A crise da cosmologia (Parte 3)

A comunidade científica está plenamente consciente dos desafios diante de vários mistérios sem solução. Muitos candidatos se ofereceram na busca de soluções para estes problemas, mas nenhum deles ainda pôde reclamar a vitória. O que é notável, no entanto, é o pouco avanço do pequeno campo da cosmologia nas últimas décadas.

Leia aqui a Parte 1 e a Parte 2

Os vários mistérios da física, descritos anteriormente, os quais estão sem solução, não são nenhum segredo. A comunidade científica está plenamente consciente dos desafios que enfrenta. Muitos candidatos se ofereceram na busca de soluções para estes problemas, mas nenhum deles ainda pôde reclamar a vitória. O que é notável, no entanto, é o pouco avanço do pequeno campo da cosmologia nas últimas décadas.

Um passo à frente, dois passos atrás

Há uma multidão de concorrentes ao trono da Teoria de Tudo. Estes concorrentes incluem a Supersimetria, a teoria das cordas, a Teoria-M e um grande número de outras ao lado. Há muitas e diferentes variedades e sabores dentro de cada teoria, com novas hipóteses, suposições e extensões feitas por turnos quando as observações e experimentos falham em confirmar as previsões (se existem mesmo quaisquer previsões!) da teoria original.

Por exemplo, na Supersimetria, toda uma nova gama de partículas é proposta para explicar e unificar três das quatro forças da natureza: o eletromagnetismo, a força nuclear fraca e a força nuclear forte. Contudo, os experimentos usando o Grande Colisor de Hádrons até agora não encontraram qualquer evidência para a Supersimetria. Em vez de aceitar a morte da Supersimetria, os acadêmicos desenvolveram versões ainda mais elaboradas numa tentativa desesperada de manter viva a teoria (e, dessa forma, suas carreiras!). É uma grande ironia que, em sua busca pela “beleza” da simplicidade matemática, os físicos teóricos terminem por produzir modelos cada vez mais pesados contendo um conjunto cada vez maior de partículas e parâmetros.

Por outro lado, temos a teoria das cordas, que sugere que todas as partículas elementares do Modelo Padrão da Física de Partículas (MPFP) são de fato variações de uma única e fundamental corda vibratória, com diferentes energias de vibração que representam a variedade de partículas que vemos. A suposta elegância da teoria das cordas é que, aparentemente, proporciona uma Teoria de Tudo que unificaria a mecânica quântica e a relatividade geral. A desvantagem é que a teoria somente funciona se de fato, apesar de todas as nossas experiências, vivemos em um Universo de dez dimensões que consiste de nove dimensões espaciais mais o tempo. Essas seis dimensões espaciais extras são, pelo que afirma a teoria, inobserváveis – e, portanto, não comprováveis – já que estão envoltas e compactadas em escala minúscula.

De fato, existem cinco diferentes teorias das cordas que podem ser subsumidas [Subsumidas: Sinônimo de concebidas, como integrantes de um conjunto maior]. em uma única teoria, conhecida como Teoria-M, se assumirmos um Universo de onze dimensões. Como prolongamento da Teoria-M, há o conceito de novos objetos matemáticos, como os “branas” discutido anteriormente, que se diz estarem flutuando e colidindo uns sobre os outros, causando assim eventos do tipo do Big Bang.

Se tudo isto soa fantasioso, é porque é mesmo fantasioso. Deve-se ressaltar que não existe nenhuma evidência empírica para qualquer uma dessas alegações fantásticas. A teoria das cordas e a Teoria-M são simplesmente um caso de um conjunto de suposições e conjecturas empilhadas umas sobre as outras. Não são nada além de modelos matemáticos abstratos, brinquedos teóricos e jogos lúdicos acadêmicos, que, enquanto internamente consistentes em termos de suas implicações matemáticas, não têm observações que os respaldem nem previsões verificáveis que os apoiem. Surpreendentemente, a Teoria-M, embora amplamente discutida e pesquisada no campo da física teórica e da cosmologia, não é verdadeiramente uma teoria em absoluto. Até o momento, na verdade, ninguém escreveu formalmente o que seria ou deveria ser; simplesmente existe como a ideia de uma ideia.

