200 anos de Waterloo, a batalha que mudou a história do mundo

A batalha de Waterloo foi o último grande evento que marcou o fim de um processo histórico iniciado com a Grande Revolução Francesa de 1789. Com a derrota de Napoleão, apagavam-se as últimas chamas dos fogos inflamados pela França revolucionária. Um período longo e cinza se estabeleceu na Europa com uma grossa camada de poeira sufocante. As forças da reação triunfante pareciam firmes no controle.

Waterloo é um dos momentos decisivos da história europeia e mundial. Não há dúvida quanto a isso. O episódio pôs fim às sangrentas guerras napoleônicas que haviam levado 6 milhões de pessoas diretamente à morte. Bonaparte, com sua ambição desenfreada, queria ser amo de toda a Europa. Mas se chocou com uma sólida falange de monarcas feudais reacionários: o czar da Rússia, o rei da Prússia e o imperador da Áustria-Hungria, sempre apoiados pelas reservas financeiras e o poder naval da Grã-Bretanha.

A rivalidade entre Inglaterra e França não era nova. Durante quase um século, a rivalidade comercial e colonial amarga entre Grã-Bretanha e França havia levado a uma guerra atrás da outra. A França havia apoiado a rebelião das colônias norte-americanas com o objetivo de minar o poder do Império Britânico. Os estadunidenses haviam ganho a sua liberdade, mas a França estava quebrada financeiramente. Foi precisamente a luta sobre quem pagava essa dívida que acendeu o pavio que resultou na explosão de julho de 1789.

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi um dos maiores acontecimentos da história humana. Inclusive hoje em dia é uma fonte inesgotável de inspiração. Em cada etapa, a força motriz que impulsionou a revolução, varrendo todos os seus obstáculos, foi a participação ativa das massas. Quando esta participação ativa decaiu, a revolução chegou ao seu ponto final e virou no sentido contrário. Isso foi o que conduziu diretamente à reação, em primeiro lugar na sua forma termidoriana e mais tarde na bonapartista.

Os inimigos da Revolução Francesa sempre tratam de manchar sua imagem com a acusação da violência e derramamento de sangue. O fato é que a violência das massas é, inevitavelmente, uma reação contra a violência da velha classe dominante. As origens do Terror encontram-se na reação da revolução à ameaça tanto interna quanto externa. A ditadura revolucionária foi resultado da guerra revolucionária e só foi uma expressão desta última.

Sob o governo de Robespierre e os jacobinos, os sans-cullotes semiproletários levaram a revolução a uma conclusão vitoriosa. De fato, as massas empurraram os dirigentes para muito mais longe do que haviam previsto. Objetivamente, a revolução era de caráter democrático-burguês, já que o desenvolvimento das forças produtivas e do proletariado ainda não havia chegado num ponto em que a questão do socialismo pudesse ser levantada.

Em um momento determinado, o processo, depois de ter alcançado seus limites, se reverteu. Robespierre e sua facção golpearam a ala esquerda e logo depois eles mesmos foram liquidados. Os reacionários termidorianos da França caçaram e esmagaram os jacobinos, enquanto que as massas, esgotadas por anos de esforço e sacrifício, caíram na passividade e na indiferença. O pêndulo então virou bruscamente à direita. Mas não restaurou o antigo regime. As conquistas socioeconômicas fundamentais da revolução se mantiveram. O poder da aristocracia proprietária de terras já não mais existia.

O Diretório podre e corrupto foi seguido pela ditadura pessoal igualmente podre e corrupta de Bonaparte. A burguesia francesa tinha terror dos jacobinos e dos sans-cullotes, com suas tendências igualitárias. Mas estava ainda mais aterrorizada pela ameaça da contrarrevolução monárquica, que a tiraria do poder e faria retroceder o tempo às vésperas de 1789. As guerras continuavam e ainda haviam revoltas internas realizadas pelos reacionários. A única saída era reintroduzir a ditadura, mas na forma de um governo militar. A burguesia estava buscando um salvador e o encontrou na figura de Napoleão Bonaparte.

