Carta aberta ao SATED-SP debate a profissão de artista e técnico, a DRT e o papel do sindicato

Introdução

O Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversão do Estado de São Paulo (SATED-SP) promoveu durante os meses de abril e maio uma barulhenta campanha contra o que chamava de “a extinção do registro profissional de artistas e técnicos”, envolvendo uma suposta luta contra a extinção da DRT. Essa sigla refere-se ao registro feito na carteira de trabalho do artista ou técnico ou impresso diretamente pelo próprio site do Ministério do Trabalho. Esse documento em nosso país, por força de lei, é pré-requisito ao exercício da profissão de artista ou técnico de espetáculos.

O motivo de tal campanha foi a colocação na pauta do STF de duas ações de arguição de descumprimento de preceito constitucional, a ADPF 293 e a ADPF 183. A ADPF 293, de 2013, propõe o fim da exigência do diploma superior ou técnico ou ainda, quando na ausência desse, do Atestado de Capacitação Técnica para a emissão da DRT, alegando a inconstitucionalidade de tal exigência. ADPF 183, além de propor o fim de requisitos para o exercício da profissão de músico, propõe a extinção da Ordem dos Músicos do Brasil.

O SATED-SP, e outros SATEDs por todo o Brasil, colocaram-se contra as duas ADPFs. Para isso fizeram todo tipo de alianças políticas absurdas e criaram um clima de terrorismo, afirmando que seria “o fim da profissão artista“. Por trás de tais argumentos, reside uma luta da atual diretoria por não perder uma de suas fontes de renda: a cobrança de altas taxas pelas bancas para a emissão do Atestado de Capacitação de Profissional. A atual legislação, redigida ainda sob a ditadura, concede ao sindicato o monopólio da emissão do atestado, permitindo-lhe a cobrança e a imposição de seus critérios para considerar alguém como “profissional”. Consideramos que tal pedágio cobrado pelo sindicato para o exercício da profissão é inaceitável e que não cabe a uma organização de trabalhadores o papel de “juiz”, de polícia do Estado, definindo quem pode ou não trabalhar como artista!

Os artistas e técnicos militantes da Esquerda Marxista em São Paulo apresentaram uma crítica contundente a essa posição da maioria da atual direção do sindicato. Nossa posição tomou grande alcance após a publicação de um artigo, assinado pela camarada Jacqueline Takara, membro suplente da direção do SATED-SP, e por mim, no dia 6 de abril no site da Esquerda Marxista. Esse foi um dos poucos documentos publicados que dedicou-se verdadeiramente a explicar o real conteúdo das ADPFs e a analisar seu real significado. Colocamos em pauta o papel social da própria DRT e o nefasto papel que vem cumprindo nosso sindicato, à luz do materialismo histórico dialético. O artigo “Profissão do artista em perigo? Uma análise sobre o que é a DRT e a luta dos artistas e técnicos por seus direitos” pode ser lido nesse link. Sugerimos sua leitura, para a melhor compreensão da questão.

A campanha do SATED-SP praticamente desapareceu, após o adiamento do julgamento da ADPF 293 e da ADPF 183 pela presidente do STF, Carmem Lúcia. Mas as questões de fundo suscitadas pelas ADPFs e todo o estardalhaço de tal campanha equivocada não podem ser esquecidas, pois dizem respeito ao papel que deve cumprir o sindicato: um instrumento do Estado ou um instrumento independente de luta da categoria em defesa de seus direitos. Levantamos a polêmica acerca do papel da DRT e o papel do sindicato desde o ano de 2017, e seguimos debatendo essas questões.

É justamente por essa posição que estivemos envolvidos diretamente na elaboração de uma Carta Aberta ao SATED-SP, em parceria com diversos artistas, técnicos, estudantes e profissionais ligados às lutas em defesa dos direitos dos artistas e técnicos, bem como por políticas públicas para a cultura. Exigimos do SATED a revisão de sua política para a concessão do Atestado de Capacitação Técnica, que hoje exclui grande parte dos artistas e técnicos do mercado formal. Somos pelo fim das taxas cobradas, pelo fim da banca, em defesa do livre exercício profissional e da liberdade de expressão.

A carta é publicada inicialmente com 52 primeiros signatários, de diferentes movimentos e das mais variadas orientações políticas, e seguirá aberta a novas adesões. Ela vem sendo divulgada em diversas plataformas e por artistas, técnicos, militantes e ativistas das mais variadas tradições e orientações políticas.

