A atualidade da Internacional Comunista em seu centenário

Ela já não existe enquanto organismo político mundial para ajudar os trabalhadores a alcançar o socialismo. Ainda assim, trata-se de um farol cuja luz emana de seus debates, seus métodos, seus documentos e das lições que guarda. A Terceira Internacional, que também atende pelo nome de Internacional Comunista e Comintern, assim como sua atualidade nos dias de hoje, foram temas de discussão nesta última quinta-feira (25/7).

A Escola Mundial da Corrente Marxista Internacional (CMI), realizada na Itália, está pautando a Internacional Comunista como seu tema. Mais de 400 camaradas de seções de dezenas de países estão participando. Em 2019 celebramos os 100 anos de seu nascimento. As discussões foram iniciadas no dia anterior com uma análise da conjuntura e das perspectivas mundias da luta de classes.

Fomos introduzidos ao estudo da Comintern pelo camarada do Secretariado Internacional da CMI Fred Weston, que rastreou as origens dessa organização como resultado de grandes acontecimentos históricos e da luta de classes. A falência da 2ª Internacional foi um fator chave desse processo, quando em 1914 a maioria de suas seções posiciona-se a favor dos créditos de guerra propostos pela burguesia de diferentes países. Esse movimento as degenera enquanto instrumentos independentes dos trabalhadores, e permite às classes dominantes realizarem o banho de sangue imperialista da 1ª Guerra Mundial.

Porém, foram necessários cinco anos até que a nova internacional nascesse, em março de 1919, no seio do novo Estado operário soviético. Suas forças eram fracas nesse momento, porém, estavam confiantes da capacidade de conectar-se às amplas massas. Seu propósito era funcionar como um partido comunista dos trabalhadores do mundo, com a missão histórica de espalhar a revolução socialista para o globo. Se olhamos apenas esse aspecto, percebemos o total contraste com o que se tornou a Internacional Comunista sob o controle dos burocratas stalinistas, com sua teoria nacionalista e de revolução por etapas.

Para alcançar seu propósito original, a Comintern se colocou as tarefas de formar, educar e armar comunistas e partidos no mundo todo. Diferente do que pensavam muitos esquerdistas da época, os principais líderes mundiais do proletariado na época – a saber Vladimir Lenin e Leon Trotsky – explicavam que se tratava de um processo complexo, com muitos fatores e forças agindo. Apesar disso, após seu nascimento, seus partidos rapidamente adquiriram proporções de massas em diversos países. Isso se devia a uma combinação particular de circunstâncias, tanto econômicas, sociais e políticas.

Cabe destacar que a Revolução Russa de 1917 brilhava como uma estrela para os trabalhadores do mundo inteiro, muitos dos quais haviam entrado recentemente na luta política e que ainda precisavam ser educados no marxismo. Esse veloz e implacável processo fazia urgente a tarefa de preparar partidos capazes de, a partir de uma pequena organização de quadros bem educados e experimentados, tornar-se uma poderosa força ao agir corretamente, no momento certo e no lugar correto.

Esse rápido crescimento e ascendente apoio das massas em todo o mundo trazia também novos problemas a serem resolvidos. Por exemplo, os elementos oportunistas e reformistas que antes agiam nos partidos moribundos da socialdemocracia tentavam manter-se conectados com as massas que se moviam à esquerda. Por isso, muitos deles tentaram integrar a Comintern, ou compor suas seções. Assim foi necessário explicitar quais eram as condições para ser membro e seção da internacional que lutava pela revolução. Assim surgiu o documento de 21 condições aprovado no seu segundo congresso, em 1920.

Uma tarefa dessas proporções estava longe de ser fácil ou simples. Em muitos casos, Lenin e Trotsky enfrentavam oposições às suas posições, e começavam o debate em uma condição minoritária. Porém, aqui também podem ser extraídas valiosas lições sobre como agem os comunistas, e como se constrói uma internacional. Em todos os casos, eles lidavam o enfrentamento como debate entre revolucionários. Era no poder de suas ideias que estava a base de seus enfrentamentos, assim como na autoridade adquirida pelos acertos anteriores. Dessa forma, sem recorrer a métodos organizativos e burocráticos para vencer uma discussão, eles conduziram milhões de homens e de líderes a mudarem suas posições, compreenderem difíceis processos e adotarem táticas corretas em cada circunstância.