No 18 de Brumário (9 de novembro) de 1799, Napoleão tomou o poder na França por meio de um golpe de Estado. Bonaparte restabeleceu todos os adornos exteriores da velha ordem aristocrática, preservando ao mesmo tempo a principal conquista sócio-econômica da revolução: a entrega das terras aos camponeses. Aqui encontramos o segredo da lealdade fanática do campesinato francês a Bonaparte e seus sucessores. Stalin, enquanto destruía o regime da democracia operária de Lenin e exterminava os velhos bolcheviques, defendeu as novas relações de propriedades nacionalizadas estabelecidas pela Revolução de Outubro. Da mesma maneira, Napoleão, enquanto esmagava os revolucionários com uma bota militar, defendia as novas relações de propriedade estabelecidas entre 1789 e 1793.

O Bonapartismo é, em essência, o governo da espada – a ditadura pessoal de um homem forte militar. Porém há também outra particularidade. O ditador bonapartista tende a se equilibrar entre as classes, acima do bem e do mal. No entanto, o prestígio e a autoridade de Napoleão dependiam de sua habilidade para derrotar os inimigos da França e trazer a vitória – o saque. Ele dizia: “Há que ter bons soldados, uma nação deve estar sempre em guerra”. E assegurou que a França estivesse sempre em guerra.

As guerras napoleônicas

A derrubada da monarquia na França deu uma nova e terrível virulência ao velho conflito com a Grã- Bretanha. A partir de então, o ódio da aristocracia inglesa governante não conheceu limites. A mão da Inglaterra estava por trás de cada coalizão contrarrevolucionária. Ela pagou a fatura dos exércitos mercenários estrangeiros enviados contra a França. Mas cada vez que a invadiam, deparavam-se com a feroz resistência do povo revolucionário e de seu exército. Um atrás do outro, os exércitos contrarrevolucionários foram rechaçados e os exércitos revolucionários avançaram.

Grã-Bretanha e França assinaram o Tratado de Amiens em março de 1802. Esse breve interlúdio foi o único período de paz geral na Europa entre 1792 e 1814. Entretanto, a Paz de Amiens foi só uma preparação para uma nova guerra. A frágil trégua foi levada ao seu fim quando a Grã-Bretanha declarou guerra à França em maio de 1803. Essa é a data mais comumente aceita como o verdadeiro início das guerras napoleônicas. A partir de então, a história da Europa foi de uma guerra atrás da outra.

As guerras de Napoleão são muitas vezes vistas como continuação das guerras revolucionárias, mas na realidade seu conteúdo foi outro. A guerra, como explicou Clauzewitz, é a continuação da política por outros meios. Um regime revolucionário realiza guerras por meios revolucionários. Mas o regime termidoriano contrarrevolucionário que surgiu com a derrota dos jacobinos era de um caráter completamente diferente. Em sua fase inicial, progressista, a Revolução Francesa representava a liberdade universal. A bandeira da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade incendiou a Europa e inspirou homens e mulheres de todas as partes. O governo revolucionário ofereceu “a fraternidade e a assistência” a todos os povos que estivessem dispostos a seguir o exemplo francês e a lutar por sua liberdade.

Porém, sob o Diretório, e ainda mais nos tempos de Napoleão, esta mensagem revolucionário foi distorcida. Se para muitos o domínio francês era muito mais preferível ao domínio de “seus próprios” aristocratas, sacerdotes e reis, a realidade do bonapartismo com demasiada freqüência se revelava cínica, opressora e corrupta. Na figura de Napoleão, a revolução aparecia cada vez mais como uma caricatura grotesca. Quando o compositor Ludwig van Beethoven, que foi um entusiasta e um partidário da Revolução Francesa, soube que Napoleão fora coroado imperador, exclamou: “Assim ele é apenas um homem!” e arrancou sua dedicatória a Napoleão da partitura de sua Sinfonia Heróica com tanta violência que rasgou o manuscrito.