Somando as novas adesões, coletadas nas próximas semanas, pretendemos organizar uma entrega da carta no sindicato, abrindo esse debate junto à diretoria e à categoria como um todo. Convidamos todos os que concordam com o conteúdo da carta a assinarem conosco, enviando seu nome, profissão/função e, caso haja, o(s) grupos/coletivos em que trabalham.

Abaixo publicamos seu texto na íntegra:

“Caros companheiros da Direção do SATED-SP,

Nós, assinantes desta carta, somos parte do grande número de artistas e técnicos que lutam em defesa dos direitos dos artistas e técnicos e por políticas públicas para a cultura, lutas nas quais muitas vezes nos encontrarmos com diversos membros da chapa Transparência e Renovação, que disputou e venceu o processo eleitoral para a direção do SATED-SP, no ano passado. Filiados ou não, com ou sem DRT, em muitos combates nos últimos anos sentimos a falta de um sindicato de artistas e técnicos combativo e sempre soubemos que isso nunca aconteceria enquanto estivesse sob a direção de Lígia de Paula. Muitos de nós acompanharam e participaram deste processo e comemoraram esta recente vitória eleitoral, esperançosos que, ao mudar a direção do sindicato, ocorresse uma mudança drástica nos rumos políticos do SATED, retomando-o para o combate neste momento de forte acirramento da luta de classes no Brasil e no mundo.

É por toda esta série de motivos que nos vemos na obrigação de dirigir esta carta à atual diretoria do Sindicato. Apesar de ter derrotado Lígia e sua turma, vemos a atual diretoria da entidade manter algumas das principais linhas políticas e práticas da antiga gestão, em particular, sobre sua forma de financiamento e sobre as bancas para a emissão do Atestado de Capacitação Profissional para a emissão da DRT, o que se expressou na equivocada campanha do SATED contra a ADPF 293.

Vemos o sindicato manter suas antigas formas de financiamento totalmente estranhas às tradições do sindicalismo combativo e classista. Mais que isso, somos informados de que, numa assembleia esvaziada e sem debate prévio com a categoria, a prestação de contas do último ano de gestão da Lígia, constantemente acusada de fraudes e desvios, foi aprovada sem qualquer auditoria! Como explicar isso?

Parte considerável dos artistas e dos técnicos que trabalham no Estado de São Paulo não tem DRT. E isso nada tem a ver com qualificação artística ou profissional. Quem tem o direito de estabelecer critérios para atestar quem pode ou não ser chamado de profissional? Nós dizemos que ninguém, nem o Estado, muito menos nosso próprio sindicato.

Os artistas e técnicos que não possuem DRT, impedidos de acessar o mercado “formal” e sem poder concorrer pelos melhores contratos, são parte do setor mais explorado e mais precário de nossa categoria. Nosso sindicato deveria servir, acima de tudo, para defendê-los.

A atual diretoria do SATED, no entanto, adota uma posição inversa a tudo isso. Ela defende e trabalha por tornar mais rigorosos os critérios para a emissão da DRT, aumentando assim o tamanho da barreira imposta pelo mercado capitalista à sobrevivência dos trabalhadores da arte.

Esta posição leva a uma situação gravíssima! Formou-se nos últimos meses uma frente única que, nesta questão, levou a maioria da diretoria do SATED-SP a fazer coro com muito do que há de pior no cenário político brasileiro, desde a histórica inimiga dos músicos, a Ordem dos Músicos do Brasil – OMB -, passando pelo Secretário Adjunto da Secretaria de Cultura do Estado de SP do governo Alckmin – estes dois últimos estavam na mesa no evento na FUNARTE junto com o sindicato – chegando até ao Ministério da Cultura do governo de Michel Temer, que se pronunciou através de nota em seu site, em abril, contra a aprovação da ADPF 293. É evidente que uma aliança como esta não pode estar em defesa dos direitos de artistas e técnicos. Esta campanha pode até mesmo agravar a situação de muitos trabalhadores que não têm as mínimas condições para pagar os 600 reais exigidos pelo sindicato e atender seus requisitos!

