A “crise” energética e os ataques aos trabalhadores: o que realmente está em jogo?

Fechamento de usinas e divisões da classe trabalhadora. Os cuidados necessários para enfrentar o discurso patronal

Dia 1° de maio é a data base dos trabalhadores do setor sucroenergético, categoria que abrange a produção de açúcar, álcool/etanol e co-geração de energia.  Como é de praxe, os sindicatos de trabalhadores começaram a organizar suas pautas de reivindicações.

Fechamento de usinas e divisões da classe trabalhadora. Os cuidados necessários para enfrentar o discurso patronal

Dia 1° de maio é a data base dos trabalhadores do setor sucroenergético, categoria que abrange a produção de açúcar, álcool/etanol e co-geração de energia.  Como é de praxe, os sindicatos de trabalhadores começaram a organizar suas pautas de reivindicações. Simultaneamente começou uma ampla divulgação nos meios de comunicação sobre a atual crise que o setor sucroenergético enfrenta. Como sempre, a grande imprensa buscou mostrar apenas a parte que lhe convém para a defesa do cotidiano discurso liberal da defesa do capitalismo, e, a partir desses pontos, tecer criticas ao governo da presidenta Dilma.

            No dia 14/04/2014 a presidenta da ÚNICA (União da Indústria de Cana de Açúcar) Elisabeth Farina, foi entrevistada pelo jornal Folha de São Paulo no qual expôs os problemas e as principais reivindicações patronais do setor. Ela apontou como que a culpa pela crise do setor é a política econômica do governo Dilma que deixou de lado o que seu antecessor o ex-presidente Lula tinha vislumbrado. Entendemos que Lula estava certo quanto ao potencial do setor, seu caráter estratégico e a necessidade de investimentos. No entanto, foi justamente o ex-presidente que abriu o setor ao capital estrangeiro que, através de algumas fusões e compras de usinas brasileiras, aplicando uma política de concentração e centralização de capitais, tendo como consequência várias demissões de trabalhadores e, para os que ficaram as condições de trabalho se mostraram ainda mais agressivas e exploratórias. Nesse sentido, vimos o capital internacional se apodera dessa matriz energética renovável e versátil, que é a cana de açúcar, formando o gigante monopólio no setor.

O concentração da produção capitalista da cana de açúcar

De acordo com a reportagem da Folha de SP, “Ao longo das cinco safras recentes, 44 usinas fecharam (de um total de 384). Das usinas atuantes, há 33 em recuperação judicial e 12 não vão moer cana este ano”[1].

Se é verdade que hoje a “menina dos olhos” do governo Dilma é o pré-sal, os usineiros se utilizam disso para, dentro das disputas entre os diferentes setores da burguesia, defender seus interesses, privilégios, etc., que se exemplificam com isenções, subsídios, créditos facilitados, etc. Os usineiros escondem, entretanto, que a questão para a crise do setor é justamente a conformação de monopólio entre grandes empresas, e que essa é a questão central para definir o fechamento dessas usinas.

É o monopólio que leve ao fechamento de pequenas usinas, ou mesmo sua incorporação ao grande capital, tendo em vista que nesse modelo de produção capitalista, não tem como competir com os grandes grupos. O que vimos nos últimos anos é um profundo processo de arrendamento de terras, com os fornecedores de cana arrendando pequenas propriedades. Nesse perverso processo de concentração de capitais, gerando os monopólios, o que vemos é que esses grupos deixam de cumprir as obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas da empresa, praticando inúmeros crimes, com a conivência e leniência do Estado. Como consequência, vimos centenas de usinas fecharem suas portas, encerrando suas atividades, demitindo centenas de trabalhadores, provocando grandes prejuízos para a população.