Em última instância, essas guerras foram um conflito titânico entre França e Grã-Bretanha pela dominação da Europa e do mundo. Os britânicos tinham uma política de manter um equilíbrio entre as potências europeias e garantir seu domínio sobre todas elas. Isto se viu ameaçado pelas vitórias de Napoleão na Suíça, Alemanha, Itália e os Países Baixos. Temendo perder o controle, assim como os mercados, viram em Napoleão uma possibilidade de ameaça às colônias britânicas. Sobre tudo, temiam que Napoleão tomasse o controle completo da Europa, deixando a Grã-Bretanha isolada.

Com uma população de 16 milhões, a Grã-Bretanha tinha a metade do tamanho da França, com 30 milhões de pessoas. Mas a Grã-Bretanha havia entrado no caminho do desenvolvimento capitalista muito antes que a França fosse capaz de mobilizar seus enormes recursos industriais e financeiros para derrotar seu inimigo. Deixou que os outros lutassem por ela e se limitou a pagar as contas. Os subsídios britânicos pagaram os serviços de soldados austríacos e russos. Segundo o acordo anglo-russo de 1803, a Grã-Bretanha pagou um subsídio de 1,5 milhão de libras esterlinas por cada 100 mil soldados russos no campo de batalha.

Como potência numa ilha, a Grã-Bretanha dependia completamente de sua marinha. Desde o princípio a Grã-Bretanha manteve o controle sobre os mares. Não é casualidade que o célebre hino Rule Britannia contenha as palavras:

Rule, Britannia! rule the waves:
Britons never will be slaves.

Governe, Brintannia! Governe os mares:
Os britânicos jamais serão escravos

Na batalha de Trafalgar, em 21 de outubro de 1805, a Armada Britânica sob o comando do almirante Lord Nelson conseguiu a vitória naval mais decisiva da guerra. Os 27 navios de guerra britânicos derrotaram os 33 franceses e espanhóis no Atlântico, na costa sudoeste da Espanha à oeste do Cabo de Trafalgar. A frota franco-espanhola perdeu 22 navios, sem a perda de um só navio britânico. Mas, no mesmo continente europeu, as coisas eram completamente diferentes. Em terra a França tinha o domínio supremo. Em 1807 seus exércitos haviam eliminado sucessivamente a Áustria, a Prússia e a Rússia como adversários militares. Só a Grã-Bretanha continuou resistindo ao poder da França, conseguindo uma segurança contra a invasão graças à vitória de Nelson.

Em reposta ao bloqueio naval da costa francesa promulgada pelo governo britânico em 16 de maio de 1806, Napoleão introduziu o Bloqueio Continental, uma política para isolar a Grã-Bretanha fechando o território controlado pelos franceses (ou seja, a maior parte da Europa) ao seu comércio. Essa política só foi parcialmente bem sucedida, mas incômoda para países europeus cujo comércio foi dessa maneira interrompido.

Espanha, Rússia, Elba

Não há dúvida de que Napoleão era um grande general. No curso de sua carreira militar, combateu em cerca de 60 batalhas e perdeu sete, a maioria dessas em sua fase final. Marengo, Austerlitz, Jena, Friedland e Wagram são lembradas como parte da marcha triunfal de um exército invencível. Porém, ao final, Napoleão conheceu sua Waterloo. Rachaduras começaram a aparecer, mesmo diante dessa fachada triunfal. A mais grave foi na Espanha.

Pode-se argumentar que as sementes da derrota e a abdicação de Napoleão em 1814 foram semeadas pelo mesmo imperador seis anos antes, quando usurpou o trono espanhol a favor de seu irmão José. Ao fazer isso, incitou o povo espanhol à revolta. A Guerra Peninsular, conhecida na Espanha como Guerra da Independência Espanhola, começou com o levantamento heróico do povo de Madri contra as tropas de ocupação francesas em 2 de maio de 1808 e terminou em 17 de abril de 1814.