Essas teorias são completamente indemonstráveis e estão mais próximas das discussões medievais dos sacerdotes sobre “quantos anjos podem bailar na cabeça de um alfinete” do que de uma ciência genuína, em qualquer sentido. Contudo, apesar dessas limitações severas, essas teorias são apresentadas ao público como ideias científicas viáveis através de professores universitários famosos como Brian Green e outras celebridades científicas. Parece que, para cada passo dado à frente no campo da cosmologia há dois passos dados para trás, com inumeráveis horas de tempo de trabalho e enormes somas de dinheiro sendo desperdiçadas na busca desses voos obscurantistas e idealistas da fantasia.

O beco sem saída da cosmologia

Pesquisadores e escritores científicos, em número cada vez maior, estão exasperados com o atual estado das coisas e, ao estarem crescentemente cansados com a falta de progresso no campo da cosmologia, estão pedindo uma revisão radical. Tornou-se evidente para muitos que, depois de séculos de trabalho duro alçando-nos pela ladeira das descobertas, permanecemos na planície do conhecimento já há algum tempo.

Outros são menos generosos em sua descrição da investigação cosmológica moderna, considerando-a um pouco mais que uma viagem bastante cara por um beco sem saída científico, além de uma perda de tempo. Jim Baggott, um reconhecido escritor científico e ex-acadêmico, escreve em seu livro Farewell to Reality [Adeus à Realidade] sobre a crescente brecha entre a moderna cosmologia e o que se costumava chamar de “ciência”.

Na opinião de Baggott e de muitos outros, a atual pesquisa cosmológica, de forma crescente, se tornou completamente teórica em sua natureza e está baseada inteiramente na beleza e consistência interna das matemáticas descritivas, recorrendo pouco à evidência real ou às observações. Baggott descreve essas teorias, idealizadas nos gabinetes de universidades e institutos altamente respeitáveis, como sendo nada mais do que “a física dos contos de fadas”, teorias que há muito tempo deixaram de desempenhar qualquer papel real em melhorar nossa compreensão da realidade objetiva do Universo.

“Na física dos contos de fadas”, lamenta Baggott, “perdemos de vista, quase completamente, o conteúdo empírico… Se há um tema que fundamenta a física teórica contemporânea, este parece ser uma inata incapacidade de calcular qualquer coisa, com a ressalva do não tão apologético: bem, isto ainda pode ser verdade…

“… A questão… não é metafísica em si. A questão é que na física dos contos de fadas a metafísica é tudo o que existe. E ainda menos pode ela prever algo que possa ser testado com referência a fatos empíricos, em relação com a quantidade ou o número, ela não é nada além de sofisma e ilusão…

“… Neste ponto, vamos reconhecer que as estruturas matemáticas com que estamos lidando para se chegar a um acordo, realmente podem representar um caminho errado…” [1] (ênfase no original).

Nesta visão, o campo da moderna cosmologia se tornou, na melhor das hipóteses, uma forma bastante inofensiva de Keynesianismo – uma forma de empregar e financiar algumas poucas centenas (ou milhares) de cientistas, que, de outra forma, ficariam sem trabalho. Na pior hipótese, a atual pesquisa cosmológica é uma colossal perda de recursos científicos que, longe de ser inofensiva, está realmente prejudicando a credibilidade mais ampla da ciência por oferecer bobagens como pesquisa teórica importante. Como comenta Baggott:

“Que importa se alguns poucos teóricos decidem que é bom desfrutar um pouco do autoengano? E daí que continuem a publicar seus trabalhos de pesquisa e seus artigos e livros populares de ciência? E daí se continuam a aparecer em documentários científicos, vendendo sua visão de mundo metafísica como ciência? Que dano real é produzido?”

“Creio que está sendo produzindo um dano à integridade do labor científico. O dano não é sempre claramente visível e certamente não é sempre óbvio. A física dos contos de fadas é como um rastejar vagaroso já inexoravelmente seco e podre. Se não olharmos para isto, não iremos notar que as bases estão sendo minadas até que toda a estrutura venha abaixo sobre nossas cabeças… Esta coisa claramente não é ciência” [2].

