entanto, suas políticas no governo finalmente prepararam um deslocamento à direita e a vitória da Nova Democracia em 2004. O fim do período de auge e o início da crise de 2007-08, contudo, catapultaram o PASOK de volta ao governo em 2009, com 44% dos votos nas eleições daquele ano.

Colapso eleitoral do PASOK e a ascensão de SYRIZA

Dentro de dois anos no cargo e de realizar as medidas draconianas de austeridade impostas à Grécia pela Troika [Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional], as pesquisas de opinião começaram a mostrar acentuado declínio no apoio ao PASOK, com um grande número de seus eleitores sentindo-se muito decepcionados. Nas eleições de 2012, sua votação desmoronou massivamente, caindo para um pouco mais de 13%. Nas quatro eleições de maio/2012, junho/2012, janeiro/2015 e setembro/2015, sua votação desceu a 13,8%, 12%, 4,7% e 6,2%.

Enquanto isto, a sua esquerda, vimos o surgimento de SYRIZA, que expressava a radicalização dos trabalhadores e da juventude grega. SYRIZA é agora um partido, mas era anteriormente uma coalizão de forças de esquerda, cujo principal componente era Synaspismos. Já em 1993, quando o PASOK ainda voava alto, Synaspismos não conseguiu sequer alcançar os 3% dos votos para entrar no parlamento. Mas, no ano seguinte, nas eleições europeias, o partido ganhou sua maior pontuação (antes da recente vaga), obtendo 6,26% dos votos, e logo, nas eleições parlamentares de 1996, ganhou 5,12% dos votos nas eleições parlamentares nacionais. Sua votação flutuava entre 4% e 6% durante este período. Em 2001, houve uma primeira tentativa de se construir uma coalizão de esquerda, mas foi somente em 2004 que SYRIZA emergiu como uma aliança de forças de esquerda, com seu principal componente sendo Synaspismos, que ganhou 3,3% dos votos e seis parlamentares, fazendo um pouco melhor em 2007 com 5% e, em 2009, com 4,6%, ganhou 13 parlamentares, entre eles Tsipras, que se tornou líder do grupo parlamentar.

Ninguém então imaginava que SYRIZA iria desempenhar o papel que veríamos depois. As coisas estavam tão ruins que em 2010 a ala direita de Synaspismos se separou para formar a Esquerda Democrática (DIMAR). Este grupo aspirava as “maiores coisas”, isto é, posições de governo, e buscavam fazer um acordo com o PASOK. Mal sabiam eles do que estava prestes a acontecer!

Em dezembro de 2008, o assassinato de um jovem estudante, Alexandros Grigoropoulos, às mãos de um policial, deflagrou um massivo protesto estudantil. Este movimento – como explicamos em Agitação revolucionária na Grécia – uma amostra do que está por vir para toda a Europa – assinalou uma significativa virada na situação. Ele destacou a radicalização crescente da juventude que estava ocorrendo, um prenúncio de coisas maiores por vir dentro da classe trabalhadora como um todo.

Em certo momento de 2008 SYRIZA estava com 18% nas pesquisas de opinião. Isto foi atalhado quando seus líderes começaram a falar que estavam preparados para formar uma coalizão de governo com o PASOK, caindo de volta para 12%. Tal coalizão nunca se materializou, enquanto a votação a PASOK finalmente desmoronava e uma massa de eleitores de PASOK começou a mudar para SYRIZA.

A radicalização da juventude

Esta futura divisão do eleitorado já poderia ter sido detectada antes do grande surto eleitoral de SYRIZA. Quando ainda estava com 4-5% do eleitorado total, as pesquisas de opinião começavam a indicar que entre os jovens o apoio a SYRIZA estava em torno de 18-20%. Como frequentemente ocorre, a juventude é como um barômetro indicando as mudanças futuras do clima político. O movimento da juventude de 2008 e a radicalização política que veio com ele foi uma antecipação do que estava por vir, um terremoto político que iria abalar os alicerces da Grécia.

O primeiro abalo veio nas eleições parlamentares de maio/2012, quando SYRIZA ganhou 16% dos votos, quadruplicando seu número de parlamentares, e a isto foi acompanhado em junho, na segunda eleição, quando o partido subiu para um pouco menos de 27%, somente dois pontos percentuais atrás de Nova Democracia. SYRIZA ganhou níveis ainda mais elevados de apoio entre os trabalhadores dos setores privado e público, e dos desempregados. Entre os jovens, a mudança ainda foi maior.

Foi esta a primeira vez que um partido que tinha raízes na tradição comunista ultrapassou um partido socialdemocrata desde a queda do muro de Berlim. Mas, enquanto a ascensão do PASOK veio em um período que lhe permitiu estabilizar-se e se tornar uma grande força política grega durante décadas, a ascensão de SYRIZA veio em um período histórico muito diferente.