A guerra da Espanha representou uma drenagem colossal de sangue e dinheiro para os franceses  e terminou em derrota. A guerra espanhola se caracterizou pelas táticas de guerrilha – a primeira vez que se utilizou essa palavra. As táticas de ataques e fugas repentinas das forças irregulares espanholas minaram gradualmente as forças dos exércitos franceses. As forças guerrilheiras espanholas foram apoiadas por tropas inglesas dirigidas pelo Duque de Wellington, Arthur Wellesley, que foi o nêmesis de Napoleão. Entre 1810 e 1811, haviam 300 mil soldados franceses na Península Ibérica. No entanto, apenas 70 mil podiam lutar contra Wellington, o restante estava imobilizado por ameaças de insurreições locais e ações de guerrilha.

O ponto de inflexão mais decisivo, entretanto, foi a desastrosa invasão da Rússia por Napoleão em 1812. Seus exércitos chegaram a apoderar-se de Moscou, mas foram obrigados a se retirar por causa das geladas tempestades do inverno russo que os dizimaram. Os soldados franceses esgotados lutavam com neve na altura dos joelhos. Só na noite de 8 e 9 de novembro, cerca de 10 mil homens e cavalos morreram congelados. Essa foi uma derrota da qual Napoleão jamais se recuperou.

Animada pelo desastre russo de Napoleão, a Prússia se uniu a Áustria, Suécia, Rússia, Grã-Bretanha, Espanha e Portugal em uma nova coalizão (a sexta). Wellington havia derrotado o exército francês em 21 de junho de 1813 na batalha de Vitoria. A notícia da vitória de Wellington fortaleceu a aliança russo-prussiana e contribuiu com a consolidação da Coalizão. Mas apesar desses contratempos, Napoleão foi capaz de reunir uma tropa de 350 mil soldados. Ele infligiu uma série de derrotas à Coalizão que culminou na batalha de Dresden, em agosto de 1813. No entanto as cifras seguiram aumentando contra Napoleão, e o exército francês foi derrotado por uma força que tinha o dobro do seu tamanho, perdendo assim a batalha de Leipzig, que custou mais de 90 mil vítimas.

Quando tratou de reabrir as negociações de paz sobre as bases da aceitação das propostas anteriores, Napoleão se deparou com novas exigências, mais duras. Permaneceria imperador, mas a França deveria regressar às suas fronteiras de 1791, o que significava perder a Bélgica. Na verdade, os britânicos não queriam que ele aceitasse. Queriam afastá-lo de uma vez por todas. E conseguiram o que queriam. Napoleão se negou e se retirou da França. Seu exército foi reduzido a 70 mil soldados e alguns da cavalaria. Era superado, em números, em três vezes pelas forças aliadas.

A França estava rodeada de inimigos. Os exércitos britânicos avançaram do sul e outras forças da coalizão estavam dispostas a atacar da Alemanha. Napoleão conseguiu uma série de vitórias na Campanha dos Seis Dias, mas a situação era desesperadora. Paris se rendeu à Coalizão em março de 1814. Os vencedores exilaram Napoleão em Elba, uma ilha de 12 mil habitantes no Mediterrâneo, em frente à costa toscana. Ao homem que havia sido o amo da Europa deram gentilmente a soberania de uma pequena ilha. Com um delicioso senso de humor, o permitiram manter o título de imperador.

Napoleão claramente não gostou da piada. Rompeu seu exílio de nove meses na ilha de Elba e regressou rapidamente para a França para mobilizar seu exército. Era um plano audaz. O exército enviado para interceptá-lo fez contato próximo de Grenoble em 7 de março de 1815. Napoleão se aproximou do regimento sem companhia, desceu de seu cavalo e, ao ser baleado, gritou: “Aqui estou. Mata vosso imperador, se assim desejais”. Os soldados responderam com “viva o imperador!” e se uniram a Napoleão em sua marcha a Paris.

O rei Bourbon Luís XVIII, que havia sido colocado em seu lugar, fugiu para salvar sua vida. Em 13 de março, as potências se reuniram no Congresso de Viena e declararam Napoleão fora da lei. Quatro dias depois, Grã-Bretanha, Rússia, Áustria e Prússia se comprometeram, cada um, a por 150 mil homens no campo de batalha para derrotá-lo de uma vez por todas. Napoleão havia conseguido montar um exército de cerca de 200 mil homens para enfrentar as forças da coalizão.