O tempo renasce

A crise na cosmologia, contudo, está causando dentro do seu campo algo em desafio ao paradigma dominante. Um dos que estão buscando uma saída do pântano atual é Lee Smolin, um reconhecido acadêmico, atualmente no Instituto Perimeter de Física Teórica, que, em seu livro Time Reborn [O tempo renasce], argumenta que todo o campo da cosmologia, desde a mecânica quântica à relatividade geral, se vê limitado pelo que equivale ao problema filosófico de como a ciência trata a questão do tempo.

Apesar de não ser um materialista dialético consciente ou consistente, Smolin acentua corretamente muitas das falhas fundamentais do método e das perspectivas da atual física teórica. Para Smolin, o problema nasce com o método newtoniano de ciência – um método que, embora extremamente progressista em seu tempo, agora está retendo a física moderna. O método newtoniano é fundamentalmente o da mecânica, que examina o movimento de sistemas isolados em termos de partículas e forças que agem sobre eles, como descreve Smolin:

“O sucesso das teorias científicas de Newton até a atualidade se baseia no uso de um marco particular da explicação inventado por Newton. Este marco concebe que a natureza consiste de nada mais além de partículas com leis eternas. As propriedades das partículas, tais como suas massas e cargas elétricas, nunca mudariam, e nem as leis que atuam sobre elas” [3].

Mas Smolin também passa a destacar uma das limitações desse método que envolve sistemas isolados (ou “física em uma caixa”, como ele frequentemente se refere a ela): o fato de que, na realidade, nunca se pode na verdade isolar um sistema, porque sempre há uma interconectividade dialética entre matéria e movimento:

“Este marco é idealmente adaptado para descrever pequenas partes do Universo, mas fracassa quando tentamos aplicá-lo ao Universo como um todo…

Quando fazemos cosmologia, nos deparamos com uma nova circunstância: é impossível sair fora do sistema quando este sistema é todo o Universo” [4] (ênfase no original).

Em seu livro, Smolin explica como os físicos, desde Newton, tentaram representar o dinamismo e a mudança da matéria em movimento através do uso de equações matemáticas e modelos atemporais e absolutos que são necessariamente simplificações e abstrações de processos infinitamente complexos e que, assim, perdem sua aplicabilidade quando usados para analisar o Universo como um todo.

Ao colocar a matemática acima da realidade e esquecendo a natureza aproximada de seus modelos, a física teórica tropeçou com obstáculos aparentemente insuperáveis em todos os pilares chave da cosmologia: o MPFP, a mecânica quântica, a relatividade geral e o MPCBB. Os físicos levaram a si mesmos a um beco sem saída na busca de uma “bela” e “elegante” Teoria de Tudo. Como nota Smolin:

“Continua sendo uma grande tentação tomar uma lei ou um princípio que podemos aplicar com êxito a todos os subsistemas do mundo e aplica-lo ao Universo como um todo. Fazer isto é cometer uma falácia…

O Universo é uma entidade diferente em espécie de qualquer uma de suas partes. Nem é simplesmente a soma de suas partes…

O que queremos dizer quando chamamos algo de ‘lei’ é que se aplica para muitos casos; se se aplica a um só caso, seria simplesmente uma observação. Mas qualquer aplicação de uma lei a qualquer parte do Universo envolve uma aproximação… porque devemos negligenciar todas as interações entre aquela parte e o restante do Universo [5].

“Todas as teorias com que trabalhamos, incluindo o Modelo Padrão da Física de Partículas e a relatividade geral, são teorias aproximadas, aplicando mutilações à natureza…

… Isso significa que o Modelo Padrão da Física de Partículas, que, de acordo com todas as pesquisas conhecidas até agora, deve ser considerada uma aproximação… ignora fenômenos atualmente desconhecidos que podem aparecer se formos capazes de sondar a distâncias mais curtas…

Os fenômenos que faltam poderiam incluir não somente novas espécies de partículas elementares como também forças até agora desconhecidas. Ou poderia resultar que os princípios básicos da mecânica quântica estão errados e necessitam de modificação para descrever corretamente os fenômenos emboscados em comprimentos mais curtos e energias mais baixas…

… a física é um processo de construção de cada vez melhores teorias aproximadas. Enquanto promovemos nossos experimentos a distâncias mais curtas e energias mais altas, podemos descobrir novos fenômenos, e se o fizermos, vamos necessitar de novos modelos para acomodá-los” [6].

