Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Congresso usa saneamento para pressionar por verbas do Orçamento Secreto e Lula cede

Na última semana, em 3 de maio, a Câmara dos Deputados derrubou dois importantes trechos dos decretos feitos por Lula sobre o Marco Legal do Saneamento Básico.

O Marco do Saneamento foi sancionado por Bolsonaro em 2020 e escancarava a entrega do setor ao mercado privado. Ele estabelecia 2033 como prazo para que 99% da população tenha acesso à água tratada e 90% dos brasileiros tenham acesso a esgoto tratado. No entanto, também definiu 2022 como limite para que as empresas do ramo demonstrassem capacidade financeira de cumprir essas metas e determinou que novas contratações para a prestação do serviço só poderiam ser feitas por meio de licitações em que empresas estatais competissem “em pé de igualdade” com empresas privadas. 

Tudo isso, aliado à falta de verbas públicas para o cumprimento dessas metas, já se reverteu em 21 leilões de concessões desde 2022 e, este ano, já impedia 1.113 municípios de acessar recursos federais. 

Os decretos de Lula, publicados no início de abril, trouxeram algumas mudanças no Marco, como: permitir que as estatais prestem serviços de saneamento sem licitação com os municípios em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião; prorrogar o prazo para comprovação da capacidade financeira até 2025; prorrogar o prazo para a obrigatoriedade de regionalização dos serviços para 2025.

Dinheiro que é bom, nada

Essas medidas, no entanto, não resolvem o problema da entrega do setor ao mercado privado, apenas adiam o problema. Isso porque Lula não tocou no ponto fundamental: a ausência de verbas para a execução destas metas. 

Para se ter uma ideia, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), revisado em 25/07/2019, apontava que os investimentos necessários para a universalização dos serviços de água e esgoto no período entre 2019 e 2033 seria de R$ 357,15 bilhões. Trazidos a preços de final de junho de 2021, o custo da universalização do saneamento seria de aproximadamente R$ 579,25 bilhões. 

Já os investimentos (públicos e privados) em 2019, 2020 e 2021, foram: R$ 15,6 bilhões, R$ 13,6 bilhões e R$ 17,3 bilhões a valores nominais, ou R$ 22,7 bilhões, R$ 18,4 bilhões e R$ 17,3 bilhões a preços de 2021, respectivamente.

Assim, subtraindo-se esses valores já investidos do montante total, chega-se à conclusão de que ainda restava investir cerca de R$ 520,94 bilhões ao longo de 12 anos, ou R$ 43,31 bilhões por ano, em média.

No entanto, ao invés de discutir verbas públicas para o setor, Lula tornou ilimitada a possibilidade de estabelecer Parcerias Público Privadas (PPPs), empurrando o setor ainda mais para a iniciativa privada, sendo que com o Marco de Bolsonaro havia o limite de 25%. 

Leia nosso artigo publicado em 2 de maio para compreender os decretos de Lula e para saber quanto custa universalizar o saneamento no Brasil. 

O capital quer mais

A burguesia, no entanto, imediatamente se manifestou contrária, alegando “insegurança jurídica”, o que pode ser traduzido com atrasos nos planos de privatização do setor. Já a Câmara dos Deputados de Lira (PP-AL), aproveitou a oportunidade para evidenciar que o Palácio do Planalto não tem uma base sólida no Congresso – sobretudo com o super blocão formado semana passada – e pressionar o governo a liberar recursos do Orçamento Secreto de Bolsonaro. 

Em linhas gerais, os deputados decidiram que dois pontos dos decretos devem ser derrubados:

  1. O que permite que empresas estatais prestem serviços de saneamento sem licitação em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião. 
  2. A permissão para que as empresas comprovem até o fim de 2025 a capacidade financeira. 

A votação ocorreu minutos depois da aprovação da urgência e o governo foi derrotado por 295 votos a favor e 136 contra, sendo que parlamentares da base governista, do PSD e do MDB, votaram contra o Executivo.

A matéria ainda deve passar pelo Senado, mas o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) já afirmou, na segunda-feira (8/5), que a “tendência” é que os senadores aprovem o projeto de decreto legislativo, que derruba as mudanças feitas pelo governo federal no Marco do Saneamento.

Orçamento secreto e cargos

Enquanto cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água tratada e 100 milhões ainda não têm ao esgoto tratado, o que está em jogo entre o Congresso e o Planalto é a liberação dos espólios do Orçamento Secreto de Bolsonaro, agora sob o comando dos ministérios e que tinham sido declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Derrubar os decretos sobre o Saneamento foi apenas uma “calibragem” entre as relações do Legislativo e do Executivo neste início de mandato. E Lula já está cedendo. Nesta semana, o Jornal Estadão noticiava que o presidente cobrou do ministro da Casa Civil, Rui Costa, a liberação desses recursos do Orçamento Secreto prometidos para deputados e senadores, já que Costa queria segurar cerca de R$ 10 bilhões para o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ser lançado neste mês. Para justificar a medida, Lula “disse que não dá para comprar briga com o Congresso, muito menos agora, às vésperas do envio da proposta da nova âncora fiscal”.

E as negociatas não param por aí. Lula também pediu um relatório sobre pendências que faltam ser resolvidas para nomear indicados de partidos aliados em cargos do primeiro e segundo escalões. 

Segundo o Estadão, ele queria ver os dados antes das reuniões previstas para esta semana entre ministros do PSB, PSD, MDB e União Brasil – partidos que votaram contra a orientação do Planalto na análise do Marco do Saneamento – e dirigentes das legendas. Juntos, o MDB, PSD, União Brasil e PSB já comandam 12 dos 37 ministérios e todos os 48 deputados da bancada do União Brasil, por exemplo, ficaram contra o governo na votação das mudanças no Marco do Saneamento. 

Tudo isso evidencia que nada mudou no modo lulista de governar por meio de conchavos e acordos com os inimigos da classe trabalhadora. Pelo contrário, essa postura se aprofundou. E tudo isso para aprovar propostas que não resolvem realmente o problema do saneamento no país e ainda ampliam a exploração privada do que deveria ser um direito: água e esgoto tratados. 

Ao longo de todos os mandatos do PT, do impeachment, dos governos Temer e Bolsonaro, a Esquerda Marxista tem explicado que os interesses de nossa classe só podem ser atendidos por meio de um verdadeiro governo dos trabalhadores, apoiado na força da classe trabalhadora contra esse Congresso de ladrões.  

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