A concepção de sua campanha final foi brilhante. Ele planejou dividir as forças comandadas por Wellington e as do exército prussiano sob o comando de Gebhard von Blücher, derrotando um por vez. No entanto, sua execução dependia da velocidade e capacidade de decisão, e parece que os subordinados imediatos de Napoleão, os marechais Ney e Grouchy, não estavam à altura.

A batalha de Waterloo

Wellington comentou alguns anos depois: “A história de uma batalha não é diferente da história de um baile. Algumas pessoas podem recordar todos os pequenos acontecimentos dos quais o grande o resultado é uma batalha ganha ou perdida; mas nenhum indivíduo pode recordar a ordem, o momento exato em que ocorreram, o que faz toda a diferença em termos de valor e importância”.

Uma comparação muito estranha. Nada menos do que um baile, difícil de imaginar. A magnitude do massacre e do sofrimento foi imensa, especialmente se considerarmos que a coisa toda aconteceu em um campo de batalha de 16 km ao sul de Bruxelas. Durante um longo dia de junho, cerca de 200 mil homens lutaram entre si, comprimidos em uma área de 13 km². O massacre foi terrível e está além de qualquer descrição. Ao cair da noite, cerca de 50 mil homens estavam mortos ou feridos e 10 mil cavalos estabam mortos ou moribundos.

Na noite antes da batalha, Wellington ficou numa pousada em Waterloo enquanto Napoleão estava a quilômetros  ao sul. Seus homens dormiam ao ar livre sob a chuva que caiu a noite inteira. Wellington sabia que as possibilidades de vitória dependiam da chegada do general Blücher e do exército prussiano que se recuperava em Wavre, cerca de 29 quilômetros a leste de Waterloo. O plano de Napoleão se baseava em manter os prussianos e os exércitos britânicos separados, de modo que pudesse derrotar Wellington e tomar Bruxelas. Mas Wellington, que tinha subordinados e pessoal experimentados e competentes, não tinha rivais na arte da defesa.

Wellington estabeleceu uma forte posição defensiva, bloqueando o caminho a Bruxelas com o fim de impedir o avanço de Napoleão até a capital. Sabia que estava em inferioridade numérica – aproximadamente 68 mil tropas aliadas contra 72 mil de Napoleão. Por isso, colocou seus homens atrás de uma colina e em três fazendas: Papellote, Le Haye Sainte e Hougoumont. A partir dessa posição ele pôde manter o terreno até que chegassem os prussianos.

O próprio Engels afirmou que a infantaria britânica era excepcional em sua capacidade de manter-se firme, resistindo impassivelmente a qualquer ataque. Os soldados de Wellington eram veteranos endurecidos na Guerra de Independência Espanhola, soldados da mais alta qualidade. Esse exército altamente disciplinado resistiu aos ataques repetidos dos franceses, que foram expulsos do campo de batalha. Sua resistência obstinada deu margem aos prussianos para chegarem a tempo e romper o flanco direito de Napoleão, o que decidiu o resultado da batalha.

Napoleão podia ver que o solo estava enlameado pela chuva que caíra durante a noite, o que dificultava o movimento de seus homens e armas de fogo de suas posições. Por isso, decidiu  adiar seu primeiro grande ataque até que o solo estivesse seco. Essa era uma estratégia perigosa,  já que poderia dar tempo ao exército de Blücher para chegar e unir-se a Wellington em um momento preciso. Mas ante a perspectiva da infantaria e cavalaria francesas ficarem atoladas em meio a um mar de barro, corria-se o risco de ficarem esgotados nas primeiras horas de batalha.

Num momento, Napoleão decidiu retirar os britânicos de suas posições e atacar suas linhas defensivas. Começou a batalha com um ataque de canhões em grande escala e logo lançou um ataque contra a guarnição melhor defendida de Wellington na fazenda de Hougoumont. Os 5 mil soldados franceses eram muito mais numerosos que os mil e quinhentos britânicos mantidos dentro da fazenda. Mas seus muros se convertiam numa fortaleza sólida. Os britânicos podiam disparar contra os franceses através dos buracos das paredes. Durante todo o dia os franceses se lançaram uma vez após a outra contra Hougoumont. Ao meio dia e meio  romperam as portas de entrada, mas os britânicos rapidamente se fecharam de novo, trancando 40 soldados franceses no interior. Massacraram a todos menos um baterista de 11 anos.