Em suma, o problema fundamental com o marco newtoniano é seu método mecânico e não dialético, que envolve forças externas e leis eternas que existem fora do tempo e do espaço em um mundo ideal e absoluto. Mas esta visão idealista das “leis da física” se opõe à realidade dialética da natureza, como antes discutido: a de que as leis da física não são impostas à matéria, mas emergem de suas interações, como comenta o próprio Smolin:

“As leis, então, não são impostas ao Universo a partir de fora dele. Nenhuma entidade externa, seja divina ou matemática, especifica com antecedência o que devem ser as leis da natureza. Nem as leis da natureza esperam, em silêncio, fora do tempo para que o Universo comece. Pelo contrário, as leis da natureza surgem de dentro do Universo e evoluem no tempo com o Universo que elas descrevem” [7].

Aqui, então, sem se expressar nesses termos, temos uma visão mais dialética do Universo – embora não totalmente trabalhada – sendo apresentada por um acadêmico, cosmologista e físico teórico estabelecido e renomado, uma visão em contraste com o paradigma newtoniano atemporal e absoluto, uma visão que representa uma mudança fundamental de perspectiva e método.

Este ponto de vista, como observa Smolin, significa romper com as velhas ideias de espaço e tempo, de leis e propriedades e, em vez disso, ver as coisas de forma dialética, estudando as interconexões e interações da matéria em movimento com propriedades e leis que surgem como aproximações de seu processo infinitamente complexo e dinâmico.

“Em um mundo relacional (que é o como chamamos um mundo onde as relações precedem o espaço), não há nenhum espaço sem coisas. O conceito de Newton de espaço era o oposto, porque ele compreendia o espaço como absoluto…

… [Mas] não pode haver tempo absoluto que sinalize cegamente qualquer coisa que suceda no mundo. O tempo deve ser uma consequência da mudança; sem alteração no mundo, não pode haver tempo. Os filósofos dizem que o tempo é relacional – é um aspecto das relações, como a causalidade, que governam a mudança. Similarmente, o espaço deve ser relacional; de fato, toda propriedade de um objeto na natureza deve ser um reflexo de relações dinâmicas entre ele e outras coisas no mundo…

O problema da unificação da física e, em particular, que reúna a mecânica quântica com a relatividade geral em um só marco é em grande medida a tarefa de completar a revolução relacional na física. A principal mensagem deste livro é que isto requer abraçar as ideias de que o tempo é real…

A chave desses quebra-cabeças é que nem os indivíduos, sistemas, nem o Universo como um todo podem ser considerados como as coisas que simplesmente são. São todos compostos por processos que ocorrem no tempo. O elemento em falta, sem o qual não podemos responder a estas questões, é vê-los como processos em desenvolvimento no tempo…

Na medida em que a ciência avança, aspectos da natureza que uma vez foram considerados fundamentais se revelam como emergentes e aproximados… A maioria das leis da natureza, que uma vez foram pensadas como fundamentais agora são compreendidas como emergentes e aproximadas… Quase tudo o que agora pensamos ser fundamental eventualmente também será compreendido como aproximado e emergente: a gravidade e as leis de Newton e Einstein que a governam; as leis da mecânica quântica, até mesmo o próprio espaço” [8].

O que é chave na crítica de Smolin da moderna cosmologia e do paradigma newtoniano do qual ela em última instância deriva, é a forma como o uso idealista e mecânico de equações e modelos matemáticos conduziu à “expulsão do tempo” de nossa compreensão do Universo e seus infinitamente complexos e dinâmicos fenômenos (daí o título do livro de Smolin – “Time Reborn”). Em lugar de estudar os processos de interação, evolução e desenvolvimento do movimento, estamos congelando o movimento da matéria no tempo e o representando como equações atemporais.