            Assim, vale destacar que apesar de toda essa campanha patronal cobrando do governo uma política definida para o setor, não se pode ter dúvidas de que quem mais perde é a classe trabalhadora. As verdadeiras vítimas desse processo de avanço do capitalismo no campo brasileiro são os trabalhadores, em especial, porque mesmo em meio à “crise do setor”, como apontam as entidades patronas, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo ficando atrás apenas dos EUA.

Dessa forma, os trabalhadores e, principalmente, seus sindicatos e demais representações, não devem cair na armadilha de defender a pauta patronal diante da ameaça de desemprego no setor. A bancada patronal organizada em lobby já é grande o bastante dentro do congresso nacional para defender os interesses dos empresários que são antagônicos aos interesses da classe trabalhadora.

A crise do setor deve ser entendida dentro da lógica capitalista, e, portanto, sob a perspectiva da luta de classes, as consequências para os trabalhadores. Por isso, é verdade que os sindicatos e os trabalhadores devem compreender os fundamentos da crise, elucidando os discursos patronais. Em especial, devemos analisar como essas disputas diárias entre capital e trabalho estão ocorrendo em cada local de trabalho.

A tentativa patronal de dividir a classe trabalhadora

Para além do “chororô patronal”, a verdadeira preocupação dos trabalhadores deve ser com a ampliação dos ataques aos direitos historicamente conquistados. O avanço do capitalismo na produção da cana de açúcar no Brasil resulta em maior exploração da força de trabalho. E, para garantir esses ataques aos trabalhadores, uma das mais reconhecidas medidas é o “dividir para reinar”. É isso que o setor patronal está buscando fazer, provocando inúmeras disputas ocorrem entre os sindicatos de trabalhadores dentro de uma mesma empresa. É o chamado conflito “por base de representação, prática da burguesia em tentar fragmentar a classe trabalhadora, dividindo-os em supostas diferentes categorias, tentando dificultar a identidade de classe. Em diferentes setores da produção, essa tem sido uma tendência da burguesia. No setor energético não é diferente. Vejamos.

O que tem ocorrido é que uma usina possui três “tipos de categorias de trabalhadores”, apresentando-se com funções diferentes. No plantio e no corte, os trabalhadores são representados pelo sindicato rural. Os trabalhadores que fazem o transporte da cana até o parque industrial são representados pelo sindicato dos condutores de veículos e, por fim, os trabalhadores que laboram na indústria são representados ou pelo sindicato da alimentação quando a atividade preponderante é a produção de açúcar ou pelo sindicato dos químicos quando a produção é de etanol. Tal situação tem provocado tensões entre os próprios trabalhadores, disputas entre os sindicatos que atuam em uma mesma empresa/empregadora.

Ocorre, o que temos visto é que os grandes grupos que comandam o setor, geralmente, além de produzir açúcar e/ou etanol, co-geram energia através da queima do bagaço da cana. Como é “outra atividade”, torna-se possível criação de outra empresa para cuidar dessa atividade. Um grande exemplo, ocorreu na aquisição do grupo Cosan pela Shell, onde foi criada outra empresa denominada Raizen (Raiz energia) para gerir a produção de etanol. Não obstante, cogita-se a possibilidade de criar outra empresa do grupo para cuidar da parte de co-geração de energia.

Agindo assim, o setor patronal favorece seus negócios, e, sob seu comando e suas determinações, especializam-se suas atividades, fracionando o processo produtivo, tendo como uma das consequências, a divisão da classe trabalhadora. Nesse caso, inclusive, já há grande discussão, infelizmente, de ser criado um novo sindicato, que representará, especificamente os trabalhadores desta “nova” empresa, garantindo “sua” representatividade dos trabalhadores, pois tal atividade se enquadraria aos eletricitários.