Na realidade, essa foi uma distração para cumprir o objetivo real de Napoleão, que era danificar o centro das linhas britânicas. Enviou 18 mil soldados de infantaria a caminho de Bruxelas para dar um golpe decisivo. Capturaram a fazenda de Papellote e a área que rodeava La Haye Sainte. Parecia que a vitória estava agora ao alcance de Napoleão. De repente, informaram que os prussianos avançavam. Para piorar as coisas, a cavalaria de Wellington atacava a infantaria francesa, cortando suas filas como foices em um campo de milho. As linhas de Napoleão haviam sido seriamente debilitadas.

Embora Blücher não tenha alcançado Wellington na batalha principal, seus esforços sim colocaram os franceses sob pressão fazendo-os dividirem seus recursos. Os prussianos  atacaram os franceses energicamente: Napoleão se viu obrigado a comprometer mais tropas ao longo da tarde conforme o território trocava de mãos várias vezes. Wellington pôde ouvir os tiros dos canhões à distância – o que anunciava que Blücher havia formado uma linha própria formidável, como havia prometido.

Os franceses estavam lutando agora em duas frentes. Isso era o que Napoleão queria evitar a qualquer custo. Em uma desesperada tentativa de liquidar a força britânica, ordenou o marechal Ney capturar La Haye Sainte, bastião central de Wellington. Durante duas horas, ondas de soldados franceses fortemente blindados a cavalo avançaram sobre as linhas dos Aliados. As tropas aliadas formaram quadrados. Embora tenham dividido a poderosa cavalaria francesa de 4 mil soldados, agora eram um alvo fácil para a artilharia pesada de Napoleão, dos 747 homens do 27º regimento britânico, pereceram cerca de 500.

Depois de horas sob ataque, La Haye Sainte finalmente caiu. Wellington havia perdido sua preciosa guarnição. Este foi um golpe demolidor. Napoleão estava agora em condições de levar a artilharia francesa para frente e atacar o centro aliado com resultados devastadores. Tudo o que Wellington podia fazer era se defender atrás das colinas e esperar uma rápida chegada dos reforços prussianos.

Napoleão sabia que o tempo estava acabando. Portanto, jogou o ás de seu baralh, e ordenou suas tropas de elite, a Guarda Imperial, a atacarem. Esses homens valentes avançaram, com espadas desembainhadas, de maneira magnífica. Os homens de Wellington esperaram fora de vista, agachados na erva atrás da lama. Quando os franceses alcançaram a colina, Wellington ordenou a seus homens que se levantassem e abrissem fogo. Disparam quase à queima roupa. Uma chuva mortal de balas de mosquete atravessou os soldados franceses fazendo-os retroceder, e seu potencial de combate se rompeu completamente.

O resultado final da batalha esteve incerto quase até o último momento. Mas a derrota da Guarda Imperial deve ter dado um golpe demolidor na moral de Napoleão e foi um ponto de inflexão na batalha. Por fim, as forças de Blücher estavam chegando. O exército aliado avançou, perseguindo a Guarda Imperial. O imperador era protegido por seus homens enquanto fugiam do campo de batalha. Wellington teve a oportunidade de matar Napoleão, mas parece que ordenou a seus homens para mantê-lo coberto por seu fogo.

Depois da sua derrota, Napoleão ficou a mercê dos britânicos, esperando genuinamente que poderia viver seus dias como cavalheiro rural na Inglaterra. Mas dessa vez não estavam dispostos a correr nenhum risco. Foi levado educadamente, mas com firmeza por oficiais da Marinha Real a um barco com destino ao seu segundo e último exílio. Tinham ordens de transportá-lo a Santa Helena, uma ilha remota onde seria impossível causar mais problemas.