“Desde Newton alguns físicos abraçaram a visão mística de que uma curva matemática é ‘mais real’ do que o próprio movimento. A grande atração exercida pelo conceito de uma realidade matemática mais profunda, é que ele é atemporal, em contraste com uma sucessão de experiências fugazes. Ao sucumbir à tentação de confundir a representação com a realidade e identificar o gráfico dos registros do movimento com o próprio movimento, estes cientistas deram um grande passo para expulsar o tempo de nossos conceitos da natureza” [9].

O que corresponde à matemática não são os verdadeiros processos físicos, mas apenas os registros deles, uma vez concluídos – que são também, por definição, atemporais. No entanto, o mundo continua a ser, sempre, um conjunto de processos de evolução no tempo, e somente pequenas partes dele são representáveis por objetos matemáticos atemporais” [10].

Mas o que Smolin está realmente insinuando quando fala da atemporalidade das equações e da necessidade de se ver (em vez da atemporalidade e do absoluto) as leis evoluindo na natureza não é tanto a “expulsão do tempo” da moderna cosmologia, mas a expulsão da mudança.

A este respeito, Smolin está inconscientemente destacando o mais importante aspecto da dialética: o conceito de mudança. A compreensão do fato de que as coisas mudam, de que o Universo consiste em última análise e fundamentalmente de matéria em movimento, é a chave filosófica e científica que abre os mistérios do Universo. É a chave para explicar a profusão de fenômenos que vemos em torno de nós e de se superar o paradigma mecanicista na física que está atualmente fazendo a cosmologia recuar.

A evolução das leis

Ao reintroduzir o conceito de tempo, isto é, de mudança, na cosmologia, Smolin chega a muitas das mesmas conclusões dos Marxistas. Por exemplo, Smolin corretamente acentua o absurdo da ideia de que o Big Bang representou um “começo do tempo”. Ele observa a contradição dentro do pensamento cosmológico dominante de uma crença, por um lado, em leis fundamentais, absolutas e atemporais, e, por outro lado, em uma teoria que tem um “começo do tempo”, antes do qual nenhuma lei (ou de fato qualquer coisa) poderia ter existido.

Enquanto Smolin destaca corretamente as limitações filosóficas dos atuais modelos cosmológicos, ao lutar contra o idealismo que impregna grande parte da moderna física teórica, e sem um método materialista dialético consistente a sua disposição, ele se inclina demasiado na direção oposta com sua própria hipótese para explicar o funcionamento do Universo.

Ao rejeitar a noção de um “começo do tempo” e das leis atemporais, Smolin corretamente conclui que o Universo deve ser infinito no tempo e que as leis da natureza não são impostas de fora, mas surgem de dentro. Smolin, além disso, evita os problemas do “mal infinito” discutidos anteriormente através da sugestão de que, “nosso Universo é… descendente de outro Universo, nascido de um de seus buracos negros, e [que] cada buraco negro de nosso Universo é a semente de um novo Universo” [11].

Esta teoria do buraco negro de “Universos dentro de Universos” evita as contradições do modelo similar de “inflação eterna” discutido anteriormente, na medida em que não recorre a flutuações quânticas ou à energia do vazio que permitem que algo possa ser criado a partir do nada. Em vez disso, temos um conceito mais dialético de um Universo infinito, uma regressão infinita, uma infinidade de coisas finitas.

Quanto à hipótese de Smolin de uma série infinita de Universos, no entanto, deve-se notar, como já discutido anteriormente, que não é necessário postular a existência de “Universos dentro de Universos” para se superar as contradições envolvidas com o conceito de um Universo que é finito no tempo ou espaço. Em vez de um “multiverso” ou de “Universos dentro de Universos”, podemos ter simplesmente o Universo, composto de uma infinita quantidade de matéria e energia, que sempre foi e sempre será.

No entanto, Smolin vai mais longe com sua teoria descendente do buraco negro, e propõe que este modelo de “Universos dentro de Universos” pode ser estendido à hipótese da existência de uma “seleção natural cosmológica”; um modelo, que, por sua vez, pode supostamente explicar como as leis da natureza não somente emergem, mas de fato evoluem. Esta teoria, reivindica Smolin, também pode explicar por que nosso Universo tem as propriedades finamente ajustadas que observamos.