SYRIZA chegou ao poder prometendo dar um fim à austeridade, mas, uma vez no governo, rapidamente se afastou da linguagem radical que tinha adotado antes da eleição de janeiro de 2015 e acabou se rendendo à Troika depois do referendo de julho de 2015. Isto teve impacto no apoio eleitoral de SYRIZA, embora, se olharmos apenas para a percentagem que obteve, isto não seja tão evidente.

Em setembro/2015, o partido conseguiu obter mais ou menos a mesma percentagem (35,46%) que em janeiro (36,34%), mas isto ocultou um processo que já tinha começado, que continua atualmente e que, finalmente, se materializará como um afastamento para longe de SYRIZA. Entre as eleições de janeiro e setembro de 2015, perdeu menos de um ponto percentual, mas isto não fornece um quadro completo, uma vez que houve um significativo aumento no número de abstenções. Em janeiro, 6.180.872 eleitores compareceram para votar, contra os 5.431.850 de setembro, uma abstenção líquida de cerca de 750.000 eleitores, 12% daqueles que tinham votado há apenas nove meses. Isto reflete a desilusão que começara a se estabelecer já em setembro. A maioria da juventude se absteve na eleição de setembro devido à desilusão e confusão dentro da classe trabalhadora, que também se reflete entre os estudantes. Os jovens não sabiam em quem votar porque nenhum dos partidos os convenceram.

Se olharmos mais atentamente, o afastamento dos votos de SYRIZA foi muito maior do que parecia ser o caso. O número total de votos que o partido ganhou em janeiro ficou perto de 2.250.000, mas em setembro caiu para cerca de 1.925.000, uma perda líquida de cerca de 325.000 votos.

Estudos revelam que SYRIZA na verdade perdeu 600.000 dos votos que tinham ganhado em janeiro, ou seja, mais de um quarto dos que tinham votado pelo partido. Antes das eleições de setembro, SYRIZA também se divide (cobrimos isto em outros artigos), e o novo partido que surgiu a sua esquerda, a Unidade Popular (LAE), ganhou cerca de 150.000 votos, que vieram em sua maioria de SYRIZA.

Embora SYRIZA perdeu votos para a esquerda e com as abstenções, também ganhou 300.000 votos de outras camadas que não tinham votado por eles anteriormente. Nas áreas da classe trabalhadora, SYRIZA perdeu muito mais em termos percentuais, onde muitos se abstiveram, mas ganharam algumas camadas em outras áreas de classe média, uma vez que o partido era agora visto como uma força “nova”, mas mais “responsável”, um tipo de sucedâneo do PASOK. Também houve alguns estudos interessantes da votação discriminados por grupo social. Por exemplo, em janeiro/2015, 45% dos desempregados votaram SYRIZA, mas, em setembro, somente 15% desta camada continuaram a votar por eles, indicando que entre as camadas mais oprimidas o partido não tinha mais nada a oferecer, uma vez que tinha se atado à austeridade dos Memorandos.

Queda dramática do apoio a SYRIZA

O processo de desilusão continuou depois das eleições de novembro e pesquisas recentes de opinião revelam uma queda dramática no apoio a SYRIZA. As grandes esperanças de janeiro/2015 se transformaram em desespero. Uma pesquisa conduzida pela Universidade da Macedônia e publicada no início de julho, revela que 28,5% iriam votar por Nova Democracia se novas eleições fossem convocadas no próximo período, e somente 17% iriam votar por SYRIZA. Isto significa que o partido perderia mais da metade dos votos que ganhou em setembro. A mesma pesquisa revelou que 69% dos que tinham votado por SYRIZA da última vez estão agora insatisfeitos com o governo.

Esta queda no apoio a SYRIZA é ainda mais acentuada entre a juventude. O padrão da votação nas eleições dos estudantes universitários dá uma ideia do que está se passando entre os jovens. Em cada Faculdade, todos os anos é eleito um conselho pelos estudantes. Há que se assinalar que há um nível muito alto de abstenções nas eleições dos conselhos estudantis, com cerca de metade dos estudantes sem votar. A seguir enumeramos as principais forças que se mantinham no ano passado (2015) com sua votação geral em termos nacionais em todas as universidades.

DAP, a frente estudantil da Nova Democracia, foi a maior em termos absolutos com 23.000 votos. A PKS, a frente estudantil de KNE (KNE é a Juventude Comunista) ganhou 12.000 votos e foi a segunda maior força. EAAK, da frente Antarsya (a maioria dos grupos de extrema-esquerda organizados em frente única), ganhou 8.500 votos. Esquerda Unida, a frente estudantil de SYRIZA, ganhou cerca de 7.500 votos. O PASP, a frente estudantil de PASOK, ganhou 7.000 votos, embora no passado costumasse ser a segunda maior frente estudantil.