O imperador e o que restava de sua comitiva estavam profundamente ofendidos por essa traição. Porém, teve a sorte de não cair nas mãos dos prussianos, que se o tivessem pego teriam menos considerações. Ele teria sido pendurado na árvore mais próxima. Na costa de uma ilha deserta, o homem que queria ser o Amo do Mundo poderia ao menos passar o resto de seus dias contemplando um belo pôr-do-sol e ser o amo de tudo o que tinha à sua vista. Isso era muito mais do que o destino dos pobres diabos cujos corpos cobriam os campos de Waterloo.

Ninguém sabe quantos morreram exatamente, porque as perdas francesas eram só estimativas. Johnny Kincaid, um oficial do 95º batalhão de Rifles que sobreviveu ao ataque dos franceses no corpo central de Wellington, perto da fazenda de La Haye Sainte, declarou friamente: “Nunca tinha ouvido falar de uma batalha em que todos haviam morrido; mas isso parecia provavelmente uma exceção, já que todos caiam um após o outro”.

Diz-se que o duque de Wellington exclamou ao inspecionar a cena da matança depois da batalha: “Ao lado de uma batalha perdida, a maior miséria é uma batalha ganha”. O que em realidade disse, foi: “Graças a Deus eu não sei o que se sente ao perder uma batalha; mas sem dúvida nada pode ser mais doloroso que ganhar uma com a perda de tantos amigos”.

Certamente o século XX viu um grande avanço da civilização, particularmente na capacidade das pessoas de matarem umas às outras. Em comparação com a batalha do Somme, Waterloo foi só uma escaramuça. Como avançou a humanidade!

Consequências 

Era inevitável a derrota de Napoleão em Waterloo?  Certamente Wellington não acreditava. Disse mais tarde que foi “a batalha mais igual que já viu na vida”. Cometeram-se erros. Napoleão foi privado de seus dois generais mais eficazes: o marechal Davout, que ficou atrás para proteger Paris, e o marechal Suchet, que ficou a cargo da defesa da fronteira oriental contra um possível ataque dos austríacos. O segundo erro foi a vacilação de Ney em tomar a encruzilhada estratégica de Quatre Bras, a chave para dividir os exércitos da coalizão.

O Conde de Erlon e seus 20 mil soldados vagavam sem rumo sob a chuva entre a batalha de Quatre Bras contra os anglo-holandeses e a batalha de Lingny, que os prussianos estavam perdendo. Se ele tivesse intervido em alguma delas, o impacto poderia ter sido decisivo. A falta de iniciativa de Grouchy permitiu o reagrupamento dos prussianos e sua chegada em um momento crítico para salvar Wellington em Waterloo.

Porém, mesmo se Napoleão tivesse ganho em Waterloo, não poderia ganhar a guerra. O tamanho e a determinação das forças às quais enfrentava em toda a Europa haviam tornado a vitória impossível. As consequências da batalha de Waterloo foram profundas e se prolongaram durante décadas, enquanto redesenharam o mapa da Europa. A Grã-Bretanha e seus aliados criaram um sistema reacionário conhecido como o Concerto da Europa, que reforçou todos os regimes monárquicos reacionários do continente.

Na França, a monarquia Bourboun foi restaurada. Como um enxame de gafanhotos famintos, um exército de parasitas aristocráticas desceram à França ansiosos para sugar o sangue do seu povo. A Igreja Católica Romana recuperou o seu poder e, contra a tenaz resistência da maioria que havia aprendido a respirar o ar da liberdade, começou a árdua tarefa de voltar a impor sua velha ditadura espiritual. Na França se assentaram anos de asfixiante repressão.

Em toda a Europa houve um carnaval da contrarrevolução. De São Petersburgo a Nápoles, a sociedade foi esmagada pelo chumbo da reação. Entretanto, as guerras de Napoleão tiveram consequências revolucionárias. Elas resultaram na dissolução do Sacro Império Romano e lançaram as sementes do nacionalismo que mais tarde levaria à consolidação da Alemanha e da Itália.