Smolin estabelece uma analogia entre a “seleção natural cosmológica” e a evolução através da seleção natural biológica. Na biologia há mutações aleatórias e misturas de genes e as novas misturas de genes são transmitidas durante a reprodução. Combinado com certas condições ambientais, isto pode levar à evolução de espécies com novas características. No caso da física, de acordo com Smolin, “[os genes] são a constante do Modelo Padrão, incluindo as massas das várias partículas elementares e as intensidades das forças básicas… Analogamente, podemos levantar a hipótese de que, cada vez que um novo Universo é criado, há uma pequena mudança aleatória nos parâmetros das leis” [12].

Neste ponto, porém, Smolin desliza para o lado do idealismo. Em contradição com sua própria afirmação anterior de que as propriedades e leis são emergentes e que os modelos matemáticos são apenas uma abstração aproximada do Universo real, Smolin agora nos pede para considerarmos a hipótese de que os parâmetros de nossos modelos matemáticos do Universo são de fato análogos aos objetos materiais e tangíveis dos genes biológicos.

Esta analogia, à vista dos argumentos anteriores de Smolin, mais dialéticos, é falsa. A mutação aleatória e a variedade de genes na seleção natural biológica representam uma mudança de coisas físicas em uma realidade material. Os parâmetros e constantes que utilizamos para definir e descrever nossos modelos matemáticos do Universo, no entanto, não são coisas reais tangíveis – são apenas uma abstração da realidade material. São propriedades que emergem a partir da interação da matéria em movimento.

Embora registre corretamente as falhas e limitações das principais teorias dominantes e de todo o método newtoniano, ao levantar como hipótese seu próprio modelo de “seleção natural cosmológica” para explicar como as leis “evoluem”, Smolin virou sua própria análise mais materialista e dialética em sua cabeça e se aventurou no terreno do idealismo. As leis da natureza, como admitia Smolin anteriormente, não estão escritas no tecido do Universo, mas são generalizações aproximadas de processos dinâmicos, caóticos e complexos da matéria interagindo que observamos. No entanto, agora somos informados de que as leis da natureza não são meramente emergentes, mas que também “evoluem”, da mesma forma que as espécies evoluem no mundo biológico.

As leis da natureza, contudo, não são coisas materiais e não podem “evoluir”. Ao tentar superar a atemporalidade idealista e estática do paradigma newtoniano e reintroduzir o conceito de mudança na física teórica, Smolin puxou a corda muito longe na direção oposta e chegou a sua própria teoria idealista. Embora não haja uma repetição exata na natureza, apesar disto, condições semelhantes produzem resultados semelhantes. Embora condicionada por circunstâncias concretas, a dinâmica geral dos processos será a mesma por todo o Universo e por todo o tempo.

Nossa compreensão das leis da natureza naturalmente vai se desenvolver e evoluir dialeticamente na medida em que formos capazes de ampliar ainda mais a esfera do conhecimento social e descobrir e explicar fenômenos que emergem em diferentes escalas; mas a forma essencial e objetiva em que a matéria em movimento interage será sempre a mesma em todos os tempos e em todos os lugares. Esta “unicidade” fundamental para o Universo das mesmas leis físicas gerais através do tempo e do espaço é um pilar da visão filosófica materialista.

Encruzilhadas cosmológicas

Apesar das limitações das próprias teorias de Smolin, sua crítica da situação atual da cosmologia representa um importante passo à frente. Ao destacar os problemas filosóficos fundamentais associados aos métodos que estão sendo utilizados dentro do atual paradigma cosmológico, Smolin, e outros físicos similarmente críticos nesta área, estão pavimentando o caminho para um avanço qualitativo na ciência da cosmologia e em nossa compreensão do Universo.

Em Dialética da Natureza, Engels analisou algumas das questões mais prementes e sem repostas na ciência de seus dias. Apesar de seu limitado conhecimento científico acadêmico, Engels, ao empregar de forma consistente e completa o método Marxista do materialismo dialético, foi capaz de levantar hipóteses revolucionárias para toda uma série de importantes questões científicas.