Acreditamos que nosso sindicato não deve cumprir este papel e que sua missão deveria ser representar e lutar pelos direitos dos artistas e técnicos frente aos patrões e governos. Um sindicato deve ser independente e lutar por trabalho e direitos. Nunca ser um entrave aos que precisam trabalhar, cobrando esta espécie de “pedágio” para terem acesso ao mercado formal e aplicando seu “juízo” para avaliar quem pode ou não ser chamado de artista ou técnico. Fazendo isso, o sindicato, além de manter tantos sem trabalho formal, mantém a própria categoria fora das bases do sindicato. No SATED, hoje, para ser filiado não é preciso ser trabalhador, mas apenas ter DRT. Uma grande distorção que permite a patrões serem filiados e exclui trabalhadores de sua base.

De nada adianta uma nova diretoria se não for para mudar tudo isso. Ela deve romper com toda a herança política da gestão da Lígia de Paula e seus métodos. Ela deve se converter num guia de luta e não num obstáculo para os artistas e técnicos. Para isso, acreditamos que o SATED-SP deva permitir a todos que solicitem o Atestado de Capacitação que o obtenham gratuitamente, sem terem que se submeter a uma banca. Adotando essa postura, nestes temas, a direção do SATED contará com todo o nosso apoio ativo e de luta.”

Primeiros assinantes:

Jacqueline Takara, Suplente da Diretoria de Interior do SATED-SP – oposição / atriz – Grupo Teta; Vinícius Camargo, Músico, compositor e ator – Unidos do Quintal e Cia Burucutu; Luiz Checchia, diretor – Teatro dos Ventos / Conselheiro de Cultura de Osasco; Camila Costa Melo, atriz e técnica – Teatro dos Ventos; Iohann Iori, ator e técnico – Teatro dos Ventos; Caio Pacheco Martinez, Ator – Trupe Olho da Rua; Bruna Telly, atriz – Trupe Olho da Rua; João Luiz P. Junior, ator e músico – Trupe Olho da Rua; Juh Vieira, músico, compositor e ator – Cia Casa da Tia Siré; André Mainardi, técnico de áudio; Kanansuê Gomes, ator e produtor; Belen Palkovsky, atriz – Serafin Teatro; Isabela Penov, atriz e poeta; Fabrício Muriana Area Lima, ator e crítico de teatro; Dinne Queiroz, diretora – Coletivo Encarnadas;  Raquel Zichelle, atriz; Daniel Roque, Diretor de cena, cenógrafo, cenotécnico e aderecista; Priscila Ortelã, atriz – Coletivo Amapola de Teatro e Poesia Urbana e Grupo Teta; Elves Ferreira dos Santos, músico e iluminador – Coletivo 7 Na Linha; Lis Ricci, atriz e dramaturga – Coletivo Amapola e Grupo Teta; Fabrício Pinho, técnico de som; Sidney Herzog, artista circense e arte-educador – Associação Porto Circense; Caio Dezorzi, professor de artes cênicas; Yã Ossaiê dos Santos Mostachio, ator e operador de luz; Pedro H. Medeiros Convento, ator; Amanda Nascimento, atriz e estudante do Instituto de Artes da UNESP; Raíssa de Campos, atriz; Amanda Cotrim, atriz e escritora;  Miguel Roque, ator; Ana Lee Garcia, atriz e diretora; Moisés Gabriel, violista da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal e estudante da Escola Municipal de Música; Clarissa Bonvent, violinista da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal e estudante da Escola Municipal de Música; Luciana Gabriel, atriz e produtora; Domingos Verzinhasse, ator – Frente Inflamável de Cena; Flávia Tieme Teraoka, bailarina; Luciano Antônio Carvalho, músico, compositor e ator – Coletivo Território B e Coletivo Reinventachão; Gabriel Parreira, músico da Banda Cardume; Renato Caixeiro, ator, apresentador e técnico da Sec. de Cultura de Osasco; Jéssica Duran Tunes, atriz – Coletivo Classista de Cultura Ísis Rodriguez; João Melo, ator – Coletivo Classista de Cultura Ísis Rodriguez; Renato Antônio, artista circense; Fernanda Condoritto, atriz; Thalita Gabriele Leal Bueno da Cruz, atriz; Hedcley Barros, ator; Katherin Garcia, atriz; William Fernandes do Nascimento Moura, artista circense; Thaís Monteiro, atriz; Pedro Venturini, poeta e dramaturgo; Márcio Ale Rocha, ator e conselheiro de cultura de Osasco; Gerson Almoster, ator; Stefany Borba, atriz e produtora visual; Thiago Fermino, músico – Unidos do Quintal.