Inclusive, as distorções bonapartistas disfarçadas de ideais democráticos da Revolução Francesa haviam acendido uma chama nos corações e mentes que não poderia ser apagada facilmente. Isso foi demonstrado inclusive na Rússia czarista com a rebelião dos “dezembristas”. Essa primeira manifestação da revolução russa foi encabeçada por jovens oficiais do exército que haviam lutado nas guerras e que haviam sido afetados pelas ideias democráticas e revolucionárias. Foi brutalmente esmagada e seus líderes executados. Mas o exemplo dos dezembristas inspiraria uma nova geração de jovens revolucionários e, em última instância, lançou as bases da revolução bolchevique.

Os anos posteriores a Waterloo foram um período de tensão e de imensos protestos políticos de massas na Grã-Bretanha. Menos de 2% da população tinha direito ao voto e a fome era generalizada. As desastrosas Leis do Milho converteram o pão em um objeto inacessível para muitos. Na Grã-Bretanha do pós-guerra, o mal-estar entre os trabalhadores começou a se expressar na formação de grupos políticos que pediam por democracia. Em 1819, a Sociedade da Reforma Feminina de Manchester denunciou a “guerra injusta, desnecessária e destrutiva contra as liberdades da França”, afirmando que “tendia a triplicar o valor da propriedade da terra e a por em nosso amado país uma carga intransponível de tributação”.

Em 16 de agosto de 1819, na enorme zona aberta onde hoje é a Praça de São Pedro, em Manchester, um protesto de massas de mais de 60 mil manifestantes pacíficos a favor da democracia e da luta contra a pobreza foi esmagada brutalmente no que ficou conhecido como o Massacre de Paterloo. Estima-se que 18 pessoas, entre elas uma mulher e uma criança, morreram por sabre ou pelas pisadas dos cavalos, enquanto mais de 700 homens, mulheres e crianças foram gravemente feridos. Embora não tenha participado pessoalmente nesse massacre, o duque de Wellington ganhou o ódio dos radicais por sua hostilidade à reforma. O nome do Massacre de Paterloo era uma referência irônica à batalha de Waterloo.

Na Alemanha, a reação contra Napoleão conduziu a um aumento dos sentimentos nacionalistas, sobretudo entre os intelectuais e estudantes que estabeleceram clubes chamados Burschenschaft (corporações de estudantes). Descontentes com o regime estabelecido pelo Congresso de Viena, os nacionalistas alemães começaram a assassinar os líderes reacionários. O príncipe Metternich reagiu impulsionando os Decretos de Karlsbad, que proibiram os Burschenschaft e os colocaram na clandestinidade. Os decretos aumentaram a regulamentação governamental das universidades, limitando o que se ensinava, e abriu o caminho para a censura de jornais alemães pelo governo.

Essa efervescência entre os intelectuais alemães finalmente produziu os autores do Manifesto Comunista, que inicia  com as célebres palavras:

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa uniram-se numa santa aliança para conjurá-lo: o Papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os policiais alemães”.

Estas palavras descrevem o sistema reacionário que foi estabelecido pelo Congresso de Viena depois da derrota de Napoleão em 1815. Foi pensado para eliminar o risco da revolução e exorcizar o fantasma da Revolução Francesa para sempre. A ditadura brutal das “potências da velha Europa” parecia que iria durar para sempre. Mas cedo ou tarde as coisas se convertem em seu contrário. Debaixo da superfície da reação, novas forças estava amadurecendo pouco a pouco e uma nova classe revolucionária – o proletariado – estava esticando seus membros.

A contrarrevolução foi derrotada por uma nova onda revolucionária que tomou a Europa em 1848.  Essas revoluções combateram sob a bandeira da democracia – a mesma bandeira que foi levantada sobre as barricadas de Paris em 1789. Mas em todas as partes a força principal da revolução não era a burguesia reacionária covarde, mas os descendentes diretos dos sans-cullotes franceses – a classe operária, que inscreveu em sua bandeira um novo ideal revolucionário, o ideal do comunismo.

Londres, 18 de junho de 2015.

Publicado em 18 de junho de 2015, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “200 years since the Battle of Waterloo: A Battle that changed world history“.

Tradução de Evandro Colzani.