Neste ano houve uma queda muito acentuada no apoio à frente estudantil de SYRIZA. No ano passado, a Esquerda Unida ganhou 8%, mas neste ano caiu acentuadamente a somente 0,8%. A desilusão com o governo de SYRIZA começou já no ano passado entre as camadas mais jovens, uma antecipação do que estava prestes a acontecer no eleitorado mais amplo. Mas o colapso total do apoio a SYRIZA deste ano entre os estudantes é indicativo do que está a ponto de golpear o partido.

Aguçada virada à esquerda entre os estudantes

A distribuição percentual do voto estudantil neste ano é reveladora. EAAK ganhou 16%; PKS, 21% [frente aos 19% do ano passado], Esquerda Unida [SYRIZA], 0,8%; PASP, cerca de 7%; e DAP [Nova Democracia], 36%. O que aconteceu é que dentro do voto de esquerda se produziu uma maior radicalização à esquerda. Isto se revela particularmente nos 16% obtidos por EAAK, a frente estudantil de Antarsya e também no pequeno aumento do PKS. Vale assinalar que a divisão à esquerda de SYRIZA, a Unidade Popular (LAE) não se apresentou de forma independente, mas participou dentro de EAAK, já que tem poucas forças entre os estudantes.

Os números acima não dão uma imagem precisa das mudanças no seio da juventude, uma vez que os trabalhadores jovens não foram levados em consideração, mas dão uma ideia aproximada do processo. É evidente que entre a juventude há uma polarização, como no restante da sociedade grega, entre esquerda e direita, e dentro deste processo as forças combinadas da esquerda claramente superam a direita. O problema é que, entre os principais partidos, não há nenhuma força capaz de dar expressão a esta radicalização.

O que é evidente é que SYRIZA se encontra em declínio sério, mas, a sua esquerda, nenhuma força importante está emergindo. O KKE, apesar do significativo apoio entre os estudantes, permanece ancorado em torno dos 5%. De fato, nas eleições de setembro/2015, em uma situação em que deveria estar crescendo, conseguiu reduzir seu apoio eleitoral real, perdendo quase 40.000 votos. Isto se deve a sua postura extremamente sectária em relação a todas as outras forças da esquerda (mas isto é outro assunto). A Unidade Popular, LAE, pensou que poderia aumentar sua sorte levantando o lema de um retorno ao dracma, mas baqueou nas eleições de setembro, não conseguindo entrar no parlamento, quando só conseguiu ganhar 2,7% dos votos, não chegando ao limiar dos 3%. Desde então as pesquisas indicam que vem enfraquecendo e não se fortalecendo. Isto revela que não está conectado ao ânimo geral da esquerda. Antarsya viu certo crescimento a partir de seu anterior aproximadamente 1%, a cerca de 2%, mas, novamente, isso é muito pouco para ser capaz de produzir um impacto significativo, embora exista uma importante camada que se volta para eles, dado o vácuo à esquerda.

O certo é que, uma vez que piorem ainda mais as condições materiais no próximo período, a juventude será forçada a reagir e veremos novas vagas de protestos. É nesta camada que as ideias do marxismo encontrarão a resposta mais favorável, e em dado momento também encontrarão uma expressão política.

A profunda crise do capitalismo grego não terminará cedo; pelo contrário, vai piorar enquanto a economia europeia e mundial mergulhar ainda mais na crise. Nessas condições, a volatilidade política que vimos nos anos recentes continuará. Veremos acentuadas viradas à esquerda e à direita.

Se olharmos para o passado – como descrito acima – podemos ver que, sem o choque da crise econômica de 2007-08 e a severa austeridade a que levou, não teria ocorrido o colapso do PASOK e a ascensão meteórica de SYRIZA, assim como, sem a agitação revolucionária dos anos 1970, não teria ocorrido o aparecimento e a meteórica ascensão do PASOK. A diferença atual é que SYRIZA não tem décadas de relativa estabilidade econômica à frente. Pelo contrário, têm uma severa crise a abordar, algo que é incapaz de manejar. Isto significa que está destinado a perder muito do apoio que ganhou nos anos recentes.

Somente quando um dos partidos que emergem for capaz de resolver a crise em que a Grécia está mergulhada, poderá haver um fim à fragmentação da frente eleitoral e à volatilidade. A questão é que não há nenhuma solução com base no capitalismo que não seja a “desvalorização interna” a que nos referimos em artigos anteriores, o que significa ataques violentos à classe trabalhadora. A solução real está nas ideias do Marxismo, que explicam que a saída é a derrubada revolucionária do capitalismo, a nacionalização das alavancas fundamentais da economia e um governo dos trabalhadores que ponha um fim ao capitalismo. É isto que os marxistas devem explicar pacientemente à medida em que constroem as suas forças.

Artigo publicado originalmente em 24 de agosto de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “ Greece in crisis – Part Six: The underlying radicalisation to the left.

Tradução de Fabiano Leite.