Muitas vezes uma posição anteriormente correta precisava ser corrigida diante da transformação das circunstâncias, e assim era feito. Por exemplo, o congresso de 1920 foi realizado em uma circunstância de ascensão do movimento de massas. Já os de 1921 e 1922 foram palco de discussões sobre como lidar com as derrotas sofridas por várias revoluções. Além disso, um crescimento econômico e uma política de contrarrevolução por parte da burguesia havia tanto estabelecido uma ofensiva sobre os trabalhadores, quanto os socialdemocratas haviam reconquistado as ilusões de uma parte do proletariado.

Novas táticas eram necessárias para trabalhar sobre um novo terreno. E isso foi tema de discussão intensa dos congressos da Comintern. Desse esforço, por exemplo, foi aprovado no congresso de 1921 a tática da frente única – que nada tem a ver com a frente dos revolucionários que mais tarde criaram os revisionistas do marxismo. Tratava-se de trabalhar para colocar o proletariado em movimento e em unidade por suas reivindicações, e nesse processo explicitar as vacilações e traições dos dirigentes que dizem defendê-los. Assim, pela experiência das massas, os comunistas pretendiam ao mesmo tempo fortalecê-las, e também ganhar influência sobre elas.

Essa tática vai ser aprofundada e desenvolvida ainda mais no quarto congresso, realizado em 1922. Observe-se o quão diferente era a tática apresentada em 1920 com a de 1922. Vemos assim como são falsas as afirmações de que o marxismo e o bolchevismo são formas rígidas e sem vida. Pelo contrário, o legítimo marxismo e bolchevismo são a expressão mais sublime da vida e de seu incessante movimento. Vemos isso claramente estudando a Terceira Internacional.

Esses foram os quatro congressos realizados antes da tomada do poder na União Soviética pela burocracia, tendo como líder Joseph Stalin. Os reflexos desse episódio foram sentidos não apenas na Comintern, mas também nos partidos comunistas de todo o mundo. Com a morte de Lenin em 1924, inicia-se um agudo enfrentamento entre os defensores do marxismo e do bolchevismo contra os apoiadores da burocracia. Essa apresentava  seus interesses pequeno-burgueses por trás da “teoria do socialismo num só país”. O 5º congresso, por exemplo, foi realizado sob esse slogan.

Na verdade, tratava-se de uma reação política diante do isolamento e do cansaço do heróico proletariado russo. Como parte dessa luta pelo poder contra a vanguarda do proletariado, a burocracia passou à luta contra os elementos revolucionários não apenas na URSS, mas também nas seções da Comintern. Seu fim enquanto instrumento político do proletariado ocorreu quando sua orientação sectária na Alemanha dividiu o proletariado alemão, e permitiu a vitória de Hitler. Para ser breve a respeito do papel da burocracia em relação à internacional, basta assinalar que foram pouquíssimos os que participaram dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista e que não foram assassinados nos Processos de Moscou.

Nascida do esforço heróico dos melhores elementos da humanidade, em meio à Guerra Civil que se seguiu a 1917, a Comintern foi dissolvida por meio de um telegrama de Stalin em 1943. Lembremos que era o meio da 2ª Guerra Mundial, e a URSS, já totalmente burocratizada, desejava fazer acordos com os Aliados. Um gesto adotado por Stalin foi mostrar que não havia a menor ameaça revolucionária a esses países. A contrarrevolução burocrática não precisava mais nem ao menos manter o esqueleto da Terceira Internacional.

Este breve relato busca demonstrar que a Terceira Internacional concentra não apenas um interesse histórico. Trata-se de um tesouro político capaz de orientar a atividade política dos revolucionários nos dias de hoje. São diversos e sobre variados assuntos os documentos e discussões que sintetizam suas experiências e lições. Temos por exemplo orientações que lançam luz sobre a luta dos revolucionários pela libertação das mulheres, sobre a questão negra, sobre a questão colonial, sobre a questão das nacionalidades, e muito mais.

Neste ano celebramos na Escola Mundial da CMI e em suas seções nacionais os 100 anos do nascimento desse quartel-general da revolução internacional. Nesse meio tempo vimos incontáveis organizações e militantes perderem o rumo, desviando-se para posições reformistas ou revisando o marxismo, negando ou ignorando o que foi praticado, discutido e aprovado pela Comintern. Nós, por outro lado, afirmamos sua atualidade e tomamos a Comintern e suas lições como nossa herança.