Por exemplo, em seu extrato sobre O Papel Desempenhado pelo Trabalho na Transição do Macaco ao Homem, Engels sugeriu que, em vez de ser o crescimento anterior do cérebro que permitiu à humanidade desenvolver precocemente ferramentas, como pensavam predominantemente os biólogos e antropólogos evolucionistas naquele momento, de fato, o caso era o contrário: a passagem a uma postura erguida liberou as mãos e as deixou para o uso e desenvolvimento de ferramentas, o que, por sua vez, levou ao crescimento e desenvolvimento do cérebro.

Infelizmente, a hipótese de Engels nunca foi recolhida pela comunidade científica e durante anos os cientistas buscaram em vão restos de nossos antepassados que indicassem sinais de um cérebro maior, mas sem qualquer evidência de bipedalismo (caminhar sobre os dois pés, em vez de quatro pontos de apoio), de mãos desenvolvidas (isto é, polegares opositores), ou de ferramentas simples. As descobertas modernas, contudo, confirmaram inteiramente a Engels, com evidências que apoiam a ideia de que o bipedalismo, mãos desenvolvidas e ferramentas simples precederam o crescimento dos cérebros de nossos ancestrais.

Com relação à moderna cosmologia, o Marxismo se encontra na mesma posição de Engels no século XIX. Não reivindicamos ter as ferramentas matemáticas ou a grande riqueza de conhecimentos científicos e fatos que a comunidade acadêmica ou os físicos teóricos têm a sua disposição. Tampouco pretendemos ter todas as respostas ou até mesmo uma teoria plenamente elaborada, alternativa às teorias atuais.

Durante décadas, contudo, temos acompanhado cuidadosamente os desenvolvimentos científicos e temos feito importantes contribuições aos numerosos debates que emergiram. As críticas dos Marxistas levantadas com respeito às modernas teorias científicas – em incontáveis artigos em www.marxist.com, bem como em livros e folhetos – agora estão sendo levantadas através de cientistas e escritores como Lee Smolin e outros membros da comunidade acadêmica em geral.

O que é mais significativo, aproximadamente há 20 anos, publicamos Razão e Revolução: Filosofia Marxista e Ciência Moderna, de Ted Grant e Alan Woods, que chama a atenção por sua perspicácia e antecipação de muitas das questões que estão sendo muito debatidas hoje. Estas antecipações foram possíveis devido à consistente aplicação do materialismo dialético e à compreensão de que a filosofia não é secundária, mas que deve desempenhar um papel integral na orientação da investigação científica.

As limitações dos modelos cosmológicos existentes não são nenhum segredo. Os problemas que a física enfrenta são conhecidos por todos aqueles que são honestos com o seu trabalho e que querem sinceramente que a ciência progrida. O que podemos dizer com certeza, portanto, é que as teorias atuais não representam a palavra final na ciência, e que será necessária uma revolução no pensamento, na visão de mundo e no método, para nossa compreensão avançar.

“… é precisamente a dialética que constitui a forma mais importante de pensamento para a atual ciência natural, pois só ela oferece a analogia, e deste modo o método de explicação, para os processos evolucionários que ocorrem na natureza, as interconexões em geral e as transições de um campo de investigação a outro” [13] (Engels, Dialética da Natureza).

Notas:

[1] Farewell to Reality: How Fairytale Physics Betrays the Search for Scientific Truth, Jim Baggott, p.286-288, Constable 2013 paperback
[2] Ibid, p.291
[3] Time Reborn: From the Crisis of Physics to the Future of the Universe, Lee Smolin, p.xxiii, Allen Lane 2013 hardback
[4] Ibid
[5] Ibid, p.97
[6] Ibid, p.108-112
[7] Ibid, p.xxv-xxvi
[8] Ibid, p.xxviii-xxxi
[9] Ibid, p.34
[10] Ibid, p.245
[11] Ibid, p.124
[12] Ibid, p.124-125
[13] Dialectics of Nature, p.339