Com a mecanização do plantio e na colheita, os trabalhadores que antes trabalhavam no degradante corte de cana, migraram para outras culturas. Isso porque, com o corte mecânico que necessitava de um grupo de trabalhadores para realizar a árdua tarefa, hoje existe apenas um trabalhador que controla a máquina. Com isso, a representatividade do sindicato dos trabalhadores rurais caiu drasticamente diminuindo, inclusive, a arrecadação. Os embates estão cada vez mais agressivos, e os patrões se utilizam muito bem desses momentos para provocar, cooptar, dividir, desmoralizar, etc. O movimento sindical deve saber exatamente o terreno que está adentrando, e os possíveis interesses patronais nas disputas entre os próprios trabalhadores.

Recentemente na região de Ribeirão Preto o sindicato rural entrou com uma ação pedindo representatividade de todos os trabalhadores de uma usina considerando que a empresa é uma agroindústria, portanto o trabalhador seria rural. Existe também um conflito de representatividade em algumas regiões entre Sindicato dos Químicos e Sindicato de Alimentação onde o principal questionamento é sobre o tipo de açúcar que é produzido. Questiona-se que o processo de produção de açúcar é químico e que em alguns casos é produzido e comercializado para outros fins e não alimentação. Um exemplo é o Japão que utiliza o açúcar na construção civil devido sua viscosidade dando mais resistência às edificações, estradas etc. Ou seja, o que vemos é a classe trabalhadora sendo forçada a sucumbir de seu maior instrumento – a unidade e a identidade de classe.

Breves conclusões

Diante de todos esses conflitos quem perde é a classe trabalhadora que assiste essa disputa interna pela manutenção das entidades sem organizar os trabalhadores defendendo uma harmonia com o capitalismo através das negociações coletivas onde prevalecem os interesses patronais sobre as reivindicações da classe trabalhadora.

O que vemos é a ação patronal, impulsionada pela lógica do capital, tentar impor uma divisão que não favorece a classe trabalhadora. Infelizmente, parcela cada vez mais crescente do movimento sindical, interessados nos aparelhos institucionais milionários que são os sindicatos hoje, sustentados por imposto sindical e taxa negocial, aplicam uma verdadeira aliança com o setor patronal, contribuição para a fragmentação da identidade de classe. Resulta-se em uma atuação burocrática e contrarrevolucionária, obstaculizando a emancipação da classe trabalhadora.

A divisão por ramos de atividade foi um grande golpe para dificultar a organização dos trabalhadores. O oportunismo dentro do movimento sindical oriundo dessa divisão tornou-se um mecanismo do capital para enfraquecer a luta, pois os sindicatos se voltam para as disputas pelo aparelho sindical e suas contribuições e, ao mesmo tempo, acabam por contribuir na manutenção do capitalismo e de se adaptar à sua dinâmica patronal, sem qualquer resistência.

 Diante desse quadro, torna-se cada vez mais difícil construir e defender uma pauta unitária, que seja condizente aos anseios da classe trabalhadora, pois organização que falta entre nós, sobra aos empresários que diante de uma campanha salarial “afinam as violas” e cantam a mesma melodia dividindo ano a ano os prejuízos com os trabalhadores. Entretanto, desde as manifestações de junho de 2013, quando a juventude urbana avançou às ruas, questionando as instituições públicas do capitalismo, uma verdadeira ebulição tem surgido nas bases do movimento sindical. Questionando o burocratismo e o distanciamento das bases, os atrelamentos e consentimentos com os setores patronais, a dependência financeira do Estado (imposto sindical) e dos patrões (taxas negociais), o movimento operário está diante de novos desafios, exigindo-se o rompimento com o tripartismo e a política de cooptação de grande parcela do movimento sindical reformista.

Novos tempos estão postos, e o enfrentamento contra a divisão da classe trabalhadora, resistindo contra a fragmentação nas bases de representação é um grande exemplo de um olhar mais atento imprescindível para que os trabalhadores alcancem seus objetivos de construir uma sociedade justa, livre e igualitária, erguendo-se com punhos cerrados para cumprir o legado histórica de que a “emancipação da classe trabalhadora será obra dos próprios trabalhadores”.